Primeira câmara cível - Primeira câmara cível

Data de publicação08 Novembro 2021
Número da edição2975
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Des. Lidivaldo Reaiche Raimundo Britto
DECISÃO

8018093-90.2019.8.05.0001 Apelação Cível
Jurisdição: Tribunal De Justiça
Apelante: Uesio Jeremias Da Gama Santos
Advogado: Roberto Bahia (OAB:BA40712-A)
Apelado: Banco Ole Bonsucesso Consignado S.a.
Advogado: Joao Thomaz Prazeres Gondim (OAB:RJ62192-A)

Decisão:

Trata-se de Apelação interposta pelo UÉSIO JEREMIAS DA GAMA SANTOS, contra a sentença prolatada pela MM. Juíza de Direito da 17ª Vara de Relações de Consumo da Comarca de Salvador, nos autos da Ação Anulatória com Pedido de Tutela de Urgência - Gratuidade Judicial e Dano Moral8018093-90.2019.8.05.0001, aforada em face do BANCO BONSUCESSO CONSIGNADO SA.

Em virtude de refletir, satisfatoriamente, a realidade dos atos até então praticados no curso do presente processo, adota-se o relatório alinhavado na decisão terminativa de id. 18347436.

Debruçando-se sobre as provas coligidas, a Magistrada sentenciante assim decidiu:

[...] Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE tendo em vista, que o contrato firmado está de acordo com a taxa média de mercado à época da contratação, pelo que não merece ser revisado, bem como não há o que revisar o contrato no que tange os encargos moratórios e a capitalização de juros e julgo improcedente o pedido de condenação da parte ré em danos morais. Por fim, a parte autora não sucumbiu em mínima parte do pedido, condeno-a no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados no percentual equivalente a 10% sobre o valor da causa atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 85, § 2º do NCPC. [...]” (id. 18347436).

Irresignado, UÉSIO JEREMIAS DA GAMA SANTOS interpôs a presente Apelação (id. 18347453) sustentando que o Apelado modificou os termos do contrato, alterando a taxa de juros remuneratórios de 1,33 para os percentuais de 1,66 e 1,78, bem como defendeu ter sido modificado o número de parcelas, de 30 para 96.

Ressaltou que a Magistrada a quo não se referiu à diferença entre as taxas e a quantidade de parcelas.

Argumentou se tratar de contrato de adesão, o que lhe impediu de negociar os encargos contratuais, motivo pelo qual merece ser reformado o pacto.

Concluiu, pugnando pelo provimento da presente irresignação, julgando procedentes os seus pleitos, além de postular a devolução dos valores cobrados em dobro.

Instado, o Apelado apresentou contrarrazões, sustentando, preliminarmente, a ausência de ato ilícito ou abusivo que configure dano moral e, no mérito, rechaçou a insurgência em todos os seus termos (id. 18347457).

Na sequência, o Apelante se manifestou acerca da preliminar (ID. 19453703).

É o relatório.

Exsurgindo a tempestividade da insatisfação, reputo presentes os pressupostos de admissibilidade.

Examinando-se os fólios, verifica-se que a decisão atacada encontra-se em manifesto confronto com Súmula e acórdão do Superior Tribunal de Justiça, em Recursos Repetitivos, o que justifica o julgamento monocrático do presente recurso, ex vi do art. 1.011, I c/c o art. 932, V, ambos do NCPC.

Inicialmente, quanto à alegação da Apelada acerca da inexistência de ato ilícito ou abusivo que configure dano moral, constata-se que o Recorrente não fez nenhuma menção a pedido de indenização por danos extrapatrimoniais, razão por que merece ser rejeitada a alegação da Instituição Financeira.

Prima facie, importa frisar que o contrato de empréstimo submete-se às normas do Código de Defesa do Consumidor, porquanto constitui relação jurídica de consumo, o que possibilita, à luz dos incisos IV, V e VI do artigo 6º e inciso IV do artigo 51, todos do CDC, a revisão das cláusulas consideradas manifestamente abusivas.

Com efeito, aplica-se o CDC a esses pactos, em que pese a natureza híbrida que lhes dá forma estrutural e que os diferencia das outras avenças civis e comerciais.

