Presidência - Assessoria especial da presidência ii > coordenadoria da infância e juventude

Data de publicação01 Junho 2020
Número da edição2625

ORIENTAÇÃO TÉCNICA - CNJ

Orientação técnica para Inspeção pelo Poder Judiciário dos espaços de privação de liberdade no contexto da pandemia

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), diante da necessidade de orientar e uniformizar procedimentos para o adequado enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus (COVID-19), publicou:

Ÿ a Resolução 313/20201, que estabeleceu o Plantão Extraordinário para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários, com o objetivo de prevenir o contágio pelo novo coronavírus;

Ÿ a Recomendação 62/2020, que fixa, dentre outras providências, medidas preventivas à propagação da infecção da Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.

Levando em conta a necessidade de garantir o acesso contínuo de magistrados e órgãos externos de inspeção às pessoas privadas de liberdade (em unidades prisionais ou unidades de atendimento socioeducativo), tornando efetivos regras, princípios e orientações internacionais para a condução de inspeções, o CNJ torna públicas diretrizes com o fim de subsidiar e prover essas atividades no contexto da pandemia do novo coronavírus.

Tais diretrizes foram elaboradas a partir da Recomendação 62 e da Resolução 313, às quais se agregam normativas específicas:

Ÿ Regramentos internacionais, especialmente, as Regras Mínimas para Tratamento dos Reclusos (Regras Nelson Mandela), as Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas para Proteção de Jovens Privados de Liberdade (Regras de Havana) e a Convenção sobre os Direitos das Crianças.

Ÿ Orientações internacionais sobre inspeções em espaços de privação de liberdade2, especialmente, da Organização Mundial de Saúde, do Comitê Permanente Interagências, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, do Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura, do Subcomitê das Nações Unidas para Prevenção da Tortura, da Associação para a Prevenção da Tortura e do Comitê Internacional da Cruz Vermelha;

Ÿ Resolução 214/2015 do CNJ que dispõe sobre a organização e o funcionamento dos Grupos de Monitoramento e Fiscalização (GMF), determinando a fiscalização, monitoramento, produção de dados e processamento de situações de irregularidades dos sistemas prisional e socioeducativo, entre outras medidas.

1. DIRETRIZES GERAIS PARA INSPEÇÕES E MONITORAMENTO DOS ESPAÇOS DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE NO CONTEXTO DA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS

O estado de coisas inconstitucional que caracteriza as prisões brasileiras, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no marco da ADPF 347, e as características próprias dos espaços de privação de liberdade, tornam magistrados e outros órgãos externos de inspeção atores fundamentais para a garantia da dignidade humana intramuros.

Por outro lado, não se desconhece que o contexto atual de pandemia impactou a prestação jurisdicional, repercutindo na realização de inspeções nos espaços de privação de liberdade. Magistrados e servidores que desempenham essa atividade podem ser expostos ao risco de infecção, ou se tornarem vetores de transmissão, levando o vírus para dentro da unidade prisional ou socioeducativa. Por outro lado, esse mesmo cenário agravou a vulnerabilidade das pessoas privadas de liberdade com restrições de acesso à água e a produtos de higiene e de limpeza, insuficiência de assistência à saúde, entre outros fatores que geram risco de maior contaminação e propagação do vírus, sobretudo diante das medidas de saúde pública de isolamento e contenção.

Por força dessa constatação, é essencial encontrar um equilíbrio entre as medidas de saúde preconizadas por órgãos internacionais e nacionais competentes e a necessidade de fiscalização dos referidos locais, considerando-se, também, os danos que um prolongamento excessivo ou indeterminado de isolamento nesses espaços de confinamento podem causar às pessoas privadas de liberdade e aos servidores que lá atuam.

Nesse contexto, esta orientação apresenta recomendações relativas à adoção de medidas voltadas à qualificação das inspeções em espaços de privação de liberdade em tempos de pandemia do novo coronavírus. As recomendações abordam a prevenção à contaminação, critérios para seleção dos estabelecimentos a serem visitados e escopo e preparação das visitas, de forma a subsidiar a definição dos magistrados acerca da realização do ato, bem como de sua periodicidade e procedimentos a serem adotados.

Em suas orientações aos Estados membros, a Organização Mundial da Saúde (OMS) evidenciou a importância do monitoramento e da supervisão independentes em espaços de privação de liberdade:

“O surto de COVID-19 não deve ser usado como justificativa para não observância às inspeções em prisões e outros locais de detenção por organizações internacionais independentes ou organismos nacionais cujo mandato é prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes […]. Mesmo nas circunstâncias do surto de COVID-19, os órgãos de inspeção devem ter acesso a todas as pessoas privadas de liberdade em prisões e outros locais de detenção, inclusive a pessoas isoladas, em estrita observância do mandato legal de cada órgão” (tradução não oficial)3

Em outras palavras, o contexto de surto de Covid-19 não veda, não impede e não descredencia a fiscalização dos estabelecimentos penais e de unidades de atendimento socioeducativo. Tampouco se presta a servir de escusa simples e injustificada, por parte da administração penitenciária e socioeducativa, para impedir a realização de visitas de inspeção atribuídas a órgãos ou autoridades com competência para tanto.

