Primeira câmara criminal - primeira turma - Primeira câmara criminal - primeira turma

Data de publicação28 Agosto 2020
Número da edição2687
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Desa. Ivone Bessa Ramos - 1ª Câmara Crime 1ª Turma
DECISÃO

8024285-08.2020.8.05.0000 Habeas Corpus Criminal
Jurisdição: Tribunal De Justiça
Paciente: W. M. D. S.
Advogado: Muanes Leite Machado (OAB:5476500A/BA)
Impetrante: M. L. M.
Impetrado: J. D. V. C. D. C. D. C. -. B.

Decisão:

Trata-se de Habeas Corpus liberatório, com pedido liminar, impetrado pelo Bel. Muanes Leite Machado (OAB/BA n.º 54.765) em favor de WALLAS MARTINS DE SOUZA, apontando como Autoridade Coatora o MM. Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de Canarana/BA (Id. 9581470).

Relata o Impetrante, em suma, que o Paciente foi preso em flagrante no dia 12.08.2020, ante a prática, em tese, do crime tipificado no art. 33 da Lei n.º 11.343/2006, não havendo, contudo, até a data da impetração, a homologação da prisão flagrancial ou a sua conversão em preventiva, em afronta ao art. 310 do Código de Processo Penal.

Alega, também, que, apesar de inexistir qualquer vestígio de fuga ou mesmo relutância à prisão, o Paciente foi algemado até ser entregue na Delegacia Territorial de Canarana, fato que nulificaria sua custódia por ofensa ao enunciado da Súmula Vinculante n.º 11 do STF.

Sustenta, lado outro, a ausência de justa causa para a tipificação do crime como tráfico, em razão de o Paciente ser somente usuário de drogas, com dependência há mais de dois anos. Ressalta que foi encontrada com ele apenas uma “trouxinha” de maconha para consumo pessoal e que o restante da droga foi apreendido em local diverso ao da abordagem, indicado espontaneamente pelo Paciente a título de colaboração/delação, embora não lhe pertencesse.

Afirma, ainda, ser impositiva a soltura do Paciente ante a máxima excepcionalidade da prisão preventiva e a inobservância da Recomendação n.º 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça. Sobreleva a ausência dos requisitos para eventual imposição da custódia preventiva, bem assim que o Paciente é tecnicamente primário, possui residência fixa desde o seu nascimento e trabalho lícito de açougueiro.

Nesses termos, pleiteia a concessão, em caráter liminar, da Ordem de Habeas Corpus e, ao final, a sua confirmação em julgamento definitivo, para que a prisão do Paciente seja relaxada.

Instruiu o petitório com documentos.

O writ foi inicialmente distribuído ao Plantão Judiciário de 2.º Grau em 26.08.2020, tendo o Exmo. Des. Plantonista Antônio Cunha Cavalcanti, todavia, não conhecido do pleito liminar, em razão de a situação vertente não se enquadrar como caso de plantão, por fugir às hipóteses previstas nas Resoluções n.º 71/2009 do CNJ e n.º 15/2019 do TJBA (Id. 9581727).

Nessa esteira, o mandamus foi redistribuído, por sorteio, a esta Desembargadora (Id. 9586486).

É o relatório.

DECIDO:

O deferimento de medida liminar no âmbito do Habeas Corpus carece de previsão legal, resultando o seu cabimento de construção jurisprudencial e doutrinária. É válido destacar que, sendo satisfativos os efeitos da medida liminar, esta apenas deve ser deferida em caráter excepcional, o que somente se justifica, por seu turno, quando restar inequivocamente demonstrado o constrangimento ilegal infligido ao Paciente. Ainda assim, enquanto medida de feição cautelar, a liminar em Habeas Corpus não deve representar antecipação dos efeitos da decisão meritória, cingindo-se às hipóteses de acautelamento do direito pleiteado, e não de sua satisfação.

Pois bem, conforme relatado, assenta-se o Writ vertente, em suma, nas teses de (i) ausência do requisito fumus comissi delicti, em razão de o Increpado ser usuário e não traficante de drogas; (ii) nulidade da custódia flagrancial, diante do uso injustificado de algemas no Paciente; (iii) excesso prazal para homologação do flagrante, com a manutenção desfundamentada da custódia precária; (iv) ausência dos requisitos descritos no art. 312 do CPP para eventual decretação da prisão preventiva, considerando, no ponto, suas condições pessoais favoráveis; e (v) inobservância das disposições contidas na Recomendação n.º 62/2020 do CNJ ante a situação de pandemia do novo coronavírus (Covid-19).

Em que pese a sustentação trazida na prefacial, ao exame perfunctório do conjunto fático probatório acostados aos autos se observa que os documentos juntados pelo Impetrante não comprovam, de plano, a alegada coação na liberdade do Paciente.

