Prefácio

AutorHumberto Theodoro Júnior
Páginas5-10
PREFÁCIO
O drama das forças conjunturais que impedem ou dif‌icultam extremamente o
cumprimento das obrigações, sejam elas legais ou contratuais, é tão antigo como o
próprio Direito.
Em Roma construiu-se um sistema capaz de evitar a responsabilidade do devedor
pela obrigação não cumprida, quando não se identif‌icasse culpa de sua parte pelo inadim-
plemento. Consistia não em anular o vínculo obrigacional, mas em liberar o devedor da
prestação devida, quando por caso fortuito ou força maior, um acontecimento posterior
à constituição da obrigação viesse a obstaculizar o seu cumprimento. Era, portanto, um
fenômeno que se passava no plano da ef‌icácia da obrigação.
Os glosadores, na Idade Média, tentaram distinguir as f‌iguras romanas do casus
fortuitus e da vis major, à base das ideias de inevitabilidade e de irresistibilidade do evento
impeditivo do cumprimento da obrigação, alheio à vontade do devedor. Assim, o caso
fortuito seria uma noção objetiva da inef‌icácia, à qual era estranha a ideia de ausência de
culpa, enquanto na força maior prevaleceria a preocupação com a ausência de culpa e
com a graduação dessa mesma ausência. De tal maneira, entender-se-ia por força maior
“todo acontecimento invencível apesar da extrema diligência correspondente a esse grau
de culpa, permanecendo, portanto, subjetivo o critério de apreciação”1.
O certo, entretanto, é que o Direito Romano nunca confundiu força maior e ausência
de culpa, quer no direito clássico, quer na compilação de Justiniano2; e que os antigos au-
tores, por outro lado, divisaram, nas fontes romanas, uma sinonímia entre caso fortuito e
força maior, tal como modernamente prevalece no direito brasileiro (Cód. Civil, art. 393,
parág. único)3, de modo a permitir, sob o rótulo de caso fortuito, tanto as características da
imprevisibilidade como da inevitabilidade, ou seja, uma conceituação única que englobava
os elementos que outrora serviram para identif‌icação separada do caso fortuito e da força
maior. À luz das lições de romanistas como STRYCK e VINNIUS, pode-se concluir que,
para o Direito Romano, se considerava caso fortuito “o acontecimento que a inteligência
e a força humana não podiam prever nem evitar; ou, pelo menos, o fato que se não podia
prever, ou que, previsto, não se podia evitar”4.
1. FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, n. 14,
p. 35.
2. LUZZATO. Caso fortuito e forza maggiore come limite alla responsabilità contrattuale, p. 53-58, apud FONSECA,
Arnoldo Medeiros da. Op. cit., n. 12, p., 30-34
3. Para o CC brasileiro, “o caso fortuito ou de força maior verif‌ica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possível
evitar ou impedir” (art. 393, parágrafo único). O Código Civil francês e o italiano se referem ao caso fortuito ou à
força maior, como causa excludente de responsabilidade, sem, def‌ini-los ou distingui-los.
4. “Casus fortuitus ita describitur quod si inopinatus eventos, quem nullum consilium humanum praevidere potest et cui
resisti non potest” (STRYCK). Ou: “Casum fortuitum def‌inimus omne, quod humano captu praevidere non potest, nec
cui praeviso potest resisti” (ARNOLDUS’ VINNIUS). Apud FONSECA, op. cit., n. 15, p. 35-36.

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