A produção das homossexualidades nas ciências sociais e humanas

AutorAnderson Ferrari e Marcio Caetano
Páginas9-25
Niterói, v.12, n.2, p. 9-25, 1. sem. 2012 9
A PRODUÇÃO DAS HOMOSSEXUALIDADES NAS
CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
Anderson Ferrari
E-mail: aferrari13@globo.com
Marcio Caetano
E-mail: mrvcaetano@gmail.com
Organizar um dossiê com o título “A produção das homossexualidades
nas ciências sociais e humanas” nos obriga a algumas considerações preli-
minares. Uma delas diz respeito ao caráter de construção que o título sugere
uma vez que fala de “produção”. Mais do que isso, diz respeito à produção
de conhecimento, de discursos, de saberes num campo específico, o das
ciências sociais e humanas. Embora tenhamos nos limitado a essa área de
conhecimento, consideramos que essa produção dialoga, discute e respon-
de a diferentes formas de produção em outros campos. Outra consideração
importante é a relação que podemos estabelecer entre as homossexualida-
des e os gêneros. Entendendo que essas discussões e produções não são
separadas, queremos contribuir para a ampliação dessas articulações, de
forma que o título não limite o campo de interesse nas orientações sexuais.
Trabalhando nessa esfera de investigação, ou seja, na produção de
conhecimento sobre homossexualidades originário das ciências sociais e
humanas, viemos percebendo um movimento relativamente novo de am-
pliação e crescimento dessa produção. Relativamente novo porque ele diz
respeito à segunda metade do século XX, contemporâneo do feminismo e do
movimento gay, que foram influentes no desenvolvimento dos estudos gays
e lésbicos. Estamos interessados nas condições sociais que possibilitaram a
emergência dos conhecimentos sobre as homossexualidades, assim como
no que dizem tais conhecimentos, exatamente porque acreditamos que
eles representam um aporte importante no campo das sexualidades e das
subjetividades, além de contribuir para que possamos tomar conhecimento
do que está sendo produzido em benefício de novas pesquisas. Em outras
palavras, nossa intenção, portanto, é de trazer à discussão um movimento de
produção que é histórico, que nos faz pensar suas condições de emergência
e que dialoga com movimentos sociais (LGBTT, ONGs-AIDS, Feministas), com
perspectivas teóricas (Estudos Culturais, Estudos Gays e Lésbicos, Perspecti-
va Feminista, Pós-estruturalismo) e com associações acadêmicas e eventos
científicos de grande porte (Anped, Fazendo Gênero, ABEH etc.).
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Reconhecendo a historicidade dos objetos e sujeitos, os estudos gene-
alógicos, inaugurados por Foucault, defendem a importância de se investi-
gar a sua construção, levando em conta as suas condições de surgimento.
Partir de questões levantadas no presente significa problematizá-las con-
siderando sua história, pensando o seu aparecimento numa determinada
época, para refletir acerca das continuidades e rupturas, construindo uma
história do presente. Assim sendo, a proposta dos artigos que compõem
este número temático é questionar e problematizar o que parecem ser
“verdades” inquestionáveis numa escolha política pela ideia de construção
das homossexualidades.
Dessa forma, as interrogações feitas ao passado têm a finalidade de
questionar o presente. “No presente há um tanto de passado, mas o pas-
sado não representa um lugar fixo ou um objeto preservado em um ‘baú
de prata’, de tal modo que ao se encontrar as chaves corretas poder-se-
-ia abri-lo e descobrir verdades até então desconhecidas” (CÉSAR, 2004,
p. 32). Nesse sentido, o que importa não é o que somos, mas sim como
chegamos a nos tornar o que somos, para, a partir daí, poder contestar
esses mecanismos de construção. O que nos importa é o entendimento
da construção dos sujeitos pelo saber, como sujeitos de conhecimento;
pela relação com os outros, como sujeitos construídos a partir da ação
dos outros e pela ação de cada um consigo mesmo, como sujeitos que
são construídos em meio a uma moral, que é internalizada e que age so-
bre eles (VEIGA-NETO, 2003).
Recuperar a construção das homossexualidades é retomar a história
para entender como o homossexual se torna “homossexual”, ou seja, até
que ponto o que está sendo organizado hoje depende desse passado, e
ainda, em que medida aqueles que não têm essas mesmas experiências
tornam-se similares. Seria possível pensar uma identidade homogênea
da homossexualidade, ora recorrendo à essência, ora à experiência? O
que parece servir para a identificação com uma dessas perspectivas é
a expressão do desejo. Ou seja, a definição da homossexualidade está
diretamente ligada ao desejo e, mais especificamente, ao objeto do de-
sejo. Assim, mais importante do que a questão anterior, outras devem
ocupar nossas atenções ao lermos os artigos deste dossiê: como a ideia
de desejo está presente no entendimento das homossexualidades? Até
que ponto problematizamos essas categorias como construções históri-
cas? Que conhecimentos emergem ao problematizar o desejo e histori-
cizar as homossexualidades?

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