Primeira câmara cível - Primeira câmara cível

Data de publicação22 Novembro 2022
Número da edição3221
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Desa. Maria de Lourdes Pinho Medauar
DECISÃO

8047767-14.2022.8.05.0000 Agravo De Instrumento
Jurisdição: Tribunal De Justiça
Agravante: Central Nacional Unimed - Cooperativa Central
Advogado: Bruno Henrique De Oliveira Vanderlei (OAB:PE21678-A)
Agravado: M. M. P. D. S.
Advogado: Romeu Sa Barreto De Oliveira (OAB:BA36635-A)
Agravado: Hanna Maltez Pereira Dos Santos
Advogado: Romeu Sa Barreto De Oliveira (OAB:BA36635-A)

Decisão:

Vistos, etc.


Trata-se de Agravo de Instrumento, interposto por CENTRAL NACIONAL UNIMED – COOPERATIVA CENTRAL (CNU), em face de decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 10ª Vara de Relações de Consumo de Salvador, que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer, concedeu a liminar vindicada, nos seguintes termos:


[...] Assim, inaudita altera pars, diante da probabilidade do direito da parte autora e das provas adunadas aos autos, com fulcro nos artigos e 196, ambos da Constituição Federal e amparada no artigo 84, §3º, do CDC c/c art. 300 do CPC, DEFIRO A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA, determinando que a parte ré autorize e custeie, em 15 (quinze) dias, a intervenção terapêutica pela metodologia ABA, com carga horária semanal total de estimulação de 40h, com acompanhamento de profissionais das áreas de fonoaudiologia, psicologia, psicomotricidade e terapia ocupacional, além de auxiliar terapêutico, com a frequência e carga horária comprovadamente exigida pelo profissional médico assistente (ID 224005260), até que perdure a indicação médica acerca da manutenção do tratamento, preferencialmente em nosocômio integrante da rede credenciada da Demandada ou, na sua falta, na Clínica indicada à fl. 50 da exordial (ID 224002741), sob pena de aplicação de multa diária no valor de R$ 5.000,00 (mil reais), limitado ao valor total de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), para a hipótese de descumprimento. O descumprimento injustificado da medida constitui ato atentatório à dignidade da Justiça (art. 77, inciso IV e § 2º, do CPC), podendo ser aplicada ao responsável pelo descumprimento multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta”.


Irresignado, o Agravante interpôs o presente recurso, sustentando que não há nos autos qualquer elemento que evidencia a probabilidade do direito autoral e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, uma vez que a questão não se trata apenas do plano de terapêutico prescrito ao menor, mas sim a rede credenciada para atendimento.


Aduz que não há qualquer razão para imputação de custeio de tratamento em rede não credenciada quando há disponibilização de agenda de profissionais especializados no âmbito da rede referenciada.


Sustenta que “a musicoterapia não é considerada um tratamento médico, não sendo possível a imposição à Operadora do custeio desse tratamento, uma vez que trata-se de uma espécie de junção de técnicas artísticas para promoção de comunicação, expressão e aprendizado”.


Discorre que a fixação de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por cobrança em desacordo com a tutela é desproporcional, uma vez que não há qualquer fundamento fático ou jurídico para uma imposição deste porte.


Ao final, pugna pela concessão do efeito suspensivo e, no mérito, roga pelo provimento do recurso, com a reforma da decisão judicial hostilizada.


É o relatório.


Decido.


Conheço do recurso interposto, uma vez presentes os seus requisitos de admissibilidade.


Cuida-se, na origem, de Ação de Obrigação de Fazer cumulada com pleito indenizatório tombada sob o nº 8126449-77.2022.8.05.0001, ajuizada por M.M.P.D.S., representado por sua genitora HANNA MALTEZ PEREIRA DOS SANTOS, contra CENTRAL NACIONAL UNIMED – COOPERATIVA CENTRAL (CNU).


O autor, atualmente com dois anos de idade, através de sua ascendente, assinalou ser portador de Transtorno de Espectro Autista, tendo sido indicado o tratamento multidisciplinar denominado “ABA”.


Adunou que, não obstante tenha solicitado a cobertura integral do tratamento prescrito, o plano de saúde acionado negou-se a cobrir as sessões pelos métodos prescritos pelo médico especialista.


