Primeira câmara criminal - segunda turma - Primeira câmara criminal - segunda turma

Data de publicação05 Abril 2021
Gazette Issue2833
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Des. Abelardo Paulo da Matta Neto - 1ª Câmara Crime 2ª Turma
DECISÃO

8008144-74.2021.8.05.0000 Habeas Corpus Criminal
Jurisdição: Tribunal De Justiça
Impetrante: Defensoria Publica Do Estado Da Bahia
Paciente: Tiago Santiago Lima
Impetrado: 1 Vara Criminal De Feira De Santana

Decisão:


Processo: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) nº 8008144-74.2021.8.05.0000

Órgão Julgador: Primeira Câmara Criminal - Segunda Turma

Relator: Des. Abelardo Paulo da Matta Neto

IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DA BAHIA

PACIENTE: TIAGO SANTIAGO LIMA

IMPETRADO: JUIZ PLANTONISTA - PLANTÃO REGIONAL DA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR E DO INTERIOR DO ESTADO DA BAHIA


DECISÃO

Abriga-se no presente feito Habeas Corpus Liberatório, com pedido de liminar, impetrado em favor de TIAGO SANTIAGO LIMA, sob a alegação de que ilegitimamente constrito em sua liberdade por ato emanado do MM. JUIZ PLANTONISTA - PLANTÃO REGIONAL DA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR E DO INTERIOR DO ESTADO DA BAHIA, apontado coator.

Consta da narrativa sob a qual se assenta a impetração que o Paciente foi preso em flagrante no dia 26 de março de 2021, por supostamente ter cometido os ilícitos penais tipificados nos artigos 180 e 301 do Código Penal, tendo-lhe sido concedida a liberdade provisória, mediante pagamento de fiança no valor de R$ 1.100,00 (um mil e cem reais).

Contudo, sustenta a impetração que a fiança fora fixada em montante cuja situação econômica do Paciente não permitiria suportar sem prejuízo do sustento próprio, razão pela qual a dispensa do pagamento seria medida imperativa, na forma do art. 350 do Código de Processo Penal, sob pena de se frustrar o direito de liberdade daquele, exclusivamente com base no critério econômico.

Sustenta que, estando o Paciente sob o patrocínio da Defensoria Pública, já se revelaria presumível sua condição de hipossuficiência, resultando na necessidade dispensa do pagamento da fiança, inclusive porque não ficaria detido se a opção de pagamento lhe fosse viável.

Invoca, ademais, a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do habeas corpus nº 568.693-ES, que determinou a soltura de todos aqueles a que concedida liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança.

Com lastro nessa narrativa, suplicou pela extirpação da apontada ilegalidade vivenciada, requerendo, in limine, a dispensa do pagamento do pagamento da fiança, viabilizando-se o restabelecimento do status libertatis do Paciente.

O writ foi instruído com documentos.

É, em resumo, o relatório. Passo a decidir.

Como consabido, a concessão de liminar em sede de habeas corpus não encontra previsão expressa em lei, sendo, todavia, admita na praxe forense, a fim de obstar a consolidação de ilegalidade cerceadora do status libertatis do indivíduo.

Nessa linha intelectiva, leciona Guilherme Nucci:

“A possibilidade de concessão de liminar em habeas corpus, viabilizando a pronta cessação do constrangimento apontado pelo impetrante, não se encontra prevista em lei. Trata-se de criação jurisprudencial, hoje consagrada no âmbito de todos os tribunais brasileiros”. (in NUCCI, Guilherme de Souza. Habeas Corpus, 2ª ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 149)

Na jurisprudência, para se autorizar a concessão da predita medida liminar, estabelece-se um paralelo com o mandado de segurança, também remédio heroico constitucional, que visa à proteção de direitos diversos da liberdade, de teórica menor relevância em relação ao direito de locomoção, e no qual é legalmente autorizada a imediata suspensão do ato coator.

