Potencialidades da governança pública

AutorMaria Coeli Simões Pires
Páginas101-132
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CAPÍTULO
MARIA COELI SIMÕES PIRES
POTENCIALIDADES
DA GOVERNANÇA PÚBLICA1
SUMÁ RIO:1 2.1 Int rodução – cená rio intern acional da s sociedades
contemporâne as e impacto s nos sistemas p olítico-a dmin istrativos
− 2.2 A crise no ce nário inter no − 2.3 Governa nça na pauta int ernaciona l:
da origem pr ivada à sua evoluç ão para abord agem no setor público
− 2.4 Governan ça pública: 2.4.1 Di mensão políti ca e a governança públ ica
democrática: res sentimento político d a democracia representat iva –
instr umentos de part icipação; 2.4.2 Di mensão normat iva e o marco legal
de governança públic a no Brasil; 2.4.3 Di mensão fenomenológica:
fragi lidade da gover nança públic a e explicitaç ão dos jogos de governa nça
paralel a no Brasil; 2.4.4 A contri buição da nova govern ança pública para
o enfrenta mento de governanças pa ralelas − 2.5 Consider ações finais −
2.6 Referências.
2.1 Introdução – cenário internacional das sociedades
contempo râneas e impactos nos sistemas político-
-administrativos
O tracejo do cenário do século XXI pode ser fei-
to a partir de ensinos de Jacques Chevallier2, Professor da
1 Adaptação e complementaç ão de palestra proferida pela autora em 3 0 de
maio de 2017, no X Congres so Mineiro de Direito Ad ministrat ivo, realiza-
do em Belo Horizonte.
2 A leitura de cenár io é feita notadamente com base em Cheva llier (2009).
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Segurança Jurídica e Controle da Administração
Maria Coeli Simões Pires I Eurico Bitencourt Neto I Dayana Alves Guimarães
Universidade Paris II, destacado colaborador na discussão do
tema da governança em abordagem que transita pela Ciência
da Admin istração, pelo Direito, pela Sociologia e pela Ciência
Política.
Chevallier reconhece uma superlativa complex idade
das sociedades contemporâneas e profundas transforma-
ções “de seus princípios de organização [...] que atingem
também todos os níveis do edifício social, bem como o con-
junto das instituições (econômicas, culturais e políticas)”
(CHEVALLIER, 2009, p. 11). Adverte que “a interpretação
mais radical é a de ver essas transformações como o indí-
cio, um signo precursor, do fim do Estado enquanto forma
de organização política”. Em linha oposta, mostra a posição
dos que sustentam que “a globalização envolve não a obso-
lescência da forma estatal, mas a afi rmação da hegemonia do
modelo estatal que prevaleceu no Ocidente” (CHEVALLIER,
2009, p. 11).
Sustentando que as “transformações remetem a uma
dinâmica mais global de evolução” (CHEVALLIER, 2009,
p. 13), busca, então, desenvolver uma hipótese conciliadora
que “partirá da constatação da historicidade de um mode-
lo estatal que foi construído na Europa ocidental antes de
conhecer uma espetacular difusão, ao custo de variantes,
inflexões e distorções reveladoras do peso dos contextos lo-
cais” (CHEVALLIER, 2009, p. 13). E explica que, no atual
cenário, “todos os países são confrontados a um conjunto de
novos dados que conduzem a repensar a organização polí-
tica; e as novas tecnologias institucionais que emergem do
Ocidente terão a tendência de se propagar” (CHEVALLIER,
2009, p. 13). Segundo o autor, no bojo desse fenômeno glo-
bal e como contraponto a ele, a “‘glocalização’ traduz bem
essa complexa dinâmica de homogeneização e de diferencia-
ção que renasce incessantemente, inerente à globalização”
(CHEVALLIER, 2009, p. 13).
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— Capítulo 2: Potencialidades da governança pública —
Maria Coeli Simões Pires
Segundo o autor, as transformações experimentadas
pelo Estado e que acarretam a “perturbação do conjunto
de equilíbrios sociais [...] remetem a uma crise mais gené-
rica das instituições e dos valores da modernidade nas so-
ciedades ocidentais; e essa crise parece dever conduzir a
uma construção de um novo modelo de organização social”
(CHEVALLIER, 2009, p. 16). Estão elas lastreadas nas “re-
voluções tecnológicas”, nas “mutações do sistema produtivo”,
“da estratificação social”, na “inf lexão dos comportamentos e
de relações sociais [...] sob o modo de instantaneidade”, e no
“enfraquecimento do sistema de valores que foi a vanguarda
e a base da modernidade” (CHEVALLIER, 2009, p. 16-17).
Tudo evoca reflexão sobre a necessidade de conciliar mudan-
ças e novas formas de equilíbrio social, político e econômico.
De fato, basta lançar o olhar sobre o panorama global
para perceber a recorrência de pressões que abalam a orga-
nização social, a certeza do Estado e a confiança em suas
autoridades: cenas de terrorismo, conflitos que fragilizam
a soberania de Estados, grandes mobilizações em diversos
pontos do globo, privatização dos espaços públicos, escân-
dalos de corrupção político-administrativos, de modo que
“todos os países são confrontados a um conjunto de novos
dados que conduzem a repensar a organização política”.
(CHEVALLIER, 2009, p. 13).
Um balanço desses primeiros anos do milênio mostra
uma gama de fatos e movimentos que põem em xeque a re-
presentação do poder estatal: o panelaço da Argentina; o es-
cândalo de Jacques Chirac; os protestos no Sudeste Asiático;
as manifestações contra o Presidente da Geórgia; os protes-
tos no Irã; a prisão perpétua do ex-Presidente de Taiwan; o
movimento Camisas Vermelhas na Tailândia; o escândalo de
Berlusconi na Itália; as mobilizações na Tunísia; a Marcha do
Milhão no Egito; o escândalo da ex-Presidente sul-coreana por
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