Primeira câmara cível - Primeira câmara cível

Data de publicação01 Novembro 2022
Número da edição3210
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Des. Mário Augusto Albiani Alves Júnior
DECISÃO

8045450-43.2022.8.05.0000 Agravo De Instrumento
Jurisdição: Tribunal De Justiça
Agravante: Livia Santos De Queiroz
Advogado: Alexandre Peixoto Gomes (OAB:BA14472-A)
Agravado: Central Nacional Unimed - Cooperativa Central

Decisão:

Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO com pedido de efeito suspensivo, interposto por LIVIA SANTOS DE QUEIROZ , contra decisão do MM. Juízo de Direito da 14ª Vara de Relações de Consumo da Comarca de Salvador, que, nos autos do Procedimento Comum nº 8148306-82.2022.8.05.0001, ajuizado em face da CENTRAL NACIONAL UNIMED, indeferiu a tutela de urgência pleiteada.

Irresignada, a agravante sustenta que possui o direito de escolher o profissional especializado em cirurgia bucomaxilofacial de sua confiança para realização dos procedimentos que necessita.

Afirma que deve realizar a cirurgia ortognática em caráter de urgência.

Alega que compete à cirurgiã assistente, ainda que não credenciada ao plano de saúde, a prerrogativa de indicar os procedimentos e estabelecer as caraterísticas das órteses, das próteses e dos materiais especiais necessários à cirurgia.

Argumenta que os atos praticados pela Junta Médica nomeada devem ser declarados nulos de pleno direito, pois a Resolução Normativa da ANS nº 424/2017 proíbe a designação de Junta Médica para os procedimentos de urgência e emergência.

Aduz que na hipótese de divergência entre a cirurgiã assistente e o plano de saúde prevalece a prescrição médica da primeira e não do desempatador da Junta Médica.

Pugnou, ao final, pela concessão de efeito suspensivo/ativo, bem como pelo provimento do recurso para determinar a cobertura dos procedimentos solicitados e materiais necessários, nos termos da prescrição apresentada.

É o relatório.

Presentes os requisitos de admissibilidade, recebo o agravo e passo a decidir.

O presente agravo, consoante relatado, fora interposto contra decisão de primeira instância que indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela para determinar que o agravado custeasse o procedimento cirúrgico e materiais solicitados pela recorrente.

Da análise dos fatos e da documentação trazida pelo agravante, no entanto, não se depreende a necessidade de se agasalhar o pedido de efeito suspensivo da decisão hostilizada.

Insta acentuar que o magistrado tem a faculdade de valorar livremente as provas produzidas nos autos, a fim de formar a sua convicção acerca dos fatos controvertidos que lhe são apresentados para a apreciação.

Ressalte-se que a decisão impugnada está devidamente fundamentada, não traduz ilegalidade ou abuso de poder e corresponde ao exercício do princípio do livre convencimento motivado, intimamente ligado à prudência e à discricionariedade do magistrado, não devendo ser mudada, neste momento.

Ensina o ilustre doutrinador Humberto Theodoro Júnior:

Por prova inequívoca deve entender-se a que, por sua clareza e precisão, autorizaria, desde logo, um julgamento de acolhida do pedido formulado pelo autor (mérito), se o litígio, hipoteticamente, devesse ser julgado naquele instante. Não a elide a possibilidade, também hipotética, de que contraprova futura possa eventualmente desmerecê-la. No momento, porém, da concessão da medida provisória, a prova disponível não deve ensejar dúvida na convicção do julgador.”

Noutro giro, examinando detidamente os autos e principalmente o disposto no art. 1.019 c/c art. 300 do Código de Processo Civil, a concessão de efeito suspensivo ao recurso de agravo é possível, desde que relevante o fundamento invocado e quando do não atendimento possa resultar lesão grave e de difícil reparação ao requerente.

Colhe-se dos autos que agravante apresenta “deformidade esquelética dos ossos estomatognáticos de etiologia ADQUIRIDA. Associada a esta deformidade esquelética, possui dificuldade de mastigar os alimentos, fonética desagradável e alteração estética grave. Apresenta deformidade esqueléticofacial com retrognatismo maxilar e atresia de fossas nasais por alteração transversa, retrognatismo mandibular severo e semblante extremamente envelhecido, cansado, padrão de respiração bucal”, devendo realizar a cirurgia ortognática.

No caso em análise, deve ser observado, como bem destacou a magistrada de primeiro grau, o parecer emitido pelo cirurgião desempatador que compôs a junta odontológica.

