A efetividade da arguição de descumprimento de preceito fundamental no controle concentrado de constitucionalidade da legislação municipal

AutorRicardo Muciato Martins
CargoMestre em Direito das Relações Públicas. Professor de Direito Constitucional e Teoria dos Direitos Fundamentais e Pesquisador do Programa Institucional de Pesquisa da Universidade Paranaense - UNIPAR.
Páginas133-162

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A EFEtIVIdAdE dA ArGuIção dE dESCuMPrIMEnto dE PrECEIto FundAMEntAL no ControLE ConCEntrAdo dE ConStItuCIonALIdAdE dA LEGISLAção MunICIPAL

Ricardo Muciato Martins1MARTINS, R. M. A efetividade da arguição de descumprimento de preceito fundamental no controle concentrado de constitucionalidade da legislação municipal. rev. Ciênc. Juríd. Soc. UNIPAR. Umuarama. v. 12, n. 2, p. 133-162, jul./ dez. 2009.

rESuMo:

A pesquisa que produziu este artigo verificou a constitucionalidade e efetividade do controle abstrato de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
– A.D.P.F., mediante a análise de decisões do Supremo Tribunal Federal – S.T.F. e revisão de literatura sobre o tema. A Constituição Federal brasileira de 1.988 – C.F./88, no art. 102, I, a, evitou o exame da constitucionalidade de lei ou norma municipal em face da Carta Magna pelo S.T.F., o qual segue esta regra para não usurpar competência de outro tribunal ou evitar uma avalanche de ações. Porém, o legislador constituinte de 1.988 inovou no controle abstrato de constitucionalidade com a A.D.P.F., prevista no art. 102, § 1º da C.F./88 e regulamentada pela Lei nº. 9.882, de 3 de dezembro de 1.999, que determinou, no art. 1º, ser seu objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público, servindo a A.D.P.F. também quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo municipal. Desta forma, o art. 1º da Lei nº 9.882/99, é inconstitucional e o S.T.F. ainda não analisou o mérito de qualquer A.D.P.F. proposta contra lei ou ato normativo municipal, seja pela falta das condições da ação ou pela perda de seu objeto, dentre outros motivos. PALAVrAS-CHAVE: Lei municipal. Lei nº 9.882/99. Eficácia. Competência.

1. Introdução

A pesquisa que permitiu a produção deste artigo buscou verificar a constitucionalidade e efetividade do controle abstrato de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – A.D.P.F., mediante a análise de todas as decisões do Supremo Tribunal Federal – S.T.F. nas referidas ações ingressadas até o momento, além da

[1] Mestre em Direito das Relações Públicas. Professor de Direito Constitucional e Teoria dos Direitos Fundamentais e Pesquisador do Programa Institucional de Pesquisa da Universidade Paranaense – UNIPAR. muciato@unipar.br. Rev. Ciênc. Juríd. Soc. UNIPAR, v. 12, n. 2, p. 133-162, jul./dez. 2009

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revisão da literatura que se considerou mais abalizada sobre o tema, notadamente o Curso de Direito Constitucional de Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco e Gilmar Ferreira Mendes, pelo fato de Gilmar ser o autor do tópico relativo ao controle de constitucionalidade e Ministro e atual Presidente do Supremo Tribunal Federal.

O controle concentrado de constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro, ao qual se agregou a ação declaratória de constitucionalidade por meio da Emenda Constitucional nº. 3, de 17 de março de 1.993, ainda não permitia, com a Constituição Federal de 1.988 – C.F./88, a:

[...] interpretação direta de cláusulas constitucionais pelos juízes e tribunais, direito pré-constitucional, controvérsia constitucional sobre normas revogadas, controle de constitucionalidade do direito municipal em face da Constituição Federal (MENDES et al., 2007, p.
1.087).

A fim de superar esta falha surgiu a idéia, na Revisão Constitucional de
1.994, de introduzir o chamado “incidente de inconstitucionalidade”, permitindo ao Supremo Tribunal Federal – S.T.F. apreciar diretamente:

[...] controvérsia sobre a constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclusive os atos anteriores à Constituição, a pedido do Procurador-Geral da República, do AdvogadoGeral da União, do Procurador-Geral de Justiça ou do ProcuradorGeral do Estado, sempre que houvesse perigo de lesão à segurança jurídica, à ordem ou às finanças públicas (MENDES et al., 2007, p.
1.090).

Utilizou-se o termo ideia, porque a instituição do incidente de inconstitucionalidade constava do substitutivo apresentado pelo Deputado Jairo Carneiro ao Projeto de Emenda Constitucional nº. 96/92, conhecido por “Emenda do Judiciário” e do Relatório sobre a Reforma do Judiciário, apresentado pelo Deputado Aloysio Nunes Ferreira (MENDES et al., 2007).

