“Prisão especial” – privilégio ou garantia?

AutorAlexandre Pontieri
CargoAdvogado em Brasília/DF; Pós-Graduado em Direito Tributário pelo CPPG - Centro de Pesquisas e Pós-Graduação da UniFMU, em São Paulo; Pós-Graduado em Direito Penal pela ESMP-SP - Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo

“A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.”

Rui Barbosa

Em razão do Projeto de Lei nº 4.208, de 2001, que “altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941Código de Processo Penal – relativos à prisão, medidas cautelares e liberdade, e dá outras providências”, prestes a ser votado pela Câmara dos Deputados, resolvi, com a máxima vênia que a questão exige, tecer alguns breves comentários sobre o tema, fazendo a seguinte indagação inicial: A chamada “prisão especial” é uma garantia ou um privilégio?

Tentarei opinar de acordo com o texto que segue logo abaixo.

1) Do projeto de lei nº 4 208, de 2001

Trata-se de Projeto de Lei de Relatoria do Excelentíssimo Senhor Doutor Deputado Federal João Campos, registrado sob o nº 4.208, de 2001, onde “altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941Código de Processo Penal – relativos à prisão, medidas cautelares e liberdade, e dá outras providências.”

Dentre algumas das alterações sugeridas pelo Projeto de Lei de nº 4.208/2001, está a proposta de alteração do artigo 295 do Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941), que trata da chamada “prisão especial”.

Atualmente o artigo 295 do Código de Processo Penal Brasileiro está assim disposto:

Art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva:

I - os ministros de Estado;

II - os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia; (Redação dada pela Lei nº 3.181, de 11.6.1957)

III - os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembléias Legislativas dos Estados;

IV - os cidadãos inscritos no "Livro de Mérito";

V – os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; (Redação dada pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

VI - os magistrados;

VII - os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República;

VIII - os ministros de confissão religiosa;

IX - os ministros do Tribunal de Contas;

X - os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função;

XI - os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos. (Redação dada pela Lei nº 5.126, de 20.9.1966)

§ 1º A prisão especial, prevista neste Código ou em outras leis, consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

§ 2º Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

§ 3º A cela especial poderá consistir em alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

§ 4º O preso especial não será transportado juntamente com o preso comum. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

§ 5º Os demais direitos e deveres do preso especial serão os mesmos do preso comum. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

Já a redação final aprovada pelo Senado Federal ao Projeto de Lei nº 4208/2001 (PLC 111 de 2008), recebeu o seguinte texto:

“Art. 295. É proibida a concessão de prisão especial, salvo a destinada à preservação da vida e da incolumidade física e psíquica do preso, assim reconhecida por decisão fundamentada da autoridade judicial ou, no caso de prisão em flagrante ou cumprimento de mandado de prisão, da autoridade policial encarregada do cumprimento da medida.”

Ou seja, houve a sugestão legislativa de total supressão do rol de pessoas e de agentes políticos que têm a garantia, e não o privilégio, da chamada “prisão especial”.

De acordo com o voto do Relator do PL 4208/2001, “trata-se de alteração do texto do art. 295, referente ao recolhimento à prisão especial. A proposta proíbe a sua concessão, salvo se destinada à preservação da vida e da incolumidade física e psíquica do preso.”

E cita ainda o Substitutivo do Senado, que propõe em seu artigo 4º, a revogação de uma série de dispositivos e leis que estabelecem casos de prisão especial, como, por exemplo, a Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, que institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências, e, que, em seu artigo 40 dispõe que:

“(...)

“Art. 40. Constituem prerrogativas dos Membros do Ministério Público, além de outras previstas na Lei Orgânica:

“(...)

“V – ser custodiado ou recolhido à prisão domiciliar ou à sala especial de Estado Maior, por ordem e à disposição do Tribunal competente, quando sujeito a prisão antes do julgamento final.”

E mais: o Relator do PL nº 4208/2001 menciona também em seu voto a Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

“(...)

Art. 7º. São direitos do advogado:

(...)

V – não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar.”

2) Dos argumentos para o projeto de lei nº 4 208, de 2001

De acordo com o item de nº II do Voto do Douto Relator - Deputado João Campos (pág. 11 e segs. do Projeto de Lei em referência), os argumentos para a modificação na legislação quanto à chamada “prisão especial” residem no seguinte aspecto:

“Entendemos que a proposta de revogação de todas as prisões especiais é de grande valia, muito embora o seu resultado não atinja totalmente a nobre pretensão, haja vista que não ocorreram todas revogações – por vedação constitucional – que se fariam necessárias ao correto implemento das medidas, em especial das Leis Complementares nºs 35/79 (Dispõe sobre a Lei Orgânica da Magistratura Nacional), 75/93 (Dispõe sobre e organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União) e 80/94 (Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências).”

“De toda sorte, opinamos pelas referidas revogações acolhendo a iniciativa do Senado que pugna pela diferenciação da prisão em razão da condição da pessoa, medida isonômica, justa e que se adéqua a cada situação de per si, e não à função ou a cargo do acusado. Assim, verifica-se que a prisão especial é excepcionalmente mantida, mudando substancialmente os critérios ou motivos pelos quais ela se dará. Cabe ressaltar que a redação dada pelo Senado ao art. 295, provavelmente teve inspiração no Projeto de Lei nº 3.119 de 2008, de autoria do Ilustre Dep. Marcelo Itagiba, cuja redação em muito se assemelha ao texto em comento, e foi apresentado em 27/03/2008, portanto em data anterior à iniciativa do Senado.

“No que concerne à necessária revogação das prisões especiais dos membros do Ministério Público, da Magistratura e da Defensoria Pública da União, tramita nesta Casa o PLP nº 283 de 2008, também de autoria do nobre Dep. Marcelo Itagiba, cujo teor entrega a devida solução à questão em comento. O tema é complexo e já pende recurso acerca de sua devolução à Mesa desta Casa, sob a alegação de vício de iniciativa, por tratar de matéria, no que concerne ao Parquet e aos magistrados, afetas a estes membros, por tanto, em tesem de iniciativa própria. Outrossim, enfrentaremos enorme pressão pelo corporativismo desses “Poderes”, que lutam incessamente pela manutenção de status diferenciado, condição que aponta para o fato de que nunca advirá proposição da natureza em tela por iniciativa do Ministério Público e do Poder Judiciário.

“Portanto, pugnando pela justa aplicação da medida acolhemos o novo texto dado ao art. 295 e...

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