De acordo com a Resolução Normativa 424/17 da ANS, pode ser formada uma junta médica ou odontológica para dirimir divergência técnico-assistencial sobre procedimento ou evento em saúde a ser coberto pelas operadoras de planos de assistência à saúde. Assim, após a solicitação de autorização para realização da cirurgia que necessita a agravante, foi formada uma junta odontológica e o profissional desempatador emitiu parecer parcialmente favorável.

Malgrado a alegação da agravante, não se constata, pelo menos neste momento processual, nulidade dos atos praticados pela junta. Isso dado que não há no relatório médico indicação de urgência ou emergência, o que impediria a instalação da junta, nos termos do artigo 3º, da Resolução Normativa 424/17 da ANS.

Saliente-se que a Lei nº. 9.656/98, que serve como parâmetro para os juízes nas demandas que envolvem planos de saúde, define emergência como risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente e a urgência como resultado de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional. Veja-se:



Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:

I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;

II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional;(Redação dada pela Lei nº 11.935, de 2009)

II - de planejamento familiar.

Parágrafo único. A ANS fará publicar normas regulamentares para o disposto neste artigo, observados os termos de adaptação previstos no art. 35.



Nesta toada, urge destacar que consta no parecer do cirurgião desempatador observações que devem ser investigadas, inclusive, por meio de perícia judicial para avaliar a pertinência técnica e os materiais solicitados.

Neste diapasão, destaque-se que no parecer há concordância quanto à indicação da cirurgia ortognática, todavia, destaca que foi solicitada autorização para outros procedimentos que estão fora da área de atuação do cirurgião-dentista, procedimentos em duplicidade para o objetivo da cirurgia e tratamento propostos, excesso de materiais para finalidade cirúrgica ou inadequação dos materiais solicitados.

Calha asseverar que a solicitação de materiais deve ser clinicamente justificada pelo cirurgião, o que não se constata facilmente do relatório emitido. Ademais, o assistente deve oferecer, pelo menos, 3 (três) marcas de produtos de fabricantes diferentes, quando disponíveis, dentre aquelas regularizadas junto à ANVISA, que atendam às características especificadas, nos termos da Resolução Normativa 424/17 da ANS, o que não se extrai do relatório de ID 36601868.

Com efeito, a análise perfunctória da solicitação do procedimento pleiteado pela recorrente denota a requisição de inúmeros materiais, tais como brocas, ponteiras, placas de titânio, 60 parafusos de titânio, a denotar a necessidade de melhor elucidação acerca da pertinência técnica dos materiais solicitados, sobretudo por não se constatar urgência/emergência.

Não se olvida que qualquer procedimento cirúrgico necessário implica urgência pessoal para os pacientes, contudo, há a necessidade de se buscar a melhor decisão ou a justiça do caso concreto, haja vista que trata-se de contrato que conta com diversas peculiaridades e sequer foi juntado aos autos.

Nesta senda, importa destacar também que os atendimentos podem ser realizados por profissionais da rede credenciada ou de fora dela, o que implica, em alguns casos, apenas o dever de reembolso pela operadora, de modo que não se pode no momento inicial do processo definir que caberá ao plano arcar diretamente com os honorários médicos exigidos.

In casu, a sistemática processual impõe a obrigatoriedade da presença de dois pressupostos indispensáveis à atribuição do efeito suspensivo ao agravo de instrumento, quais sejam, a relevância da fundamentação do pleito (fumus boni iuris) e a potencialidade lesiva da decisão a quo, capaz de gerar lesão grave ou de difícil reparação ao direito do agravante (periculum in mora), vale dizer, a suspensão do cumprimento do decisum impugnado, decorre, por imperativo, da presença simultânea dos requisitos autorizadores do efeito recursal suspensivo, conforme o art. 1.019, I, do CPC.

Contudo, na hipótese vertente, não se vislumbra a presença dos mencionados requisitos indispensáveis ao deferimento do efeito pretendido neste recurso.

Assim, não demonstrado o dano grave e de difícil reparação, muito menos o fumus boni iuris, não há razão para deferir-se o efeito suspensivo ao presente recurso.

Em tais circunstâncias, entendo, por cautela, temerária a concessão da liminar pleiteada.

Em razão de todo exposto, NEGO O EFEITO SUSPENSIVO/ATIVO, até que o presente recurso seja definitivamente julgado pela Câmara, ficando facultado às partes, inclusive ao Agravante, diante do direito em jogo, trazer aos autos...

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