Importação - polêmicas tributárias

AutorJosé Eduardo Soares de Melo
CargoDoutor e Livre-Docente em Direito - Professor Associado da PUC/SP
Páginas225-238

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1. Imposto de importação

A "importação de produtos estrangeiros" (CF, art. 153,I), constitui o cerne da materialidade da hipótese de incidência tributária, compreendendo um negócio (jurídico) relativo a uma contraprestação de uma obrigação de dar, consoante os postulados do direito privado.

A incidência ocorre em decorrência da prática de "operações" (jurídicas) que têm produto por objeto, em face do quê, para a configuração jurídica do tributo, são apontados os requisitos seguintes: (i) existência de um produto e (ii) razão jurídica.

O gênero "produto" tem sido conceituado da forma seguinte:

"Produto - Tudo aquilo que se extrai da coisa ocasionalmente, ou sem periodicidade, com redução da própria substância que, por sua natureza, não se reproduz; a mica de ouro, que se extrai de uma mina; a madeira que se tira de uma floresta etc. 2 (leg. Ind.) - A coisa que se obtém da indús-tria humana, empregada para transformar em utilidades a matéria-prima; produto manufaturado" (Pedro Nunes, Dicionário de Tecnologia Jurídica, 12a ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1990, p. 687).

"Produto. Juridicamente exprime o vocábulo de toda utilidade produzida. E, neste sentido, tanto designa as utilidades materiais, tiradas do solo e subsolo, ou produzidas direta ou indiretamente por eles, como os que se fabricam ou se produzem pela ação do homem, pela transformação de uma coisa em outra e pelo trabalho. Desse modo, os produtos dizem-se naturais ou industriais" (De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 2a ed., Rio de Janeiro, Forense, 1990, p. 464).

Tendo em conta as definições de Sebastião de Oliveira Lima (O Fato Gerador do Imposto de Importação na Legislação Brasileira, São Paulo, Resenha Tributária, 1981, pp. 45-46), Américo Masset Lacom-be (Imposto de Importação, São Paulo, Ed. RT, 1979, p. 18) e José Roberto Vieira (IPI - A Regra-Matriz de Incidência - Texto e

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Contexto, Curitiba, Juruá, 1993, pp. 72-73), entendeu-se o seguinte: "Extraem-se os pontos comuns ora relevantes: a inclusão da necessidade de produto ser um bem corpóreo, que atende às necessidades humanas (por isso avaliáveis economicamente), resultante da transformação progressiva dos elementos da Natureza. Então, a doutrina predominante entende ser ínsita ao conceito de produto a sua existência física, corpórea, atômica" (Miguel Hilú Neto, "Imposto sobre importações e bens virtuais, em Internet", in Luís Eduardo Schoueri (org.), O Direito na Era Virtual, Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 79).

O "produto" pode resultar de uma determinada atividade (física, mecânica, digital etc.), compreendendo as elaborações artesanais, naturais, intelectuais, artísticas, de natureza corpórea; e também intangível, como é o caso de um softwa-re (abrangendo instruções em linguagem natural ou codificada, apresentadas de forma digitalizada), bem como a energia elétrica.

No caso do imposto de importação (art. 153, I, da CF) a incidência é mais significativa, uma vez que abrange o gênero "produto", e não unicamente uma de suas espécies ("produto industrializado"), como previsto para a incidência do IPI (art. 153, IV, da CF).

Entretanto, o legislador ordinário restringiu o âmbito da tributação ao estabelecer que "o imposto incide sobre mercadoria estrangeira" (Decreto-lei 2.472/1988, dando nova redação ao Decreto-lei 37/1966), que pode ser considerada como o bem corpóreo, ou incorpóreo (energia elétrica), da atividade empresarial do produtor, industrial e comerciante, tendo por objeto sua distribuição para o consumo, compreendendo-se no estoque da empresa, distinguindo-se das coisas que tenham qualificação diversa, segundo a ciência contábil, como é o caso do ativo permanente e bens de uso e consumo.

Relativamente ao software, há que ser observada diretriz jurisprudencial no sentido de que - regra geral - não representa mercadoria, mas operações de "licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador; e que essa qualificação jurídica restringe-se à circulação de cópias ou exemplares dos referidos programas produzidos em série e comercializados no varejo (software de prateleira), os quais, materializando o cor-pus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio" (STF, 1a Turma, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 10.11.1998, DJU-1 11.12.1998, pp. 10-11).

