Primeira c�mara criminal - primeira turma - Primeira c�mara criminal - primeira turma

Data de publicação26 Agosto 2022
Número da edição3165
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Desa. Ivone Bessa Ramos - 1ª Câmara Crime 1ª Turma
DECISÃO

8035408-32.2022.8.05.0000 Habeas Corpus Criminal
Jurisdição: Tribunal De Justiça
Impetrante: A Defensoria Publica Do Estado Da Bahia
Paciente: Lucas Benevides Fonseca Oliveira
Impetrado: Juízo Da Vara Criminal Do Júri, Execuções Penais E Infância E Juventude Da Comarca De Brumado

Decisão:

Trata-se de HABEAS CORPUS, com pleito liminar, impetrado pela Defensoria Pública do Estado da Bahia, em favor do Paciente LUCAS BENEVIDES FONSECA OLIVEIRA, tendo apontado como Autoridade Coatora o MM. Juiz de Direito da Vara do Júri da Comarca de Brumado-BA.

Relata a Impetrante que o Paciente responde a Ação Penal pela prática, em tese, do crime tipificado no art. 121, § 2.º, incisos II e IV, do Código Penal, fato ocorrido no dia 16.09.2016. Aduz que, após a pronúncia do Paciente e sua submissão a julgamento popular em 09.10.2018, procedeu-se à anulação da sessão plenária por defeito na respectiva gravação audiovisual, sendo o ato redesignado para 26.08.2022, quando ocorreria sem a presença do Réu, tendo em vista a sua fuga, em 22.12.2021, durante a fruição de saída temporária, com uso de tornozeleira, deferida no âmbito de feito diverso.

Alega, contudo, que o Paciente permanece custodiado no Estado de Sergipe desde o dia 18.01.2022, em virtude de prisão flagrancial pela prática de novo delito, tendo a Defesa comunicado tal fato à Autoridade Impetrada e requerido o recambiamento do Acusado para comparecimento pessoal à sessão do júri. Esclarece, nessa trilha, que o referido pleito restou indeferido pelo Juízo a quo, com alusão à inviabilidade de redesignação do ato, ante o fato de que o Paciente se encontrava foragido, além das dificuldades associadas ao seu recambiamento e a necessidade de harmonização entre o interesse coletivo no julgamento, a razoável duração do processo e a plenitude de defesa.

Sustenta, assim, a ocorrência de violação ao devido processo legal, ponderando que a realização do interrogatório do Paciente mediante videoconferência não se amolda a nenhuma das hipóteses previstas no art. 185, § 2.º, do Código de Processo Penal, cuja interpretação considera taxativa. Argumenta, igualmente, que a fuga do Réu ou a demora para a sua transferência não justificam a realização do ato sem a sua presença, impedindo sua efetiva participação na instrução em plenário. Ressalta, ainda, que o direito de comparecimento do Acusado à sessão do júri quedou eliminado em prol de uma celeridade injustificada, que em nada restaria prejudicada pelo adiamento do ato. Registra, por fim, a inaplicabilidade dos efeitos da revelia, ao argumento de que, quando da designação do julgamento popular, o Paciente já se achava custodiado no Estado de Sergipe.

Nessa senda, pugna pela concessão da Ordem, em caráter liminar, a fim de que seja suspensa a realização da sessão de julgamento em plenário designada para o dia 26.08.2022, postulando, no mérito, a declaração de nulidade da Decisão na qual fora determinada a concretização do ato por meio de videoconferência.

A Inicial encontra-se instruída com diversos documentos.

O Writ foi distribuído a esta Relatora, por prevenção, em 24.08.2022.

É o relatório.

DECIDO:

O deferimento de medida liminar em Habeas Corpus não possui previsão legal, resultando o seu cabimento de construção jurisprudencial e doutrinária. Destaca-se que, sendo satisfativos os efeitos da medida in limine, esta apenas deve ser deferida em caráter excepcional, o que somente se justifica, por seu turno, quando inequivocamente evidenciada a coação ilegal porventura infligida ao agente.

