Primeira câmara cível - Primeira câmara cível

Data de publicação14 Maio 2021
Número da edição2861
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Des. Lidivaldo Reaiche Raimundo Britto
DECISÃO

0056825-34.2009.8.05.0001 Apelação Cível
Jurisdição: Tribunal De Justiça
Apelado: Marcus Vinicius De Oliveira Silva
Advogado: Eduardo Goncalves De Amorim (OAB:0029317/BA)
Apelante: Bv Financeira Sa Credito Financiamento E Investimento
Advogado: Ramon Cestari Cardoso (OAB:0024953/BA)

Decisão:

Trata-se de Apelação interposta pela BV FINANCEIRA S/A CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, contra a sentença prolatada pela MM. Juíza de Direito da 17ª Vara dos Feitos Relativos às Relações de Consumo, Cíveis e Comerciais da Comarca de Salvador, nos autos da Ação Ordinário Revisional de Contrato com Pedido de Tutela Antecipada, Repetição de Indébito e Oferta de Caução0056825-34.2009.8.05.0001, ajuizada por MARCUS VINÍCIUS DE OLIVEIRA SILVA.

Em virtude de refletir, satisfatoriamente, a realidade dos atos até então praticados no curso do presente processo, adota-se o relatório alinhavado na decisão terminativa de id. 14716750/14716757.

Debruçando-se sobre as provas coligidas, a Magistrada sentenciante assim decidiu:

Assim sendo, à vista do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão exordial para indeferir o pedido de revisão do contrato no que pertine à taxa de juros remuneratórios aplicados na avença e deferir a fixação dos encargos decorrentes de inadimplência, em multa em 2%, nos termos do art. 52, parágrafo 1º do CPC, juros moratórios de 1%, correção monetária segundo índices do INPC, afastando a cobrança de anatocismo e comissão de permanência quando cumulada com juros remuneratórios e correção monetária.

Com fulcro no art. 21 do Código de Processo Civil, condeno ambas as partes ao pagamento recíproco e proporcional das custas processuais e honorários de advogado.

Considerando que o acionante é beneficiária da justiça gratuita, suspendo a exigibilidade do seu crédito, até a fluência do prazo de cinco anos, a contar da sentença. Se até o decurso desse prazo não houver alteração na situação de necessidade, ficará extinta a obrigação” (id. 14716756).

Irresignado, o Demandado interpôs Apelação (id. 14716799/14716816), inicialmente, prequestionando, genericamente, a matéria, com o objetivo de eventual interposição de Recurso Especial ou Extraordinário.

Em sequência, defendeu que o Recorrido é pessoa absolutamente capaz, com aptidão para gerir o contrato firmado, além de pontuar que o Autor teve prévio conhecimento das cláusulas contratuais, razão pela qual, em respeito ao princípio pacta sunt senvada, a avença não pode ser reformada.

Argumentou que, ao contrário do quanto fundamentado na sentença, a capitalização de juros é admitida, pois o Apelado conhecia a taxa de juros no momento da celebração do pacto e alegou que, mesmo verificado o anatocismo, desde 31 de março de 2000, não há ilegalidade na sua incidência.

Sustentou ser lícita a cumulação da comissão de permanência com juros de mora e multa, por ausência de óbice legal, principalmente por não estar cumulada com correção monetária.

Alternativamente, pugnou pela substituição da comissão de permanência pelos juros compensatórios no percentual contratado, cumulados com correção monetária, juros moratórios e multa contratual.

Salientou que a taxa referencial é indexador válido para contratos posteriores à Lei nº 8.177/1991, desde que pactuada, conforme a Súmula nº 294, do STJ, motivo pelo qual não pode ser considerada ilegal.

Por fim, pleitou a minoração dos honorários sucumbênciais, por considerá-los fixados em valor exorbitante

Concluiu, postulando pela reforma do julgado, mantendo-se as cláusulas nos termos previsto em contrato.

Instado, o Apelado apresentou contrarrazões (id. 14716851/14716866), rechaçando a irresignação em todos seus termos.

É o relatório.

Exsurgindo a tempestividade da insatisfação, reputo presentes os pressupostos de admissibilidade.

Examinando os fólios, verifico que a decisão atacada encontra-se em manifesto confronto com Súmula e acórdão do Superior Tribunal de Justiça, em Recursos Repetitivos, o que justifica o julgamento monocrático do presente recurso, ex vi do art. 1.011, I c/c o art. 932, V, ambos do NCPC.