Em decisão interlocutória, o magistrado de origem deferiu a liminar pleiteada, para determinar que a acionada disponibilize, em 15 (quinze) dias, a intervenção terapêutica pela metodologia ABA, com carga horária semanal total de estimulação de 40h, sob pena de multa diária no valor de R$ 5.000,00 limitada ao total de R$ 60.000,00.


Irresignada, a parte ré interpôs o presente recurso, nos termos já relatados.


Feita esta digressão, necessária para a correta compreensão da demanda, passa-se à análise do efeito suspensivo requerido.


Ao tratar do recurso de Agravo de Instrumento, o Novo Código de Processo Civil, em seu art. 1.019, facultou ao Relator atribuir-lhe efeito suspensivo, ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcial, a pretensão recursal, senão vejamos:


Art. 1.019. Recebido o agravo de instrumento no tribunal e distribuído imediatamente, se não for o caso de aplicação do art. 932, inciso III e IV, o relator, no prazo de 5 (cinco) dias:

I – poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcial, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão;

II – ordenará a intimação do agravo pessoalmente, por carta com aviso de recebimento, quando não tiver procurador constituído, ou pelo Diário da Justiça ou por carta com aviso de recebimento dirigida ao seu advogado, para que responda no prazo de 15 (quinze) dias, facultando-lhe juntar a documentação que entender necessária ao julgamento do recurso;

III – determinará a intimação do Ministério Público, preferencialmente por meio eletrônico, quando for o caso de sua intervenção, par que se manifeste no prazo de 15 (quinze) dias.”


É cediço que a atribuição de efeito suspensivo em sede de agravo de instrumento, tal qual requerido pelo Agravante, constitui medida excepcional, e, por isso, deve-se pautar pela existência concorrente dos pressupostos autorizadores de que trata o art. 995 do Código de Processo Civil, notadamente o risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e a probabilidade de provimento do recurso. In verbis:


"Art. 995. Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso.

Parágrafo único. A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso."


Dito isso, numa análise sumária dos autos, afere-se, ao menos a priori, a existência dos requisitos legais para conceder, em parte, o efeito suspensivo pleiteado, sintetizados nos conceitos do fumus boni juris e do periculum in mora.


Pois bem. Observa-se, em primeiro plano, que o relatório médico assinado pela Neuropediatra Dra. Emmanuelle Vasconcelos atesta que o Agravado é portador de transtorno de espectro autista, necessitando do tratamento ora pretendido, nos seguintes termos (ID – 224005260 – autos originários):


Durante avaliação, observou-se que o menor não faz contato ocular, não responde ao chamado de forma sistemática, não apresenta atenção compartilhada, apresenta vocalizações de protesto e outras sem intenção comunicativa, apresenta flapping, brinca de forma funcional sob mediação, mas também explora sensorialmente os brinquedos, tem interesse maior no objeto que na interação. Assim, apresenta características para diagnóstico inequívoco de Transtorno do Espectro Autista, nível 3.

Recomendo inserção em programas de atendimento multidisciplinar e especializado de acordo com suas necessidades, envolvendo o período escolar e terapias de intervenção precoce de pelo menos 3x na semana, com carga horária por sessão de 1h com psicólogo (com formação em ABA), fonoaudiólogo (com ênfase em comunicação alternativa), psicomotricista e terapeuta ocupacional (com formação em integração sensorial de Ayres). Poderá necessitar de acompanhamentos adicionais com musicoterapeuta, nutricionista, educador físico/natação adaptada, psiquiatria da infância e neurologista infantil, devendo ser o tratamento mantido de forma sistemática e ininterrupta por tempo indeterminado [...]”


Logo, a prescrição emitida pelo médico especialista que acompanha o paciente sinaliza que o tratamento solicitado deve ser realizado com brevidade, pois visa aprimorar o desenvolvimento global da criança.


Neste contexto, é necessário ressaltar que a saúde, como bem de extraordinária relevância à vida e à dignidade da pessoa humana, foi alçada pela Constituição Federal à condição de direito fundamental do homem, manifestando o legislador constituinte constante preocupação em garantir a todos uma existência digna, consoante os ditames da justiça social (arts. 170 e 193, da CF/88).


Assim, os ditames da Carta Magna se espraiam por todas as relações jurídicas, quer sejam de direito público ou privado, incidindo, de maneira inconteste e plena, na interação travada entre os litigantes da situação sob exame.


Não se pode olvidar, também, que o princípio da dignidade da pessoa humana pode, e deve, diante do caso concreto, sobrepor-se a qualquer norma jurídica,...

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