No que concerne às alegações de falta de provas da traficância e de nulidade da abordagem policial, saliente-se que a apreciação das indigitadas linhas argumentativas, com o fito de desconstituir o panorama que levou à prisão flagrancial do Paciente, resulta inviável nesta sede, por reclamar profundo exame de fatos e provas, de todo incompatível com a via estreita do Writ.

Ademais, a realização de análise fático-probatória dessa natureza, em clara antecipação ao Juízo de primeiro grau e à margem das provas que ainda serão colhidas no curso da fase instrutória, traduziria indevida supressão de instância. Vejam-se, a propósito, arestos do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO. FLAGRANTE FORJADO OU PREPARADO. VERIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. CUSTÓDIA PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA E EXISTÊNCIA DE OUTROS PROCEDIMENTOS CRIMINAIS QUE ENVOLVEM OS PACIENTES. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. 1. A via do habeas corpus – ação de índole constitucional marcada por cognição sumária e rito célere – não permite dilação probatória, motivo por que, na espécie, não se mostra adequada para apreciar as alegações de que a custódia teria decorrido de flagrante forjado ou preparado por policiais militares. 2. [...]. 3. [...]. 4. Recurso ordinário não provido." (STJ, 5.ª Turma, RHC 64.184/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 19.11.2015, DJe 14.12.2015)

“HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS, PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E RECEPTAÇÃO. FRAGILIDADE DE PROVAS E ALEGAÇÃO DE QUE O FLAGRANTE FOI FORJADO. INVIABILIDADE DE EXAME NO HABEAS CORPUS. NEGATIVA DE RECORRER EM LIBERDADE. RÉU SOLTO DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA NA APELAÇÃO CRIMINAL PARA A APLICAÇÃO DA LEI PENAL. PACIENTE FORAGIDO DO SISTEMA PRISIONAL. PERICULUM LIBERTATIS. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. ORDEM DENEGADA. 1. As teses de fragilidade de provas e de flagrante forjado por policiais não podem ser analisadas na via estreita do habeas corpus, por demandarem exame aprofundado de fatos e provas, vedado na via eleita. 2. [...]. 3. [...]. 4. Ordem denegada." (STJ, 6.ª Turma, HC 308.661/RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 16.04.2015, DJe 27.04.2015)

De outro viés, o Impetrante alega que a constrição infligida a WALLAS MARTINS DE SOUZA resta eivada de ilegalidade, uma vez que o Paciente permanece segregado, desde o dia 16.11.2019, apenas por força de sua prisão em flagrante, sem a cabível adoção, por parte do Juízo a quo, de quaisquer das providências estabelecidas pelo art. 310 do Código de Processo Penal.

No entanto, procedendo-se à breve consulta à movimentação do APF n.º 0000224-93.2020.8.05.0042, através do sistema SAIPRO, verifica-se que consta informação referente à decretação da prisão preventiva do ora Paciente, pela Autoridade Impetrada, em 26.08.2020, ou seja, justamente no dia da impetração. Desse modo, a presente alegação resta de todo superada, embora, lado outro, não possa esta Relatora fazer, por ora, uma análise, ainda que perfunctória, do novel decreto prisional, em razão de o feito de origem tramitar no Sistema de Acompanhamento Integrado de Processos Judiciais (SAIPRO), que não permite o acesso ao conteúdo dos atos praticados.

De outro giro, afirma o Impetrante que o Paciente permanece preventivamente custodiado a despeito das disposições contidas na Recomendação n.º 62/2020 do CNJ, no sentido de promover à redução da população carcerária ante a situação de pandemia do novo coronavírus (Covid-19).

Ocorre que o recente surto viral a acometer o país, malgrado grave e inegavelmente preocupante, não tem o condão de ensejar, por si só, a automática soltura do Paciente, sobretudo se não demonstrada, de modo concreto, sua inserção em efetivo grupo de risco – sendo digno de nota que o Paciente é indivíduo jovem, de 22 anos de idade.

Destarte, por não se enquadrar o caso em tela, ao menos sob este mero juízo de prelibação, em qualquer das hipóteses previstas no art. 648 do Código de Processo Penal, INDEFIRO a liminar vindicada.

REQUISITEM-SE informações à Autoridade apontada como Coatora, a fim de que as preste no prazo de 05 (cinco) dias, acompanhadas da decisão que avaliou a custódia do Paciente, bem assim de documentos outros que entenda pertinentes a elucidar a hipótese vertente. Tais informes poderão ser remetidos à Secretaria da Primeira Câmara Criminal, por meio do fax n.º (71) 3483-3603, ou do e-mail 1camaracriminal@tjba.jus.br.

Esta Decisão serve como Ofício, devendo a Secretaria certificar, nos autos, a data de envio da comunicação.

Prestadas as informações e sendo estas juntadas, ENCAMINHEM-SE imediatamente os autos à Procuradoria de Justiça, para os devidos fins.

Decorrido o prazo assinalado, sem as informações, CERTIFIQUE-SE e REMETAM-SE os autos, de logo, à Procuradoria de Justiça (art...

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