Esse entendimento, inclusive, foi referendado pelo Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula nº 297, que assim dispõe:

O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”

Outrossim, a possibilidade de revisão judicial do presente contrato, bem como das demais espécies, nos âmbitos comercial e civil, tem seu permissivo legal na Magna Carta, que estabelece no artigo 5º, inciso XXV, que “a lei não excluirá da apreciação pelo Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

A aplicabilidade do princípio do pacta sunt servanda foi mitigada, sofrendo limitações ditadas pelo interesse social. Nesse sentido: “a revisão dos contratos é possível em razão da relativização do princípio pacta sunt servanda, para afastar eventuais ilegalidades, ainda que tenha havido quitação ou novação” (STJ - AgRg no REsp 879.268/RS, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, 4ª T, julgado em 06/02/2007, DJ 12/03/2007 p. 254 e AgRg no Resp nº 790.348/RS. Relator Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, DJ 30.10.2006).

Logo, em atendimento ao princípio da função social, é possível a análise do contrato em apreço.

No que pertine à taxa de juros, cediço que, malgrado não seja possível ao Judiciário, em regra, limitar os juros remuneratórios livremente pactuados entre as partes, é cabível a sua revisão quando cabalmente demonstrada a abusividade dos índices cobrados.

É certo que o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento, consignado no verbete de Súmula n° 596, de que as disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos incidentes nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional e às administradoras de cartões de crédito. Não obstante, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ainda que não esteja a taxa de juros aplicada pelas instituições financeiras sujeita à limitação da Lei de Usura, é possível ao Judiciário determinar a redução de juros remuneratórios contratuais, desde que fixados em patamares absurdos, manifestamente abusivos e em direta afronta aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Nessa esteira:

Os juros remuneratórios contratados são aplicados, não demonstrada, efetivamente, a eventual abusividade. (STJ – Resp. n. 271.214/RS, Rel. Min. Ari Pargendler, DJU de 04.08.03).

AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. TAXA DE JUROS. LIMITE. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CAPITALIZAÇÃO. 1. A jurisprudência desta Corte, apesar de acolher a orientação da Súmula nº 596/STF, afastando as disposições da Lei de Usura quanto à taxa de juros nos contratos celebrados com instituições financeiras, admite, sim, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor quando efetivamente demonstrada a abusividade da taxa cobrada, já que caracterizada uma relação de consumo entre o mutuário e a instituição financeira. Assim, deveria ter sido impugnada a fundamentação do acórdão recorrido no tocante ao critério adotado para aferir a abusividade e aplicar o Código de Defesa do Consumidor, o que não fez. 2. A capitalização dos juros, por sua vez, nos termos da jurisprudência da Corte, em hipóteses como a presente, não pode ter periodicidade inferior à anual. Inaplicável, na espécie, os Decretos-leis nºs 167/67 e 413/69, relativos, especificamente, a cédulas de crédito rural, industrial e comercial. 3. Agravo desprovido. (STJ – AGRESP 537121/RS - Terceira Turma - Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito - j. 21/10/2003) (destacamos).

De acordo com o entendimento do STJ, exteriorizado através das Súmulas 382 e 530, “A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”, e, “Inexistindo previsão expressa acerca dos encargos contratuais, os juros deverão ser limitados à taxa média de mercado, estabelecida pelo BACEN, salvo se a taxa efetivamente cobrada for mais vantajosa para o consumidor”.

A Súmula Vinculante nº 7, por sua vez, assim dispõe: “A norma do § 3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar”.

Concluindo, para que se configure a abusividade em relação à taxa de juros contratada, é necessária a demonstração, tomando-se como parâmetro a média praticada pelo mercado.

Nesse mesmo sentido, posicionou-se o Ministro do STJ, HUMBERTO GOMES DE BARROS, Relator do AgRg no REsp 947.674/RS, ao asseverar que, “os juros remuneratórios não são abusivos se não superam, substancialmente, a taxa média de mercado na praça da contratação” (3ª TURMA, julgado em 04/12/2007, DJ 19/12/2007, p. 1229) - grifos nossos.

Esclarecedor o acórdão proferido, quando do julgamento do REsp 1061530/RS, ao estabelecer que:

(a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; (b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; (c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; e (d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em...

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