Primavera

AutorRafael Raffaelli
Páginas1-34
PRIMAVERA
RAFAEL RAFFAELLI
2
-Bom dia, senhor conservador.
-Bom dia, Giovani.
Estava mesmo um belo dia de inverno em Florença essa manhã. O Arno murmurava
sob a Ponte Vecchio, semi-encoberto por uma névoa que transbordava ondulante pelas suas
margens.
O conservador-geral não tinha passado bem o fim de semana. As notícias sobre os
atentados em Paris tinham-no deixado quase em choque. A Itália também estava ameaçada
- o mundo todo estava ameaçado! - parecia-lhe a derrocada da civilização.
-Explodir Paris! Com todos seus monumentos, catedrais, palácios e museus! É de
fato o fim do mundo... Alguém tem que fazer alguma coisa! - ficou a pensar enquanto
desligava os circuitos de segurança que protegiam as obras de arte da Galleria degli Uffizi,
pelas quais era responsável.
Tudo estava em ordem. Sim, em perfeita ordem. Todas as peças em seus lugares.
Nenhuma luzinha piscando.
-Esses sistemas eletrônicos não falham! - disse ao guarda, que assentiu.
Logo mais seria aberta a porta principal e começaria a visitação pública.
Dirigiu-se, então, à sua sala e na antecâmara já o aguardava sua secretária com a
agenda do dia. Uma solteirona já passada da época da colheita, com seus cinqüenta e
poucos anos, ancas largas e coxas roliças, lá estava ela disposta para mais um dia de
trabalho - e lá estaria mesmo que o mundo acabasse dali meia hora!
Mas os atentados ainda o incomodavam.
-Imagine, dona Antonieta! Destruírem a Gioconda, a Vênus de Milo, a Vitória de
Samotrácia, a Notre-Dame!
3
-Que louco faria isso, senhor conservador?
-Vivemos num mundo de loucos. Cada dia que passa me convenço mais disso. Só a
arte nos redime, dona Antonieta. Só a arte. Mas ela também morre. Que restou das sublimes
pinturas de Apeles? Para que serviremos, se um desastre como esses acontecer?
-Deus nos protegerá, senhor conservador.
O intercomunicador soou. Dona Antonieta o atendeu de pronto. Ficou vermelha
como um molho ao sugo.
-Pela Madona! Que tragédia, senhor conservador!
-Paris está em chamas?!
-Pior! - disse em prantos. A Primavera desapareceu!
-Já chamaram os carabinieri?
Dona Antonieta não podia responder mais nada. A emoção fora demasiada para
aquele coração puro e virginal. Desabara desmaiada levando o aparelho de roldão.
-Socorro! Acudam dona Antonieta! - berrou desarvorado.
Logo uma multidão de funcionários adentrou o escritório como formigas em frenesi.
Em meio ao alarido atordoante, ouvia-se a voz do conservador-geral a implorar silêncio.
-Calma, minha gente! Ela só desmaiou! Vamos parar com essa confusão!
Mas a essa altura ninguém escutava mais nada. A desinformação era geral. Alguém
comentou que a secretária do conservador-geral morrera. Outro relacionou o sumiço do
quadro com a ‘morte’ da secretária. Logo todos comentavam as mais disparatadas versões,
assumindo foros de verdade.
O telefone tocou na chefatura de polícia em Florença.
-Inspetor Vedetta falando! Sim, pode relatar. Um atentado? Na Galeria? Como foi
isso? Sim. Sim. Não diga! Sim. Entendi. Estamos indo agora mesmo!

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