Primeira c�mara c�vel - Primeira c�mara c�vel

Data de publicação27 Julho 2023
Número da edição3381
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Desa. Regina Helena Ramos Reis
DECISÃO

8035717-19.2023.8.05.0000 Agravo De Instrumento
Jurisdição: Tribunal De Justiça
Agravante: A. J. D. S. S.
Advogado: Cleudes Cerqueira De Freitas Junior (OAB:BA69498)
Advogado: Ingrid Rayane Oliveira Matos (OAB:BA71309)
Advogado: Alex Tambone (OAB:BA69299)
Agravante: Tatiana Silva Dos Santos
Advogado: Cleudes Cerqueira De Freitas Junior (OAB:BA69498)
Advogado: Ingrid Rayane Oliveira Matos (OAB:BA71309)
Advogado: Alex Tambone (OAB:BA69299)
Agravado: Hapvida Assistencia Medica Ltda

Decisão:

Trata-se de agravo de instrumento interposto por ANA JÚLIA SANTOS SANTANA, menor, nascida em 16/02/2021, representada por sua genitora, Tatiana Silva dos Santos, contra decisão proferida pelo Juízo da 10ª Vara de Consumo de Salvador nos autos da ação de obrigação de fazer ajuizada contra HAPVIDA ASSISTENCIA MEDICA LTDA que indeferiu a tutela provisória, nos seguintes termos:


Considerando o pedido específico objeto da lide, para realização de tratamento fora rede credenciada, e diante das alegações da parte autora e da prova até então produzida, reservo-me para apreciar o pedido de tutela antecipada após o contraditório, para melhor formação do convencimento deste Juízo, quanto à inexistência de prestadores de serviços habilitados na própria rede da parte demandada.


Sustenta o Agravante que a decisão agravada vai na contramão dos direitos e garantias conferidos aos portadores de TEA; que apenas o médico é quem tem capacidade para definir os procedimentos terapêuticos (tratamentos) que o paciente necessita, e no caso dos portadores de TEA, como o dos autos, o tratamento multidisciplinar é de cobertura obrigatória e sem limitações.


Nesse sentido, requer a antecipação da tutela recursal para que o plano de saúde seja obrigado a custear, de forma imediata e sem limites de sessões/consultas, o tratamento médico denominado TERAPIA ABA, na CLÍNICA DEL PASSOS MULTITERAPIAS.


É o que importa relatar.


Decido.

Defiro a gratuidade de justiça.

Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.


Na origem, a parte autora informa ser beneficiária do plano de saúde administrado pela ora Agravada e que sua filha, representada neste processo, é portador de AUTISMO (CID F84). Em face da referida patologia, foi prescrita pela profissional médica, Dra. Raissa da Rocha Lopes (ID 400041063), o seguinte tratamento:


Sendo assim encaminho o paciente para as seguintes terapias, que devem ser iniciadas imediatamente com profissionais especialistas no TEA e que atuem de forma multidisciplinar e indispensavelmente integrada:

- Fonoaudiologia (inclusive especialista em linguagem) - 2 horas semanais

- Terapia Ocupacional (com integração sensorial) – 1 horas semanais

- Psicologia Intervenção por meio da Ciência ABA com carga horária inicial fixada em 30 horas semanais, com intervenção em ambiente domiciliar com Atendente Terapêutico vinculado e sob supervisão do coordenado ABA e em ambiente clínico com Psicólogo Infantil


É de amplo conhecimento que a intervenção precoce é considerada como tratamento padrão-ouro para o portador de autismo, com a necessidade de instituição imediata quando se suspeita do diagnóstico, devido a sua importância na qualidade de vida do paciente.


A estimulação cognitivo-comportamental baseada no método ABA (Applied Behavioral Analysis), conforme informações encontradas em documento de diretriz do Ministério da Saúde, é um “programa comportamental amplamente utilizado e reconhecido, que visa desenvolver habilidades sociais e comunicativas, ao lado da redução de condutas não adaptativas, partindo de estratégias de reforço”.


Informações adquiridas em pesquisa junto ao Ministério da Saúde, indica que nos pacientes diagnosticados com autismo, a terapia, pelo método ABA, visa a criação de estratégias para o desenvolvimento de habilidades sociais e motoras nas áreas de comunicação e autocuidado e objetiva que a criança consiga, de forma natural, praticar as habilidades aprendidas de forma a incluí-las na vida diária.


O entendimento jurisprudencial assente no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, havendo previsão quanto ao tratamento de determinada enfermidade, não podem as cláusulas de contrato de plano de saúde restringir a cobertura do procedimento/medicamento eleito pelo médico do paciente.


AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. PLANO PRIVADO DE SAÚDE. OBRIGAÇÃO DE FAZER. COBERTURA DE TRATAMENTO. PACIENTE. MENOR IMPÚBERE PORTADOR DE PATOLOGIA CRÔNICA. LIMITAÇÃO DE SESSÕES. ABUSIVIDADE. OCORRÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.

1. A jurisprudência desta Corte Superior já sedimentou entendimento no sentido de que 'à luz do Código de Defesa do Consumidor, devem ser reputadas como abusivas as cláusulas que nitidamente afetam de maneira significativa a própria essência do contrato, impondo restrições ou limitações aos procedimentos médicos, fonoaudiológicos e hospitalares (v.g. limitação do tempo de internação, número de sessões de fonoaudiologia, entre outros) prescritos para doenças cobertas nos contratos de assistência e seguro de saúde dos contratantes' ( AgInt no AREsp 1219394/BA, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 7/2/2019, DJe 19/2/2019).

2. Agravo interno a que se nega provimento"(STJ, AgInt no REsp 1.782.183/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/10/2019, DJe 28/10/2019).


Entendimento em sentido contrário finda por frustrar a própria finalidade do contrato (art. 51, IV e XV do CDC), com a consequente violação do Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. , e 11 do ECA), e os preceitos estabelecidos na Lei nº 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Espectro Autista, cabendo-se recordar que a interpretação das cláusulas contratuais deve ser feita em prol do contratante a teor do art. 47, do CDC e em observância à própria função social do contrato.


Nesta senda, cabe ressaltar que os beneficiários de planos de saúde portadores do Transtorno do Espectro Autista (TEA) de todo o País passaram a ter direito a número ilimitado de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos para o tratamento de autismo, diante das Resoluções 465 e 469/2021, o que se soma à cobertura ilimitada que já era assegurada para as sessões com fisioterapeutas.


Ademais, os nossos tribunais também se manifestam na necessidade de cobertura de tratamentos mesmo que exista cláusula restritiva no contrato de plano de saúde, que é de adesão, considerada a garantia constitucional do direito à vida, veja-se os julgados em casos similares in verbis:


AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. INDENIZAÇÃO. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONCESSÃO. REFERÊNCIA ÀS DIRETRIZES TRAÇADAS NA ASSEMBLEIA MUNDIAL DE SAÚDE. POSSIBILIDADE. ANÁLISE DO COMPORTAMENTO APLICADA (APPLIED BEHAVIORAL ANALYSIS ? ABA) PARA PACIENTES PORTADORES DE TEA - TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO. PORTARIA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. DESPROVIMENTO.

I - A tutela de urgência há de ser concedida quando evidenciada a probabilidade do direito e o perigo de dano, ou o risco ao resultado útil do processo, nos moldes do artigo 300 Código de Processo Civil de 2015.

II - Embasado no princípio da dignidade da pessoa humana e no direito constitucional à saúde, bem como no dano de difícil reparação consistente na prejudicialidade no desenvolvimento da menor caso não oferecido o tratamento, há que se considerar presentes os requisitos para a concessão da medida.

III - A previsão contratual de cobertura para a doença apresentada pelo usuário conduz, pelo menos em tese, ao custeio do tratamento proposto pelos profissionais que o assistem, revelando-se abusiva qualquer cláusula limitativa do meio adequado à melhora e bem-estar do paciente. Precedentes do STJ.

IV - A terapia indicada à paciente é vastamente utilizada no Brasil, inclusive, constando como terapia não medicamentosa em recente Portaria do Ministério da Saúde, a qual estabelece diretrizes e protocolos terapêuticos do comportamento agressivo dos portadores de TEA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO.

(TJ-GO - AI: 04346795420178090000, Relator: CARLOS ROBERTO FAVARO, Data de Julgamento: 28/06/2018, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 28/06/2018)


EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO ORDINÁRIA - TUTELA DE URGÊNCIA - PLANO DE SAÚDE - AUTISMO -TRATAMENTO PELO MÉTODO ABA (ANÁLISE DO COMPORTAMENTO APLICADA) - NEGATIVA DE COBERTURA - NECESSIDADE DEMONSTRADA - DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA - PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 300 DO NCPC. Para que seja concedida a antecipação de tutela é necessário que estejam presentes os requisitos do art. 300 do CPC/15, quais sejam: a existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Atendidos tais requisitos, impõe-se a manutenção da decisão que deferiu a medida de urgência pretendida pela autora. Deve ser autorizado o tratamento pelo método indicado pelos profissionais da saúde que assistem o paciente, em sede de tutela de urgência, se consta dos autos relatório médico atestando a sua necessidade, ainda que exista cláusula...

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