'PROMETO REINVENTAR VOCÊ': GÊNERO E PODER NA ECONOMIA CRIATIVA

AutorDiego Santos Vieira de Jesus
Páginas142-162
GÊNERO|Niterói|v.18|n.1|142 |2. sem.2017
“PROMETO REINVENTAR VOCÊ”: GÊNERO E PODER
NA ECONOMIA CRIATIVA
Diego Santos Vieira de Jesus1
Resumo: O objetivo deste artigo é examinar as razões da manutenção e da
reprodução da desigualdade de gênero na Economia Criativa. O argumento
central aponta que a noção ideal de “empreendedor criativo” exigida pelas
indústrias desse setor da economia é uma ideia generificada que favorece modelos
masculinizados de trabalho desestandardizado, flexível e sujeito a mudanças, e
de trabalhador dotado de qualidades empreendedoras, com flexibilidade total e
maior independência em relação a obrigações familiares.
Palavras-chave: economia criativa; indústria criativa; empreendedor criativo.
Abstract: The objective of this article is to examine the maintenance and
reproduction of gender inequality in Creative Economy. The central argument
suggests that the ideal notion of “creative entrepreneur” required by creative
industries is a gendered idea that favors masculinized models of flexible work and
a type of male worker endowed with entrepreneurial qualities, with full flexibility
and greater independence from family obligations.
Keywords: creative economy; creative industries; creative entrepreneur.
Introdução
A expressão “economia criativa” refere-se tipicamente ao conjunto de
atividades econômicas que dependem do conteúdo simbólico, no qual a
criatividade é, de acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio
e Desenvolvimento(UNCTAD na sigla em inglês), concebida como componente
simbólico para gerar produtos e serviços, com uma forte dependência de
propriedade intelectual e para um mercado tão amplo quanto possível (UNCTAD,
1 Doutor em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Docente e
pesquisador do Programa de Mestrado Profissional em Gestão da Economia Criativa da Escola Superior de Propaganda
e Marketing do Rio de Janeiro e coordenador do Laboratório de Cidades Criativas na mesma instituição. E-mail: dvieira@
espm.br.
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2010). Ela se insere no contexto de uma “nova economia”, que representa um
momento de passagem do capitalismo de Estado, o qual confiava na indústria
tradicional, para uma economia global alimentada pelo avanço tecnológico, pela
criação de conhecimento e pela especulação financeira. As indústrias criativas
representam o modelo de indústria pós-industrial na nova economia (FLEMING,
1999; LANDRY, 2011).
Na “nova economia”, as indústrias criativas estariam baseadas em indivíduos
com capacidades criativas e artísticas em aliança com gestores e profissionais
da área tecnológica, que fazem produtos e serviços vendáveis e cujo valor
econômico reside nas suas propriedades culturais ou intelectuais (DCMS, 1998
e MIGUEZ, 2007, p.102). A dicotomia entre a “nova economia” e a “velha
economia” naturaliza a “nova economia” e as políticas que a acompanham – e que
colocam as indústrias criativas no centro desse novo modelo econômico – como
“progressistas”, “flexíveis” e “positivas” para o desenvolvimento das sociedades,
enquanto a “velha economia” é situada como “retrógrada” e “negativa” para o
desenvolvimento por ser mais “engessada” (TAMS, 2003).
Nesse contexto, vem-se desenvolvendo um debate crescente na academia
sobre as desigualdades de gênero na economia criativa. Mapeando-se o estado da
arte, cumpre destacar que um dos lados dessa discussão aponta que a economia
criativa é exemplar de um domínio aberto e igualitário para todos os trabalhadores.
Um dos principais defensores dessa perspectiva é Richard Florida (2002; 2005),
que afirma que um dos papeis da cultura é criar uma sociedade na qual o talento
possa ser atraído, mobilizado e desenvolvido, o que conduziria a um ambiente
aberto e inclusivo, permitindo às pessoas serem elas mesmas e validarem suas
identidades múltiplas, inclusive as relacionadas ao gênero e à orientação sexual.
Entretanto, uma vertente crítica identifica desigualdades persistentes no que
diz respeito ao acesso e à participação de mulheres nas indústrias criativas.
Por exemplo, Proctor-Thomson (2009) argumenta que, ainda que identifique
uma ligação entre o trabalho criativo e a identidade individual, Florida parece
marginalizar relações de poder na Economia Criativa, em especial no que diz
respeito ao gênero. Segundo a autora, ainda que atores envolvidos na economia
criativa enfatizem que ela estimula novas habilidades, mudanças do perfil do
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