Policontexturalidade e Estado

AutorLeonel Severo Rocha
Páginas11-20

Leonel Severo Rocha. Pós-doutorado em Sociologia do Direito pela Universita degli Studi di Lecce e Doutorado pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales de Paris. Mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria (1979) Atualmente é professor titular da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Professor da UCS e Colaborador da URI. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Teoria Geral do Direito, atuando principalmente nos seguintes temas: Teoria dos Sistemas Sociais e Teoria do Direito. Pesquisador do CNPq.

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1 Considerações Iniciais

O objetivo deste texto é a análise da temática do Direito, da Política e da Ecologia a partir da elaboração de um novo Direito, o Direito Reflexivo, a partir da idéia de Estado Ambiental de um ponto de vista Autopoiético.

Nesta linha de idéias, não se trata de uma visão juridicista do Estado, legalista, típica de um Direito Ambiental dogmático que ignora o pluralismo e a complexidade da sociedade, sendo, ao contrário, uma visão sistêmica.

A tese parte da unidade da observação da Política e do Direito a partir da oposição entre “Policontexturalidade Jurídica e Estado Ambiental”. A Policontexturalidade é uma metáfora re-utilizada (Luhmann, Teubner) como critério de investigação da fragmentação do sentido na pós-modernidade, sendo uma interessante perspectiva para a análise do Pluralismo Jurídico Transnacional. A Policontexturalidade é engendrada pela Autopoiese. Já a expressão “Estado Ambiental” (Canotilho) é um re-direcionamento da função do Estado como organização política visando a abordagem de seus limites e invenções para a sua manutenção como Ator Social privilegiado. Para tanto, entende-se que os novos direitos são o campo temático onde a Observação Policontextural e a operacionalidade organizacional do Estado estão redefinindo a complexidade do acoplamento entre o Direito e a Política do ponto de vista de um Direito Reflexivo.

Na sociedade globalizada do século XXI a teoria dos sistemas sociais aparece como uma das possibilidades de construção de comunicações diante de uma situação de alta complexidade. Com o intuito de contribuir com a produção de maneiras diferentes de observação conjunta da Política e do Direito propomos uma nova forma. Toda forma deriva da diferenciação primária entre Sistema/Ambiente (Luhmann). Nesta lógica pode-se propor uma outra oposição(forma) entre “Policontexturalidade Jurídica/Estado Ambiental”.

Neste sentido, o Estado Ambiental deve na policontexturalização da sociedade voltar-se para a construção de uma Eco-cidadania. O nosso objetivo principal é portanto contribuir para a redefinição da Teoria do Direito propondo uma revisão da postura que centraliza a organização do poder somente no Estado, subestimando o pluralismo de fontes do poder que constituem a incerteza, e o risco, como condição de co-evolução da sociedade contemporânea. Os chamados novos Direitos exigem igualmente novas formas de observação/operacionalização dos sentidos na sociedade. Na teoria dos sistemas a sociedade é constituída pela Comunicação. As organizações ocupam destacado papel na atualização do sentido produzido na sociedade.

O Estado nacional foi considerado durante muito tempo como a organização mais importante da Política, comunicando-se com os demais sistemas, principalmente, o sistema do Direito. Para tanto, criou-se o acoplamento estrutural entre Direito/Política: o Estado de Direito. No final do século XX e início do século XXI surgiram manifestações políticas transnacionais que abalaram os processos tradicionais de comunicação. Gunther Teubner tem observado esses pluralismos como Policontexturalidade.

Nesta linha de idéias um importante problema jurídico passou a ser a dificuldade de auo-organização de sua comunicação. Isto é, como produzir sentidos normativos numa crise do Estado de Direito. Talvez um dos pontos mais cruciais seja a possibilidade de desintegração do tecido social pelaPage 12 ampliação dos riscos ambientais. Por isso, a ênfase na redefinição do Estado como ator global voltado a uma função Ecológica: o Estado Ambiental.

Deste modo, o nosso objetivo principal será analisar a comunicação ecológica , vista como condição de Observação para o surgimento de um Direito reflexivo, a partir da oposição Policontexturalidade / Estado Ambiental. Iremos demonstrar a importância desta proposta por meio de uma re-elaboração conceitual do Direito desde a Teoria dos Sistemas Sociais de Luhmann.

