Estado e política social: saúde

AutorRegina Maria Giffoni Marsiglia
CargoProfessora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSC-SP)
Páginas155-156
EDITORIAL
R. Katál., Florianópolis, v. 17, n. 2, p. 155-156, jul./dez. 2014
Estado e política social: saúde
Há várias décadas, os movimentos sociais na América Latina vêm lutando para que os direitos sociais
sejam contemplados nas políticas sociais dos governos eleitos após as ditaduras dos anos 1970, dentre eles, o
direito universal à saúde. No Brasil, o Movimento da Reforma Sanitária, que cresceu durante o período ditato-
rial, conseguiu influenciar a Constituição Federal de 1988, definindo os princípios e diretrizes do Sistema Único
de Saúde (SUS), na perspectiva do direito de todos e dever do Estado, em garanti-lo. Passados vinte e seis
anos, a expansão dos serviços e a inclusão de importantes segmentos da população nos anos 1990, fez com que
o SUS fosse bem avaliado por mais de 60% dos usuários. No entanto, pesquisas recentes vêm apontando o
aumento de avaliações negativas: quase 70% dos usuários fazem críticas ao sistema de saúde no país, tanto na
área pública quanto na privada.
É importante apontar desafios e pontos de estrangulamento que persistem no SUS e novos problemas
que foram se desenvolvendo ao longo destes anos: em primeiro lugar, a questão do financiamento, com a
redução proporcional dos gastos com a saúde no nível federal e ampliação da participação dos níveis estadual
e municipal. A emenda à Constituição, EC n. 29, aprovada em 2000, estabeleceu a porcentagem da arrecada-
ção que cada esfera de governo deveria destinar à saúde, mas sua regulamentação só ocorreu em 2012, e com
regras diferentes para o nível federal, que não vinculou seus gastos à arrecadação, apenas acrescentou a
variação do produto interno bruto (PIB) ao orçamento da saúde do ano anterior. Essa definição política tem
levado ao subfinanciamento do sistema e, com o processo de descentralização das ações, grandes pressões
são exercidas principalmente sobre os municípios, com a responsabilidade de garantir a atenção à saúde de
seus munícipes, no mínimo, no nível primário e a criação de novos postos de trabalho.
Outro ponto a ser abordado é que, apesar da expansão dos serviços públicos de saúde e da presença do
poder público na ampliação da prestação de serviços de nível terciário e/ou quaternário de atenção à saúde,
não se reverteu a tendência de privatização da prestação de serviços, especialmente no nível médio de comple-
xidade, herdada dos anos 1970/80: ampliaram-se os convênios de empresas médicas com empresas dos ramos
modernos da produção industrial e do setor terciário, ao mesmo tempo em que parte da atenção primária e
secundária prestada diretamente pelo SUS passou a ser contratada, no setor privado lucrativo ou não lucrativo,
por meio das Organizações Sociais de Saúde.
Reconhece-se que houve avanços na atenção primária com a Estratégia de Saúde da Família; nas
políticas de saúde mental, bucal e atenção à HIV/Aids; no atendimento às patologias complexas e de alto
custo; nas políticas de incentivo e indução para a formação de recursos humanos, por meio das ações conjuntas
dos Ministérios da Saúde e da Educação dos anos 2000 para cá; no controle social, com a expansão dos
Conselhos de Saúde e realização das conferências de saúde, em todos os níveis da administração pública. Mas
os avanços são insuficientes ou em algumas questões, houve reveses. A oferta de serviços está aquém da
demanda e o acesso é desigual entre os segmentos da população. As condições de atendimento e de trabalho
em muitos serviços são inadequadas, dificultando o desenvolvimento das políticas de Humanização e de Edu-
cação Permanente, definidas pelo Ministério da Saúde. Prevalece os baixos salários, sem perspectiva de
implantação e desenvolvimento de políticas de cargos e salários.
Este número da Revista Katálysis é composto de treze artigos e uma resenha, trazendo contribuições
importantes de pesquisas e reflexões sobre saúde e atenção à saúde, escritos por autores de diferentes países
e instituições de ensino. Seis deles são sobre o Brasil: A reforma brasileira na contemporaneidade: resis-
tência ou consenso, de Alessandra Ximenes da Silva; A saúde do trabalhador e a (des)proteção social no
capitalismo contemporâneo, de Aurora Marcionila de Assunção Ferreira e Angela Santana do Amaral; SUS:
da perda da radicalidade democrática ao novo desenvolvimentismo, de Tânia Regina Krüger; Universa-
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