Conforme relatado, funda-se o presente Writ, em suma, na tese de nulidade da realização do interrogatório do Paciente, em plenário do júri, mediante videoconferência, argumentando a Impetrante, em suma, que a referida medida operou-se à marge das hipóteses legais e em consequente afronta às garantias processuais do Réu, notadamente a plenitude de Defesa, além de reputar inidônea a fundamentação declinada na origem, razões pelas quais postula, liminarmente, a suspensão do ato já designado.

Ocorre que, numa análise meramente prefacial, própria destes momento e sede processuais, não se logra identificar, de plano, a inadequação dos motivos apontados na Decisão combatida, mas, pelo contrário, a aparente justeza das indigitadas razões de decidir, data venia da argumentação mandamental. Nesse contexto, para melhor compreensão da matéria posta, convém transcrever o comando decisório impugnado:

A morte da vítima Neander Carlos do Amaral Silva ocorreu há quase sete anos, em 16 de setembro de 2016, por volta de 4h30min, no Bar da Paixão, em Brumado.

Em 9 de outubro de 2018 o acusado foi submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri. Ocorre que, por defeito na gravação dos depoimentos, o Tribunal, de ofício, anulou o julgamento.

Outro foi designado para o dia 26 de agosto, ou seja, em três dias.

O acusado, como destacado, havia rompido a tornozeleira e fugido. Somente hoje, três dias antes do julgamento, soubemos que ele foi localizado e preso em outro Estado.

Recambiamento de presos de outros Estados ficam a cargo da POLINTER e costumam demorar meses.

Seria inviável adiar o julgamento até o recambiamento do acusado, que, como destacado, encontrava-se foragido.

Estabelece o CPP:

Art. 367. O processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao juízo.

Diante do interesse coletivo na realização do julgamento e da necessidade de observância do princípio da razoável duração do processo, insculpido no art. 5º, LXXVIII, da CF/88, mas preservando o direito à plenitude de defesa, também previsto na CF, entendo aplicável o princípio da concordância prática ou harmonização, de modo que o réu, recentemente recapturado em outro Estado, participará do julgamento por videoconferência, e a qualquer momento será permitido que ele se comunique reservadamente com o Defensor.

Oficie-se ao estabelecimento prisional, requisitando a apresentação do acusado à sala virtual de audiências. Encaminhe-se o link, e conste que o julgamento terá início às 8h30, podendo se prolongar até por volta de 19h.

Com efeito, emerge da citada Decisão que a Ação Penal de origem, relativa a fato ocorrido ainda no dia 16.09.2016, arrasta-se há quase 06 (seis) anos e, muito embora levada a júri popular em 09.10.2018, teve o seu julgamento posteriormente anulado por esta Corte, em virtude de falha informática na gravação do ato. É nesse contexto, portanto, que se inseriu a fuga do Paciente, quando beneficiado pela concessão de saída temporária, com uso de tornozeleira, no âmbito de feito diverso, comportamento que, por certo, retardou ainda mais a submissão da causa à apreciação em plenário.

Ademais, conquanto cessada a evasão do Réu no dia 18.01.2022, ante a sua captura em virtude de nova prática delitiva, tal fato não desconstitui sua prévia fuga, e somente chegou ao conhecimento do Juízo a quo em 23.08.2022, é dizer, na iminência de realização da sessão plenária já aprazada para o dia 26.08.2022, ao que se acrescenta, como se não bastasse, a circunstância de permanecer o Paciente recolhido no âmbito de Unidade Federativa diversa, é dizer, o Estado de Sergipe, onde foi preso em flagrante.

Pois bem, malgrado não se possa negar a relevância do comparecimento pessoal do Acusado ao juízo, sobretudo quando vigora, no âmbito do júri, o postulado da plenitude de defesa, não é possível atribuir contornos absolutos ao mencionado direito, o qual, como todas as demais garantias processuais, pode sofrer mitigação em face do colisão com outros princípios, e, inclusive, é excepcionado pelo próprio ordenamento jurídico pátrio. Nessa toada, preconiza o art. 185, § 2.º, do Código de Processo Penal, que:

§ 2.º Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:

I – prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;

II – viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal;

III – impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código;

IV – responder à gravíssima questão de ordem pública.

Na espécie, identifica-se a aparente adequação da situação delineada ao disposto no inciso II do mesmo dispositivo, que permite a realização do interrogatório por videoconferência, para “viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância...

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