É nesse sentido a lição de Heráclito Mossin:

“Adotando o mesmo posicionamento, José Ernani de Carvalho Pacheco, trazendo inclusive à colação do Acórdão unânime do STF, no HC n. 41.296/GO, no qual foi relator o Ministro Gonçalves de Oliveira, exorta que: Muito embora a legislação a ela não se refira, vai a jurisprudência e a doutrina afirmando a possibilidade de concessão de liminar em sede de habeas corpus [...] Se no mandado de segurança pode o Relator conceder a liminar até em casos de interesses patrimoniais, não se compreenderia que, em casos em que está em jogo a liberdade individual ou as liberdades públicas, a liminar, no habeas corpus preventivo, não pudesse ser concedida.” (in MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus - Antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição e jurisprudência atualizada, 9ª ed. – Barueri: Manole, 2013, p. 398)

Em concreto, a possibilidade de concessão da liminar em habeas corpus embasa-se, objetivamente, no art. 660, § 2º, do Código de Processo Penal e, para a vertente impetração, no art. 259, § 1º, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, reforçados pela aplicação análoga das disposições regentes do mandado de segurança e, por fim, pela sólida construção fincada em precedentes jurisprudenciais, tudo a demonstrar a necessidade de que seja efetivamente apreciada a postulação inaugural da impetração.

Ainda assim, malgrado admitida a possibilidade de suspensão in limine da constrição questionada no writ, para que se viabilize sua materialização é imprescindível restar sobejamente evidenciada, ainda que em peculiar juízo de probabilidade, a ilegalidade ou abusividade do ato restritivo, coadunada à materialidade ou iminência de concretização deste, tal como assente nas medidas de natureza cautelar, com os requisitos consagrados como fumus boni iuris e periculum in mora, recrudescidos pela especialidade da medida.

No caso em apreço, sendo o periculum in mora naturalmente intrínseco a qualquer caso em que questionada efetiva privação de liberdade do indivíduo, a realidade extraída dos autos virtuais também revela a suficiente presença do fumus boni iuris, haja vista que o Paciente teve concedida a liberdade provisória mediante fiança logo após a prisão, em 27 de março de 2021 (ID 14110588 – p. 45/45), permanecendo, porém, custodiado, justamente em face do que, sob o patrocínio da Defensoria Pública, impetrou o presente writ.

O fato de ter o Paciente permanecer segregado após a concessão da fiança é indicador presumível de sua impossibilidade de arcar com o custo que lhe foi imposto, ao menos sem prejuízo de seu sustento próprio ou de seus familiares.

Com efeito, não estando em debate a possibilidade de recolhimento cautelar do Paciente, e sendo latente sua ausência de recursos para o pagamento da fiança que lhe foi fixada, torna-se necessário afastar tal exigência para a concessão de liberdade provisória, haja vista que, do contrário, se estaria vinculando a prisão a critérios eminentemente financeiros, segregando-o pela exclusiva condição de não poder, em última análise, pagar por sua liberdade.

A possibilidade de dispensa da fiança encontra escora nas disposições dos arts. 325 e 350 do Código de Processo Penal:

"Art. 325. O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites:

(...)

I - de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos;

II - de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos.

§ 1º Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser:

I - dispensada, na forma do art. 350 deste Código;

II - reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços); ou

III - aumentada em até 1.000 (mil) vezes".

[...]

"Art. 350. Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares, se for o caso.

Parágrafo único. Se o beneficiado descumprir, sem motivo justo, qualquer das obrigações ou medidas impostas, aplicar-se-á o disposto no § 4o do art. 282 deste Código."

Em semelhantes hipóteses, a construção jurisprudencial acerca do tema é uníssona, especialmente no Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, IV, DA LEI N. 10.826/2003. INDEFERIMENTO DA LIMINAR NO PRÉVIO WRIT. SÚMULA 691/STF. EXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE PATENTE. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA CONCEDIDA. FIANÇA NÃO PAGA. MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA. ATO ESPÚRIO. ART. 350 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INCIDÊNCIA. ASSISTÊNCIA PELA DEFENSORIA PÚBLICA. HIPOSSUFICIÊNCIA. MANIFESTA ILEGALIDADE. EXISTÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A aceitação de habeas corpus impetrado contra decisão que indeferiu a liminar em prévio writ se submete aos parâmetros do enunciado n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, somente afastada no caso de excepcional situação, que se verifica na hipótese dos autos. 2. Com o advento da Lei nº 12.403/2011, externaram-se os comandos constitucionais que identificam na prisão provisória o caráter de última ratio. 3. In casu, existe manifesta ilegalidade, pois o não pagamento da fiança, por si só, não justifica a preservação da custódia cautelar, a teor do artigo 350 do Código de Processo Penal, mormente em se tratando de réu juridicamente pobre, assistido pela Defensoria Pública, que permaneceu custodiado - até o deferimento do pedido liminar, nesta Corte - unicamente em razão do não pagamento da cautela arbitrada. 4. Ordem concedida, confirmando a liminar, a fim de garantir a liberdade provisória ao paciente, independentemente do pagamento de fiança, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que...

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