A ação de imissão na posse prevista no artigo 37, § 2, do Decreto-lei n° 70/66

AutorGilson Luiz Inácio
CargoJuiz Federal Titular da 4a Vara Federal da Circunscrição Judiciária de Londrina - Seção Judiciária do Paraná, Mestrando em Direito Negociai pela Universidade Estadual de Londrina, professor de Direito Penal na Universidade Norte do Paraná -UNOPAR, professor de Direito Penal na FACCAR - Rolândia, professor convidado pela Coordenadoria Pedagógica do
Páginas87-92

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Introdução

O Sistema Financeiro da Habitação, criado pela Lei n° 4.380, de 21 de agosto de 1964, completa 36 anos de existência e sua criação, conforme consta no artigo Io, revelou-se voltada para a facilitação da aquisição da casa própria, especialmente à população de baixa renda.

Contudo, a pretensão não teve a eficácia esperada, na medida em que o contexto económico, sufocado pelas crises oriundas da política governamental, implicou um desajuste nas relações contratuais, ocasionando, em várias oportunidades, um descompasso entre a correção das prestações mensais e o aumento salarial, gerando uma inadimplência acentuada, problema gravíssimo que atualmente assola a maioria dos mutuários que se encontram nesse sistema.

Não obstante o insistente delírio legiferante, cujo intuito restou concentrado na tentativa de resgatar o propósito da sua criação, de forma a minimizar os efeitos maléficos evidenciados pela realidade, afigura-se, em um futuro não tão distante, uma nebulosa situação que, vaticinando a falência desse sistema - há muito tempo já se preconiza a instituição do Sistema Financeiro Imobiliário - implicará sua extinção e, conseqíientemente, a moradia será, cada vez mais, mera retórica, dada a omissão governamental no sentido de implementar o conteúdo material assegurado pelo legislador constituinte. E, nessa senda omissiva, relativamente ao valor fundamental da pessoa humana, o tratamento conferido a determinadas instituições dpminantes deste país é notoriamente diferenciado, evidenciando-se que a legislação infraconstitucional, anterior e posterior à Constituição de 1988, extremamente benevolente e protecionista, viola claramente os princípios constitucionais que constituem o fundamento da República Federativa do Brasil.

Objetiva-se, com este artigo, polemizar o procedimento previsto no Decreto-lei n° 70/66, notadamente quanto à legalidade da imissão de posse, porquanto a moradia, agora expressamente erigida à categoria de direito social1 e, portanto, fundamental, exige dos membros do Poder Judiciário,

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conforme já referido pelo Ministro Néri da Silveira,2 a observância do princípio da dignidade da pessoa humana, cujo conceito, a despeito de encerrar ambiguidade jurídica, deve conter valoração atrelada ao senso de Justiça.

No moderno constitucionalismo, o Estado tem obrigação de assumir posturas que outorguem possibilidades de inclusão de todas as pessoas no processo histórico-político, oportunizando-lhes acesso aos bens e serviços, cuja implementação, em regime democrático institucionalizado, expressamente consagrado no texto constitucional, deve ser conduzida tanto no aspecto positivo como no negativo3, esquadrinhando-se, no cenário real da vida, a efetiva concretização pelo Estado dos direitos sociais.

De efeito, deixando de ser ábsenteísta, passou o Estado a intervir no campo económico, objetivando impor a observância, por todos, inclusive a si próprio, dos postulados constitucionais, especialmente no que concerne à política da atividade económica, evitando-se, com a dicção constante no artigo 170 da CF/88, que o valor da pessoa humana possa ser mensurável, ou seja, determinou que tal valor fosse observado, não podendo ser suplantado por condutas políticas dos governantes de plantão que, comprometidos com a ideologia globalizante, apregoada com a queda do Muro de Berlim, olvidam-se dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

Essa tirânica política neoliberal, em sua trajetória, acarretará danos, cujo preço a ser pago será suportado, até que se reestruturem novamente os direitos sociais, vilipendiados pela acintosa conduta de desmonte do Estado nacional (privatizações, dilapidação do património público, enfraquecimento do Poder Judiciário etc), pelas gerações presentes e vindouras, marcadas pela maior incidência de desemprego e exclusão social, degradando-se, de forma injusta e indigna, a essência da pessoa humana.

Referida situação, de desequilíbrio institucional, conduzirá a reações, de início mais amenas, podendo, contudo, agigantar-se a ponto de encerrar a passividade dessa exclusão4, porquanto a globalização, centrada na livre competição, adjetivo tendencioso que parte de quantidades, indivíduos e Estados completamente diferentes, ocasiona a situação que aí se encontra presente, em que reinam a miserabilidade e a desestabilização social, causadas péla política do Curupira, cujos passos indicam direção oposta àquela que aparenta, retrocesso que, ao contrário do folclore, traz à tona a lição há muito escrita por Rousseau, ao iniciar o Contrato Social, em que os homens nascem livres e iguais em direitos, mas em toda parte encontram-se escravizados.

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O Direito à Moradia

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, originada da Revolução de 26 de agosto de 1789, em França, associou o regime constitucional à garantia dos direitos fundamentais5, tanto que as solenes Declarações de Direitos no preâmbulo dos textos constitucionais implicam uma verdadeira submissão do Estado aos direitos fundamentais, topograficamente inseridos em primeiro plano, significando, com isso, que o Estado deve existir para assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica de controvérsias6.

Assim, os direitos fundamentais almejam criar e assegurar a existência de uma vida na liberdade e na dignidade, não sendo expletivo sublinhar que a moradia, necessidade básica, integrando o direito à subsistência do ser humano, quer no seu aspecto físico, moral e emocional, traduz-se, em última análise, em direito à vida. E a vida, não podendo ser mensurada por critérios económicos, obrigatoriamente deve merecer, por parte do Estado, uma atuação no sentido de que sua política seja capaz de atender e concretizar esse...

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