Política externa, projeto nacional e política econômica ao final do Estado Novo

AutorFrancisco Luiz Corsi
CargoFrancisco Luiz Corsi é Professor de Economia Brasileira da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp)
Páginas67-93
Dossiê
* Francisco Luiz Corsi é Professor de Economia Brasileira da Faculdade de Filosofia
e Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp)
Política externa, projeto
nacional e política econômica
ao final do Estado Novo
Francisco Luiz Corsi*
1. Introdução
O
presente artigo discute a política externa brasileira no período
final do Estado Novo, em especial a política econômica externa.
Defende-se, aqui, a tese de que a política externa, nesse período, foi
fortemente condicionada por um projeto de desenvolvimento ca-
racterizado, pelo menos desde o alinhamento do Brasil aos Estados
Unidos, por uma proposta de desenvolvimento associado ao capital
estrangeiro. O recrudescimento do discurso nacionalista e a adoção
de medidas contrárias aos interesses externos, como a Instrução
Interministerial n. 7 e a chamada “Lei Malaia”, nos últimos anos da
ditadura estado-novista, relacionavam-se muito mais à crise interna
do Estado Novo do que à eventual ruptura da aliança estratégica com
os Estados Unidos, linha mestra da política externa de Vargas.
No contexto de relativa desarticulação da economia mundial,
decorrente da Grande Depressão dos anos 1930 e do acirramento
dos conflitos internacionais, que culminou na eclosão da II Guerra
Mundial, abriu-se aos países da periferia que já tinham alcançado
determinado patamar de desenvolvimento capitalista a possibilidade
de trilharem o caminho da industrialização a partir da definição de
projetos nacionais de desenvolvimento, como o de Vargas, no Brasil;
o de Cárdenas, no México; e, um pouco mais tarde, o de Perón, na
Argentina. Esses projetos não nasceram prontos. Foram ganhando
contornos mais nítidos ao longo do período de 1930 a 1955.
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Nº 12 – abril de 2008
Entre 1937 e 1939, o governo Vargas adotou uma série de
medidas que revelavam o esboço de um projeto de desenvolvimento
centrado no capital nacional, sem, contudo, excluir a contribuição do
capital estrangeiro, considerado importante para o crescimento da
economia nacional. As principais medidas foram: 1) adoção de uma
política externa mais independente; 2) moratória da dívida externa e
introdução do monopólio do câmbio; 3) articulação de um esquema
interno de acumulação de capital centrado na Carteira de Crédito
Agrícola e Industrial (CREAI) do Banco do Brasil, no fundo de inves-
timento formado por meio da taxação das operações cambiais e na
mobilização dos recursos das caixas de aposentadorias; 4) implantação
do Plano Nacional de Obras Públicas e Reaparelhamento da Defesa
Nacional, voltado para o desenvolvimento da indústria de base, dos
transportes e da energia; 5) priorização do projeto de implantação da
grande siderurgia; 6) outorgamento da constituição que determinava
a nacionalização dos recursos naturais, dos setores considerados
estratégicos para a economia e dos bancos e companhias de seguro
e 7) exacerbação do discurso nacionalista (CORSI, 2000).
Entende-se projeto nacional de desenvolvimento não como
um projeto que integra os interesses coletivos da nação, mas como
um projeto próprio de cada classe e facção de classe para a nação.
Ao se falar em projeto, não se quer dizer que as ações das classes,
das facções de classe e de grupos estejam previamente definidas
por um dado projeto. Mesmo porque esses projetos nunca apare-
cem acabados; eles sofrem inflexões ou são abandonados em razão
das lutas sociais e das mutáveis circunstâncias políticas, sociais e
econômicas (idem). Silva diz: “Como a sociedade é feita de conflitos,
projeto nacional não é entendido como projeto de toda a nação, mas
claramente como projeto para uma nação; e vinculado à ação de
determinadas frações das elites políticas dirigentes e à dominação
de classe” (SILVA, 2000, p. 13; sem grifos no original).
Esse projeto enfrentava inúmeros obstáculos, em particular
o do financiamento do desenvolvimento. Diante do acanhado setor
produtor de bens de capital da economia brasileira, aprofundar o
processo de industrialização significava, necessariamente, garantir
volumes crescentes de importação de máquinas, equipamentos e
matérias-primas. Tarefa difícil em uma fase de crise do comércio

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