Portanto, em face da postura do STF, "a importação de bens virtuais (bens não-corpóreos) não está inclusa na descrição da conduta tributável pelo imposto sobre importações, o que impede a sua incidência" (Miguel Hilú Neto, "Imposto sobre importações e bens virtuais, em Internet", in Luís Eduardo Schoueri (org.), O Direito na Era Virtual, p. 82). Também sendo concluído que "a operação de transferência via Internet de softwares, livro ou música não é passível de tributação pelos impostos de importação/exportação, sob a égide do atual texto constitucional" (Leo Krakowiak e Ricardo Krakowiak, "Tributação aduaneira e problemas jurídicos decorrentes da informatização do comércio exterior", in Marco Aurélio Greco e Ives Gandra da Silva Martins (coords.), Direito e Internet - Relações Jurídicas na Sociedade Informatizada, São Paulo, Ed. RT, 2001, p. 74).

Conforme observado (Marco Aurélio Greco, "Comércio exterior e novas realidades - Problemas emergentes", RDTribu-tário 44/121, São Paulo, Malheiros Editores), revelam-se a insuficiência de conceitos clássicos, a crise da idéia de fronteira, a perda do controle da aduana, em que não ocorre a conferência documental e física da mercadoria, objetivando identificar o importador e determinar seu valor e classificação e constatar o cumprimento das obrigações fiscais, questionando a respeito do cabimento do controle das operações

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e atividades concernentes a elemento virtual.

A União não exerceu sua ampla competência (instituição do imposto sobre negócio jurídico atinente a produto importado), limitando-se a estabelecer a tributação sobre uma determinada categoria de produtos, ou seja, mercadorias, inseridas num ciclo mercantil, tratando de nítida distinção que o operador do Direito se encontra compelido a observar.

Embora já se tenha ponderado que "o vocábulo 'mercadoria' utilizado no art. 1o do Decreto-lei 37/1966 não pode restringir o conceito de produto - previsto na Constituição Federal, e mercadoria - no decreto-lei, devem ser entendidas como sinônimas, Isto é, como 'bem corpóreo" (Luiza Nagib, O Sistema Tributário Brasileiro e o Imposto sobre a Importação, dissertação de Mestrado apresentada na PUC/SP em 1998, pp. 145-146, inédita), penso que não se pode desprezar a marcante distinção conceitual.

Em conseqüência, a legislação ordinária apenas permitiria a exigibilidade do imposto de importação relativamente às importações de mercadorias, isto é, os bens que sejam objeto de atividade mercantil, em face do quê os bens (produtos) que tenham destinação diversa (imobilização, uso e consumo) não poderiam ser objeto de exigência tributária. Dessa forma, não acompanho o entendimento no sentido de que seja irrelevante o título que se dá ao ingresso no território nacional, ou a sua destinação, como adverte Osíris de Azevedo Lopes Filho (Regimes Aduaneiros Especiais, "Coleção de Textos de Direito Tributário", São Paulo, Ed. RT, 1983, p. 66).

2. IPI

A Constituição Federal de 1988 dispõe que compete à União instituir o imposto sobre produtos industrializados (art. 153, IV). A materialidade tributária não se contém na simples expressão constitucional, muito menos no conceito de "produto industrializado" previsto no Código Tributário Nacional (art. 46) como sendo aquele que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza, a finalidade ou o aperfeiçoe para consumo.

A incidência tributária não se verifica sobre o ato de elaboração do bem (produção industrial), inserida exclusivamente no âmbito de "fazer" alguma coisa. A realização de "operações" é que molda a ti-picidade prevista na Constituição Federal, configurando o verdadeiro sentido do fato juridicizado, ou seja, a prática de operação jurídica, como a transmissão de um direito (posse ou propriedade). Essa operação tem "produto industrializado" por objeto, em razão do quê, para a configuração jurídica do IPI, podem ser apontados os requisitos seguintes: (i) existência de um produto industrializado e (ii) um negócio jurídico, conforme examinado em estudo específico (José Eduardo Soares de Melo, O Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI - na Constituição de 1988, São Paulo, Ed. RT, 1991, p. 117).

De modo arguto observou-se que "as operações com produtos industrializados, contidas no descritor da regra-padrão do IPI, constituem operações sempre jurídicas. E operações jurídicas que promovem a saída de produtos industrializados, transferindo-lhes a propriedade ou ao menos a posse, donde se pode afirmar que a materialidade da hipótese de incidência do IPI consiste numa obrigação de dar" (José Roberto Vieira, IPI - A Regra-Matriz de Incidência - Texto e Contexto, p. 80).

Não há dúvida de que a industrialização de um bem constitui atividade imprescindível para cogitar da existência concreto do fato gerador do IPI. Para conceituar "produto industrializado", o intérprete deve pautar-se por elementos técnicos, físicos e operacionais (e mesmo empresariais), dentro de um contexto constitucional.

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Produtos industrializados podem ser considerados "aqueles obtidos pelo esforço humano aplicado sobre bens móveis quaisquer, em qualquer estado, com ou sem uso de instalações ou equipamentos. Haverá produto industrializado se, do esforço humano sobre bem móvel, resultar acréscimo ou alteração de utilidade, pela modificação de qualquer de suas características. Inocorrendo tal efeito, tratar-se-á de simples...

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