O que promove a participação política? Um estudo de caso com as prostitutas da rua Guaicurus

AutorJuliana Góes
CargoMestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente, cursa doutorado em Sociologia pela Universidade de Massachusetts ? Amherst (UMass ? Amherst)
Páginas211-243
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2021.e65120
211211 – 243
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O que promove a participação
política? um estudo de caso com as
prostitutas da rua guaicurus
Juliana Góes1
Resumo
As prostitutas estão entre as mulheres mais vulneráveis da sociedade e, no Brasil, são majori-
tariamente mulheres negras e com baixa escolaridade. Por causa desse perl, os estudos sobre
o comportamento político previam que esse grupo social seria menos propenso à participação
política. No entanto, as organizações de prostitutas têm crescido e se expandido por todo o Brasil.
O que tem promovido o engajamento dessas mulheres? O artigo trata dessa questão através de
um estudo de caso sobre a participação das mulheres da Rua Guaicurus, localizada em Belo Hori-
zonte e um dos maiores complexos de prostituição do Brasil, com especial atenção à Associação
de Prostitutas de Minas Gerais (APROSMIG). Argumento que a participação das prostitutas é
explicada pela interação entre quatro fatores: identidade coletiva, redes, retribuições e desenhos de
instituições participativas. Também argumento que esses fatores integram três fases da participa-
ção política: iniciação, manutenção e ampliação.
Palavras-chave: Participação. Associativismo. Prostituição. Movimentos Sociais. Comportamen-
to Político.
1 Introdução
Queria e quero um movimento revolucionário [...]. Uma organização revolucionária sem-
pre tem que se lembrar de que seu alvo não é fazer com que seus partidários escutem as
convincentes palestras de líderes especialistas, mas conseguir fazê-los falar por si mesmos,
para que alcancem [...] o lugar da participação política. Quando minhas amigas putas es-
tavam lá deslando lindas e altivas, sem vergonha de ser puta, elas estavam falando por si
1 Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente, cursa doutorado em
Sociologia pela Universidade de Massachusetts – Amherst (UMass – Amherst). E-mail: jgoes@umass.edu
O que promove a participação política? um estudo de caso com as prostitutas da rua guaicurus | Juliana Góes
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mesmas e sendo políticas, extremamente políticas revolucionárias. (LEITE, 2005 apud LENZ,
2014, p. 212-213).
Desde a década de 1980, as associações de trabalhadoras do sexo têm
se expandido por todo o país e, como manifesto na citação acima, essas
mulheres têm deslado “[...] lindas e altivas, sem vergonha de ser puta,
[...] falando por si mesmas e sendo políticas” (LEITE, 2005 apud LENZ,
2014, p. 212-213). No caso da Guaicurus, um complexo de prostituição
localizado em Belo Horizonte/Minas Gerais, não é diferente. Lá, atual-
mente, encontra-se a Associação de Prostitutas de Minas Gerais (APROS-
MIG), cujo crescimento é tal que, se antes a política da cidade funcionava
sem precisar ouvi-la, agora os candidatos à prefeitura procuram a associa-
ção para obterem o seu apoio (FONSECA, 2016, [s. p.])2.
Esta pesquisa nasce diante desse crescimento. A pergunta que a orienta
é: por que as prostitutas da Guaicurus participam politicamente? A partici-
pação, aqui, é entendida como uma ação orientada para a construção e para
a manutenção de uma coletividade e, neste artigo, foco no engajamento das
prostitutas na APROSMIG. Além disso, o interesse principal desta pesquisa
é a compreensão da participação política no nível individual3. Já o argu-
mento desenvolvido é que a participação das prostitutas pode ser entendida
através da análise da interação entre a identidade coletiva, as redes sociais, as
retribuições pessoais e o desenho das instituições participativas. Esses fatores
explicativos foram retirados de diferentes modelos analíticos sobre a partici-
pação política; e, considerando isso, também argumento que a compreensão
do porquê as pessoas participam é melhor alcançada pelo diálogo entre esses
modelos do que pela aplicação de apenas um, bem como tento avançar na
análise sobre como os fatores citados interagem no caso analisado.
Neste artigo, também analiso o que contribui para a manutenção
da participação política. De maneira mais especíca, argumento que os
2 Conforme reportagem intitulada “Campanha segue em ritmo acelerado em Belo Horizonte”, publicada em 19
de agosto de 2016, no jornal Estado de Minas.
3 A participação é um conceito em disputa, de forma que existem várias denições na literatura. A que foi uti-
lizada aqui tem como único objetivo fornecer um recorte de pesquisa, e não se propõe como uma denição
universal. Ver: Melucci, 1996; Avelar, 2007.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 20 - Nº 47 - Jan./Abr. de 2021
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fatores acima citados se relacionam com três fases da participação política:
iniciação, manutenção e ampliação. A primeira fase refere-se ao contato
inicial com algum tipo de ação/grupo político. Já a segunda refere-se à con-
tinuidade desse contato. Por m, a fase de ampliação representa a expansão
da participação para novas esferas e o contato com diferentes associações/
movimentos sociais.
O desenho desta pesquisa é embebido em perspectivas epistêmicas
feministas e negras4 e envolve o uso de mixed methods (HESSE-BIBER;
GRIFFIN, 2015). Para este trabalho, pesquisei o histórico da região e da
associação, quei um ano realizando uma etnograa do local, utilizei dados
de um survey da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC
Minas)5 e realizei entrevistas em profundidade com as quatro lideranças da
APROSMIG. Estes métodos foram usados em duas etapas. A primeira co-
meçou com a análise de trabalhos que relatam o histórico sócio-político da
região e com a observação participante. A minha entrada no campo ocor-
reu através de uma conhecida que já tinha contato com a APROSMIG por
distribuir camisinhas na região. Devo ressaltar, aqui, que essa pessoa é do
movimento de mulheres negras, onde nos conhecemos. A minha entra-
da no campo, portanto, também foi o meu encontro, enquanto mulher,
negra e criada na periferia, com as prostitutas de diferentes raças/etnias.
No início, separei alguns dias da semana para car na associação com as
lideranças, cadastrando e distribuindo camisinhas para as prostitutas que
chegavam. Assim, pude começar a entender os signicados que eram cons-
truídos na região. Com o tempo, passei a acompanhar as lideranças em
alguns hotéis de prostituição e em reuniões externas, o que me fez ampliar
a experiência de pesquisa.
Ainda como parte da primeira etapa, analisei os dados do survey da
PUC Minas, que foi aplicado na Guaicurus para 304 prostitutas em 2016
(a APROSMIG estima que cerca de 5 mil mulheres trabalhem lá diaria-
4 Ver: Narayan, 1997; Collins, 2002; Haraway, [1995] 2009.
5 Esse survey foi coordenado pela Prof.ª Márcia Mansur e pela Prof.ª Elizabeth Fernandes. Ele é fruto de uma
parceria do Estágio Prossionalizante de Psicologia e Políticas Públicas da PUC Minas com a APROSMIG, que
possui os dados nais.

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