O Mérito nos Processos de Seleção da Alta Direção da Administração Pública Portuguesa: mito ou realidade?

AutorJoão Bilhim
CargoDoutor em Ciências Sociais pela Universidade Técnica de Lisboa (UTL) (1993). Atualmente é presidente da Comissão de Recrutamento e Seleção da Administração Pública e professor catedrático da Universidade Técnica de Lisboa
Páginas57-78
O Mérito nos Processos de Seleção da Alta Direção
da Administração Pública Portuguesa: mito ou
realidade?1
João Bilhim2
Resumo: A influência do modelo gestioná-
rio na reforma administrativa em Portugal e,
em particular, no que se refere à introdução de
maior racionalidade técnica nos processos de
gestão pública é amplamente reconhecida em
Portugal. Foram muitos os governos que, nos
países da OCDE, tomaram iniciativas idênticas.
Todavia, a literatura sobre a reforma adminis-
trativa apresenta bastante evidência da resili-
ência das burocracias institucionais à mudança.
Acontece que a NPM quis afirmar-se como uma
receita padrão sem respeito pela diversidade
cultural das diversas administrações e, apesar
de se assumir como cartilha, obteve diferentes
expressões e manifestações. Este artigo quer
contribuir para este debate. Por isso, examina a
influência da meritocracia, como ideia do NPM,
na reforma administrativa de Portugal.
Palavras-chave: Mérito. Recrutamento e sele-
ção. Dirigentes superiores.
Abstract: T he influence on managerial model
of administrative reform in Portugal and in par-
ticular with regard to the introduction of higher
technical rationality in the processes of public
management is widely recognized in Portugal.
There were many governments in OECD coun-
tries have taken similar initiatives. However,
the literature on administrative reform presents
enough evidence of the resilience of institu-
tional bureaucracies to change. It turns out that
the NPM would assert itself as a standard recipe
without respect for cultural diversity and the
various administrations, despite taking over as
primer, got different expressions and manifesta-
tions. This article aims to contribute to this de-
bate. Therefore, examines the influence of mer-
itocracy, as NPM idea, administrative reform of
Portugal.
Key words: Merit. Recruitment and selec-
tion. Senior managers.
1 Texto aceito para o XVII Congresso Internacional do CLAD sobre a Reforma do
Estado e da Administração Pública.
2 Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Técnica de Lisboa (UTL) (1993).
Atualmente é presidente da Comissão de Recrutamento e Seleção da Administração
Pública e professor catedrático da Universidade Técnica de Lisboa. E-mail: bilhim@
iscsp.utl.pt.
Recebido em: 23/06/2012.
Revisado em: 15/07/2012.
Aprovado em: 10/08/2012.
Doi: http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2012v33n65p57
O Mérito nos Processos de Seleção da Alta Direção da Administração Pública Portuguesa: mito ou realidade?
58 Seqüência, n. 65, p. 57-78, dez. 2012
1 Introdução
A meritocracia é hoje valorizada e aceite como sinal de moderni-
dade, garantia ética, baluarte contra a corrupção, e garantia de imparcia-
lidade na gestão das pessoas no setor público. Todavia, nem sempre foi
assim.
Na origem, o termo “meritocracia” apresentava um pecado original
e era pejorativamente identificado. De fato, quando o vocábulo “merito-
cracia” foi inventado (meritus + cracia), isto é, um vocábulo composto de
uma palavra latina e, outra grega significando poder/domínio do mérito,
por Michael Young, em 1958, na obra “Rise of the Meritocracy”, o seu
autor quis dar-lhe um sentido oposto ao atual.
Michael Young atribuiu um sentido negativo ao termo, já que a his-
tória que o seu livro contava dizia respeito a uma sociedade futura na qual
a posição social na estrutura de poder era determinada pelo coeficiente
intelectual e pelo esforço do sujeito. Young achava isso reprovável e utili-
zou o termo meritocracia num sentido depreciativo, diferente do atribuído
pelo autor desta comunicação.
Para a sociologia contemporânea, a meritocracia corresponde a um
sistema em que as posições sociais são preenchidas com base no mérito
individual e não em virtude de critérios como a riqueza, o sexo, a origem
social ou a cor do partido político em que se milita.
Salienta-se que Weber (1978), ao identificar as características da
burocracia, referia, entre oito traços, os três seguintes: organização cuja
seleção dos funcionários se faz com base no mérito; baseada na separação
entre proprietários e gestores; que se caracteriza pela profissionalização
dos seus funcionários.
Na análise da literatura atual do modelo gestionário, os termos me-
ritocracia/meritocrático/mérito, numa ligeira análise de conteúdo, apare-
cem, quer na literatura científica, quer nas recomendações de diversos or-
ganismos internacionais como a OCDE/PUMA e o Banco Mundial, entre
outros, com muita frequência.

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