Os Professores de Ensino Superior como Objeto de Estudo e a 'Sociologia Prática

AutorOdaci Luiz Coradini
Páginas191-223
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2018v17n38p191/
191191 – 223
Os Professores de Ensino
Superior como Objeto de
Estudo e a “Sociologia Prática”
Odaci Luiz Coradini1
Resumo
O texto tem dois objetivos gerais: apresentar alguns resultados de pesquisa sobre professores de
ensino superior como categoria social no Brasil e, também, apontar alguns problemas básicos e
limites desse tipo de trabalho nas condições em pauta. No que tange aos professores de ensino
superior como categoria social, são apresentados alguns resultados do exame de fontes censitá-
rias e da aplicação de questionários. Nessa aplicação foram recortadas instituições e amostras de
professores representativos de condições diferenciadas relativamente à posição social e às condi-
ções e exercício prof‌issional. Quanto aos problemas e limites desse tipo de trabalho, são aponta-
dos especialmente aqueles decorrentes das concepções “práticas” dos usos das ciências sociais.
Palavras-chave: Professores de ensino superior como categoria social. Ensino superior e estrutu-
ra social. Ensino superior e posição social. Análise sociológica e problemas práticos.
As origens e condições de existência do texto
O texto em pauta foi publicado inicialmente numa coletânea em
20132. Na presente edição, as modicações se circunscrevem à atualiza-
ção de dados censitários usados, inclusive devido à falta dos resultados
do Censo de 2010 na época da primeira publicação e pequenas correções
na redação. A principal motivação para sua reedição é o aproveitamento
da oportunidade de apresentar algumas questões consideradas de fundo e
decisivas relativamente à realização deste tipo de trabalho em condições
como as brasileiras. No limite, não são apenas as condições e a viabilidade,
mas a própria razão de ser que entram em pauta. Mais que concordância
ou consenso relativamente aos problemas apresentados, interessa o levanta-
mento de questões e a eventual contribuição para sua discussão.
1 Professor de ciências sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: coradini@ufrgs.br.
2 (Coradini, in Canêdo, Tomizaki e Garcia, 2013, p. 248-271)
Os Professores de Ensino Superior como Objeto de Estudo e a “Sociologia Prática” | Odaci Luiz Coradini
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Como outros, este texto resulta do aproveitamento parcial de relató-
rio de pesquisa de um projeto com apoio da CAPES/INEP/Observatório
da Educação3. Como parece evidente, trata-se de um projeto com apoio
naquilo que nas burocracias envolvidas geralmente é designado como “pes-
quisa induzida”, que, aliás, abrange a quase totalidade dos recursos para
apoio a pesquisas em ciências sociais no Brasil. Na época, a expectativa
era a de que essa “indução” consistia especialmente na denição temática,
ou seja, a formulação de projetos de pesquisa centrados em determinados
temas pré-denidos pelas fontes nanciadoras. Além disso, no caso, era
requerido que fossem utilizados os arquivos de dados então coletados e
armazenados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP).
Ocorre que isso que é referido como pesquisa “induzida” vai mui-
to além das intenções de instrumentalização de resultados da aplicação
das ciências sociais tendo em vista problemas de políticas governamentais.
Além dessas intenções de instrumentalização de resultados, abrange as pró-
prias concepções de ciências sociais, de sua racionalidade e razão de ser.
Além disso, nas condições brasileiras em pauta, abrange muito mais que
as intenções dos controladores das burocracias públicas envolvidas, o que
poderia parecer óbvio, visto que, no spoil system brasileiro, são caçadores de
sinecuras mais ou menos prossionalizados nesse tipo de atividade. Porém
a concepção restrita da pesquisa “induzida” em ciências sociais diretamente
dependente dos controladores de burocracias, mediadores e caçadores de
sinecuras, que representariam aquilo que no Brasil geralmente é referido
como “política” abrange diretamente também as condições e possibilida-
des de divulgação e publicação de resultados de pesquisa. Todavia o mais
importante a destacar é que nessa esfera da divulgação e publicação de
resultados não entram em pauta apenas controladores de burocracias e de
recursos, mas também de edições e de critérios de avaliação. Se no que
tange aos controladores de burocracias as intenções de “indução” estão
mais diretamente voltadas para usos, efetivos ou publicitários, mas sempre
“políticos” de resultados de pesquisa, para os controladores de edições e
publicações se trata, particularmente, da aplicação de critérios de avaliação
3 (Projeto 03 do Edital 001/2006/INEP/Capes/Observatório da Educação).
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 17 - Nº 38 - Jan./Abr. de 2018
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que, no caso em pauta, estão centrados especialmente em duas bases de
preocupações “práticas”, a saber: o referencial pedagógico e sindical. Porém
não se trata apenas da conversão de questões pedagógicas ou sindicais em
problemas de investigação sociológica, mas da própria sociologia concebi-
da como instrumentalização “prática”.
Alguns fatos emblemáticos podem ser tomados como indicações ou
como ilustrações: no período de vigência do projeto, anualmente era reali-
zado um seminário em âmbito nacional envolvendo o conjunto dos grupos
com projetos vigentes no edital em pauta. A principal justicativa, inclusi-
ve pública, desses seminários era tornar os projetos “visíveis”. Na abertura
de um dos primeiros, o então presidente da Coordenação de Aperfeiçoa-
mento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) destacou que o objetivo da
alocação de recursos para as pesquisas em pauta consistia na utilização de
seus resultados e das próprias ciências sociais para a divulgação da “impor-
tância” da educação. Como indicação dessa “importância”, era menciona-
do o fato de que as políticas educacionais teriam contribuído para a eleição
do então presidente da república. Nas considerações nais são destacados
alguns problemas mais gerais que podem estar na base disso.
À primeira vista, tratar-se-ia simplesmente do ocupante de um cargo
de direção de uma burocracia pública agindo conforme as lógicas de ação
que estão na base do recrutamento e controle desse tipo de cargo, que
no Brasil é tido como “político”. Em síntese, trata-se simplesmente de
exercício de caça a sinecuras, ou na linguagem desse meio, do exercício
de “liderança”. Porém, por ser um cargo denido como “político” e inte-
grado a um spoil system, não apenas o cargo em pauta, mas o conjunto
de interesses e lógicas de ação que conuem para o mesmo também são
referidos como “políticos”.
No entanto, como se trata de um spoil system multifacetado, não se
restringe apenas à ocupação de cargos no topo das burocracias públicas,
mas abrange o conjunto dos universos sociais envolvidos e os signicados
dessa “política” se redenem e no caso em pauta, envolvendo as questões
relativas à “educação”, passa particularmente pelas referências a problemas
pedagógicos e/ou sindicais vigentes. Sendo assim, para além da deni-
ção dos objetivos das políticas de “indução” da pesquisa nas cúpulas das

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