2 Observação

A observação do Direito é uma das grandes contribuições da teoria luhmaniana para a renovação da dogmática jurídica do século XXI. Neste momento, faremos uma breve introdução a esta perspectiva relacionando-a com o Normativismo e pluralismo jurídico. Luhmann numa homenagem ao sobrinho de Wittgenstein, o premio Nobel Heinz Von Foester, analisa a famosa perspectiva proposta por Foester para a observação: o ponto cego1. Para Luhmann, o valor dessa observação não é plenamente percebido se continuamos presos a unidade de um sujeito do conhecimento. Pois na observação sempre existe uma pluralidade de sujeitos. E também os sujeitos observam o mesmo mundo com olhares paralelos2. Para Luhmann, a epistemologia clássica se interessaria pelas relações intersubjetivas onde cada sujeito produziria a mesma observação e o mesmo mundo. Daí o problema de se encontrar a verdadeira observação, ou como aponta Platão o erro3.

Heinz Von Foster, segundo Luhmann, propõe algo mais avançado: observing systems. Uma cibernética de segunda ordem ou cibernética de observação de observadores. Com isto se passa da observação monocultural a outra policontextural4. Com isto, Luhmann afirma que se “supera a banalidade de se postular a intersubjetividade como algo sui generis”5. Esta observação da complexidade poderia ser feita conforme Gotthard Gunther a partir de cálculos matemáticos, mas também seria aplicada a sistemas empíricos. Com isto temos uma lógica de múltiplos valores e se acentua a operação empírica de observar (Luhmann).

Para Foster, a observação como operação implica na fórmula Draw a distinction! Com isto Luhmann, aproxima Foster de George Spencer Brown. Para Luhmann, uma distinção sempre tem dois lados e eventualmente passar de um lado a outro (Spencer Brown: crossing). Deve indicar (Spencer Brown:indicate) o que se observa. Portanto para Luhmann, “a observação seria uma operação que utiliza uma distinção para indicar um lado (e não o outro). Em consequência é uma operação com dois componentes: a distinção e a indicação, que não podem amalgamar-se nem separar-se operativamente”6. Como se sabe isso nos leva ao problema da auto-referencia que Francisco Varela resolve com a self-indication.

Na observação de segunda ordem se poderia ser tentado a recuperar a metalinguagem do neo-positivismo lógico e verificarmos se a linguagem de primeira ordem é verdadeira ou falsa. Mas Luhmann ultrapassa a questão desde Maturana, e além dele, analisando se os sistemas sociais são sistemas operativamente fechados, autoreferenciais ou autopoiéticos, colocando por base a comunicação. Deste modo, Luhmann substitui a teoria do conhecimento baseada no sujeito por uma teoria do conhecimento que poderia denominar-se construtivismo operativo (Luhmann). A “distinção ontológica ser/não ser perde a sua primazia teórica e a forma binária da lógica clássica sua primazia metodológica”7.

Nesta linha de idéias, para Luhmann se pode observar a sociedade moderna desde uma visão que operacionaliza o sentido por meio de conceitos como os de fechamento operacional, função, codificação/programação, diferenciação funcional, acoplamento estrutural, autodescrição e evolução8.

3 Racionalidade e Epistemologia

Neste item queremos contribuir para a observação do lugar onde se insere a teoria luhmaniana no quadro epistemológico das ciências sociais e jurídicas. Parte-se da proposta de que existe uma sociologia da modernidade.Para Danilo Martuccelli9 a modernidade “designa exatamente a sociedade contemporânea e o tempo presente. A interrogação sobre o tempo atual e a sociedade contemporânea é o denominador comum da modernidade. Para Martuccelli, a sociologia da modernidade provém de um duplo movimento voltado para a construção de representações globais adequadas e da consciência imediata de sua ruptura com a realidade” (Idem, ibidem, p. 11.).

A modernidade se relaciona nessa ótica com uma reflexão que jamais consegue conciliar dois projetos simultâneos: de um lado, a vontade de produzir modelos estáveis da realidade social, e de outro lado, a consciência de que a situação social sempre é indeterminada e o mundo irrepresentável. O dilema da modernidade é a proposta de elaboração de uma racionalidade de um mundo que se sabe que não se pode observar completamente devido a sua diferenciação.

Para Martuccelli a sociologia possui três matrizes principais: a diferenciação social; a racionalização; e a condição moderna. A partir destas matrizes se elabora o contraponto da modernidade desde a chamada crítica pós-moderna. É dentro deste vasto campo analítico que se pode introduzir a obraPage 13 de Niklas Luhmann nas ciências sociais. Para Martuccelli, ele se insere no caminho aberto por Émile Durkheim denominado de diferenciação social. Na mesma linha, teríamos como destaque Talcott Parsons e Pierre Bourdieu. Porém, nós entendemos que além dos aspectos da relação entre diferenciação e integração de Durkheim, existem claros pontos de contato com as idéias de racionalização de Weber, Foucault e Habermas.

Niklas Luhmann para enfrentar essas questões recorre a Teoria geral dos Sistemas10: Esta teoria ao longo dos anos 50 foi aprofundada por...

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