Ab initio, importa frisar que o contrato de alienação fiduciária, de aquisição de veículo, submete-se às normas do Código de Defesa do Consumidor, porquanto constitui relação jurídica de consumo, o que possibilita, à luz dos incisos IV, V e VI do artigo 6º e inciso IV do artigo 51, todos do CDC, a revisão das cláusulas consideradas manifestamente abusivas.

Com efeito, aplica-se o CDC a esses pactos, em que pese a natureza híbrida que lhes dá forma estrutural e que os diferencia das outras avenças civis e comerciais.

Esse entendimento, inclusive, foi referendado pelo Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula nº 297, que assim dispõe:

O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”

Outrossim, a possibilidade de revisão judicial do presente contrato, bem como as demais espécies, nos âmbitos comercial e civil, têm seu permissivo legal na Magna Carta, que estabelece no artigo 5º, inciso XXV, que “a lei não excluirá da apreciação pelo Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

A aplicabilidade do princípio do pacta sunt servanda foi mitigada, sofrendo limitações ditadas pelo interesse social. Nesse sentido: “a revisão dos contratos é possível em razão da relativização do princípio pacta sunt servanda, para afastar eventuais ilegalidades, ainda que tenha havido quitação ou novação” (STJ - AgRg no REsp 879.268/RS, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, 4ª T, julgado em 06/02/2007, DJ 12/03/2007 p. 254 e AgRg no Resp nº 790.348/RS. Relator Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, DJ 30.10.2006).

Logo, em atendimento ao princípio da função social, impõe-se a análise do contrato em apreço.

O anatocismo ou capitalização de juros ocorre quando, após o vencimento de uma operação, o credor cobra juros sobre os juros vencidos e não pagos, ou seja, é a incorporação de juros sobre o valor principal da dívida, incidindo novos encargos.

Nesse aspecto, muito embora a Súmula nº 121, do STF, assevere que "é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada", atualmente vem sendo admitida pelo STJ, embasado nas MP 1.963-17/2000 e MP 2.170-36.

O Superior Tribunal de Justiça orienta:

"Nos contratos bancários firmados posteriormente à entrada em vigor da MP n. 1.963-17/2000, reeditada sob o n. 2.170-36/2001, é lícita a capitalização mensal dos juros, desde que expressamente prevista no ajuste" (AgRg no REsp 1068984 / MS, DJe 29/06/2010).

Segundo o STJ, nos termos do art. 5º da Medida Provisória 2.170-36, é permitida a capitalização dos juros remuneratórios, nos contratos bancários celebrados após 31-03-2000, data em que o dispositivo foi introduzido na MP 1963-17, ressalvando que continua dependente de contratação.

Ainda é do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. MEDIDA PROVISÓRIA. APLICABILIDADE. 1. Nos contratos celebrados a partir de 31.3.2000, data da edição da Medida Provisória 1.963-17/2000, atualmente reeditada pela 2.170-36/2001, é exigível a capitalização mensal de juros, desde que pactuada. Precedente: AgRg no EREsp 930.544/DF, Rel. Min. Ari Pargendler, Segunda Seção, DJe 10.4.2008. 2. Agravo Regimental improvido. (STJ - AgRg nos EDcl no REsp 733.548/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 23/03/2010, DJe 12/04/2010).

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. 1. A Segunda Seção desta Corte, na assentada do dia 22.10.2008, quando do julgamento do REsp n. 1.061.530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, no sistema do novel art. 543-C do CPC, trazido pela Lei dos Recursos Repetitivos, pacificou o entendimento já adotado por esta Corte de que as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios que foi estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33). 2. A capitalização dos juros em periodicidade mensal é admitida para os contratos celebrados a partir de 31 de março de 2000 (MP nº 1.963-17/2000), desde que pactuada. Precedentes .3. Agravo regimental a que se nega provimento." (STJ - AgRg no Ag 1045805/DF, Rel. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), 4ª Turma, julgado 06/08/2009, DJe 17/08/2009).

AGRAVO REGIMENTAL. CONTRATO BANCÁRIO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. CABIMENTO. PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Nos contratos bancários firmados posteriormente à entrada em vigor da MP n. 1.963-17/2000, atualmente reeditada sob o n. 2.170-36/2001, é lícita a capitalização mensal dos juros, desde que expressamente prevista no ajuste. (...)." (STJ - AgRg no Ag 1116656/PR, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, 4ª Turma, julgado em 06/08/2009, DJe 17/08/2009).

É de se salientar que, em 04/02/2015, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu (RE 592.377) pela legalidade do art. 5º da MP 1.963-17/00, reeditada até a MP 2.170-36/01, que prevê a possibilidade de capitalização de juros (a incidência de juros sobre juros) em períodos inferiores a um ano.

A discussão, inclusive, foi...

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