Da forma como apresentado, o incidente de inconstitucionalidade assemelhava-se à chamada “cisão funcional” da competência, adotada no Direito brasileiro desde 1.934, mas não supria a lacuna existente. Pelo fato de não haver o monopólio do controle de constitucionalidade pelo S.T.F., os juízes e tribunais ainda continuariam a praticar o controle difuso, restando ao S.T.F. uniformizar as decisões por meio do recurso extraordinário contra decisões judiciais de única ou última instância. Uma proposta apresentada pelo Deputado Aloysio Nunes Ferreira permitia ao tribunal a quo, em vez de decidir a questão nos termos do art. 97 da C.F./88, provocar o S.T.F. a pronunciar-se, uniformizando definitivamente

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o assunto (MENDES et al., 2007).

A solução para a ausência de instrumento processual específico, porém, surgiu com o Projeto Celso Bastos, fruto do trabalho deste e de Gilmar Ferreira Mendes, que sugeria a regulamentação da A.D.P.F. no sentido de superar as deficiências no conjunto das competências do S.T.F., tendo-o como único órgão autorizado para o processo e julgamento (MENDES et al., 2007).

2. ArGuIção dE dESCuMPrIMEnto dE PrECEIto FundAMEntAL: noçÕES PrELIMInArES

A A.D.P.F. é instituto introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pelo legislador constituinte de 1.988, inexistindo nas Constituições anteriores e previsto inicialmente no parágrafo único do art. 102 da C.F./88, transformado pela Emenda Constitucional nº. 3, de 17 de março de 1.993, em § 1º do mesmo artigo, que determina: a “[...] arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei” (BRASIL. Constituição Federal, 1988). A A.D.P.F. não pôde ser imediatamente utilizada, em razão do reconhecimento pelo S.T.F. da eficácia limitada do § 1º, do art. 102, conforme decisão no Agravo Regimental em Petição nº. 1.140-7, da Relatoria do Ministro Sydney Sanches e decisão na Petição nº. 1.369-8, da Relatoria do Ministro Ilmar Galvão (MORAES, 2008).

A norma regulamentar veio em 3 de dezembro de 1.999, com a Lei nº.
9.882, que foi sancionada pelo Presidente da República, “[...] com veto ao inciso II do parágrafo único do art. 1º, ao inciso II do art. 2º, ao § 2º do art. 2º, ao § 4º do art. 5º, aos §§ 1º e 2º do art. 8º e ao art. 9º” (MENDES et al., 2007, p. 1.089). A Lei foi resultado da aprovação do substitutivo ao projeto da Deputada Sandra Etarling, apresentado pelo Deputado Prisco Viana, que em muito se assemelhou ao anteprojeto de lei da Comissão Celso Bastos (MENDES et al., 2007).

Uadi Lammêgo Bulos (2007) lembra que a inspiração para instituição da A.D.P.F. não veio da Constituição de Portugal ou das Constituições brasileira anteriores, sendo mecanismo diferente, por exemplo, da avocatória do regime militar. Bulos (2007) discorda de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, para quem o objetivo, ainda que disfarçado, da A.D.P.F. é criar uma nova forma de avocatória, concentrando no S.T.F. a decisão sobre questões de inconstitucionalidade, incidental-mente propostas em outras instâncias. Na avocatória, o S.T.F. chamava para si a decisão sobre matéria politicamente interessante, o que não ocorre na A.D.P.F.

A A.D.P.F. não encontra similar no direito comparado, lembrando re-

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motamente:

A efetividade da arguição.

[...] o recurso constitucional alemão, que funciona como meio de queixa jurisdicional perante a Corte germânica, almejando a tutela de direitos fundamentais e de certas situações subjetivas lesadas por um ato de autoridade pública (BULOS, 2007, p. 232).

Porém, o recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde) tem objetivos diversos e mais amplos que a A.D.P.F., assemelhando em algumas situações ao mandado de segurança pátrio, além de legitimar qualquer pessoa a recorrer à Corte alemã.

O mesmo se diga quanto a outros mecanismos jurídicos que matêm pontos de semelhança e dessemelhança com a brasileiríssima arguição de descumprimento, a exemplo do writ of centionari, dos americanos, da Popularklage, da Baviera, do recurso de amparo, dos espanhóis, da autorremissão, dos italianos, do Beschwerde, dos austríacos, da ação popular de inconstitucionalidade, dos venezuelanos (BULOS, 2007, p. 232).

Como novo instituto a integrar o rol de ações que constituem os instrumentos de controle de constitucionalidade do ordenamento jurídico brasileiro, necessário se faz conceituá-lo, ainda porque o legislador constituinte e o legislador ordinário não o fizeram.

Gilmar Ferreira Mendes et al apontam que:

[...] desde março de 1997 tramitava no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 2.872, de autoria da ilustre Deputada Sandra Starling, objetivando, também, disciplinar o instituto da arguição de descumprimento de preceito fundamental, sob o nomen juris de “reclamação”. A reclamação restringia-se aos casos em que a contrariedade ao texto da Lei Maior fosse resultante de interpretação ou de aplicação dos Regimentos Internos das Casas do Congresso Nacional, ou do Regimento Comum, no processo legislativo de elaboração das normas previstas no art. 59 da CF. Aludida reclamação haveria de ser formulada ao STF por 1/10 dos deputados ou dos senadores, devendo observar as regras e os procedimentos instituídos pela Lei n. 8.038, de...

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