A fiscalização de estabelecimentos penais, de custódia, de tratamento psiquiátrico e de unidades socioeducativas de internação provisória, internação ou semiliberdade deve ser entendida, portanto, como atividade contínua e permanente, não sujeita a interrupção. A fiscalização mostra-se ainda mais relevante no momento atual, considerando a especial vulnerabilidade a que as pessoas privadas de liberdade e os servidores penais e socioeducativos estão submetidos no contexto da pandemia do novo coronavírus.

A realização das visitas de inspeção nas referidas unidades, bem como sua frequência, devem considerar o contexto local a critério da autoridade responsável, sendo possível a adoção de métodos complementares de fiscalização dos espaços de privação de liberdade, nos termos desta orientação.

Portanto, no contexto do surto de Covid-19, as inspeções:

Ÿ são consideradas atividades contínuas e permanentes para a garantia e preservação de vidas;

Ÿ trazem procedimentos que devem conformar-se aos parâmetros de excepcionalidade devido ao novo coronavírus, permitindo-se, enquanto perdurar a pandemia, que o ato possa ser executado por autoridade da comarca onde se encontre o estabelecimento penal ou socioeducativo, ou pelo próprio corregedor permanente dessa mesma unidade de privação de liberdade;

Ÿ devem priorizar a fiscalização de aspectos e circunstâncias relacionados às medidas de prevenção e tratamento da Covid-19, sem prejuízo (a) do acesso à informação e mecanismos de queixa, (b) comunicação com o mundo externo por parte das pessoas privadas de liberdade, (c) rotinas e registros relacionados à Covid-19, (d) garantia de fluxo de água e insumos básicos e (e) tratamento digno às pessoas privadas de liberdade e aos servidores públicos que atuam nesses espaços; e

Ÿ podem, a critério do juízo responsável, considerar a adoção de métodos complementares de monitoramento dos locais de privação de liberdade.

A. DEFINIÇÃO DE UNIDADES DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE A SEREM PRIORITARIAMENTE FISCALIZADAS

Diante do atual cenário de restrições sanitárias, a priorização das unidades de privação de liberdade a serem inspecionadas deve ser realizada com base em evidências. Por ocasião das visitas, há que se privilegiar:

Ÿ fundada suspeita ou denúncia de tortura ou outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, ou outras violações de direitos, tais como desabastecimento de água, alimentos, itens de limpeza e higiene pessoal, remédios;

Ÿ registro ou informações de casos suspeitos ou confirmados de Covid-19, havendo informações ou denúncias de que não foram adotadas, ou foram adotadas de forma insuficiente, as medidas de tratamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrentes da Covid-19, previstas na Portaria Interministerial, n. 7, de 18 de março de 2020, editada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e pelo Ministério da Saúde, e aquelas previstas na Recomendação nº 62, de 17 de março de 2020, do CNJ;

Ÿ agravamento da ocupação superior à capacidade do estabelecimento penal ou da unidade socioeducativa ou das circunstâncias que acarretaram ordem de interdição predeterminada ou comprometimento de medidas cautelares porventura determinadas por órgão do sistema de jurisdição internacional.

Para a identificação dessas condições, poderão ser considerados, além de dados e informações oficiais, denúncias e relatos provenientes de familiares de pessoas privadas de liberdade e de instituições que atuem diretamente com essa população.

B. DEFINIÇÃO DA EQUIPE DE INSPEÇÃO:

Durante o contexto da pandemia, em relação à equipe responsável pela inspeção, importante que todos os membros (magistrados, servidores ou demais agentes públicos) façam uso de equipamentos de proteção individual fornecidos pelo respectivo tribunal, adotem os protocolos de higienização e respeitem as etiquetas sanitárias definidas no item C deste documento, sem prejuízo das seguintes orientações:

Ÿ magistrados e servidores pertencentes aos grupos de risco4 para a Covid-19 ou que convivam com pessoas nessa mesma posição não devem realizar as inspeções;

Ÿ magistrados e servidores que apresentem sintomas possivelmente associados à Covid-19, tais como febre, tosse seca, dor no corpo, dor de cabeça, perda de paladar e olfato5, não devem realizar as inspeções;

Ÿ especialista da área de saúde, sempre que possível, deverá fazer parte da equipe de visita, para...

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