A quebra do sigilo bancário: algumas inconstitucionalidades
Autor | Prof. Julio Nogueira |
Cargo | Advogado e Professor em Salvador. Membro da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e da International Fiscal Association (IFA) |
Páginas | 1-15 |
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"Muitas das pessoas que hoje atribuem pouca importância à separação dos Poderes, não percebem que iniciam o caminho para a ditadura". (FRIEDRICH MÜLLER, apud Mário Guimarães. O juiz e a função jurisdicional,
Forense, 1958, pp. 49-50)
Mais uma vez é trazido ao foco das atenções a questão do sigilo bancário. Todavia, apesar de nos últimos anos o assunto ter suscitado intensos debates, ainda é pequena a contribuição doutrinária sobre a matéria.
No momento atual a discussão sobre o tema se intensificou com a publicação no Diário Oficial da União, do dia 10 de janeiro de 2001, da Lei Complementar nº 105 e do Decreto nº 3.724.
Com base nesta nova legislação, as autoridades fazendárias, passaram a entender que seu poder de fiscalizar as contas bancárias dos contribuintes não era obstada pela Constituição Federal, como se observa dos seguintes dispositivos que regem a matéria:
"Art. 1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.
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§3º Não constitui violação do dever de sigilo:
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VI - a prestação de informações nos termos e condições estabelecidos nos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 9º desta Lei Complementar.
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Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente".
Art. 1º Este Decreto dispõe, nos termos do art. 6º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001 sobre a requisição, acesso e uso, pela Secretaria da Receita Federal e seus agentes, de informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras e das entidades a elas equiparadas, em conformidade com o art. 1º, §§ 1º e 2º, da mencionada Lei, bem assim esclarecer procedimentos para preservar o sigilo das informações obtidas.
Art. 2º A Secretaria da Receita Federal, por intermédio de servidor ocupante do cargo de Auditor Fiscal da Receita Federal, somente poderá examinar informações relativas à terceiros, constantes de documentos, livros e registros de instituições financeiras e de entidades a elas equiparadas, inclusive os referentes a contas de depósitos e de aplicações financeiras, quando houver procedimento de fiscalização em curso e tais exames forem considerados indispensáveis.
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§2º O procedimento de fiscalização somente terá inicio por força de ordem específica denominada Mandado de Procedimento Fiscal (MPF), instituído em ato da Secretaria da Receita Federal, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º deste artigo.
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Art. 4º Poderão requisitar as informações referidas no caput do art. 2º as autoridades competentes para expedir o MPF.
§1º A requisição referida neste artigo será formalizada mediante documento denominado Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira (RMF) e será dirigida, conforme o caso, ao: Page 3
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III - presidente da instituição financeira, ou entidade a ela equiparada, ou a seu preposto;
IV - gerente de agência.
§ 2º A RMF será precedida de intimação ao sujeito passivo para apresentação de informações sobre movimentação financeira, necessária à execução do MPF.
Portanto, consoante se observa dos enunciados normativos acima dispostos, a legislação infraconstitucional e o seu regulamento passaram a outorgar ao Poder Executivo a legitimidade de resolver o confronto entre o interesse público e o direito fundamental individual (cláusula pétrea), determinando e promovendo a quebra do sigilo bancário por decisão exclusiva sua, sem a prévia autorização do Poder Judiciário.
Dentre algumas definições de sigilo bancário elaboradas pelos estudiosos da matéria, a ensinada por JUAN CARLOS MALAGARRIGA, é a que detém maior prestígio, na medida que conceitua o instituto da seguinte forma:
"O sigilo bancário é obrigação de não revelar a terceiros, sem causa justificada, os dados referentes a seus clientes que cheguem a seu conhecimento como conseqüência das relações jurídicas que os vinculam". 1
Na perspectiva constitucional brasileira vislumbra-se algumas correntes doutrinárias que divergem sobre qual o dispositivo especifico da Constituição daria respaldo ao sigilo bancário.
Tem prevalecido no STF corrente que diz ser o sigilo bancário respaldado no art. 5º, X, CF/88, na medida que deve ser considerado como sendo uma das "projeções específicas do direito à intimidade", na grata expressão do Ministro Celso de Melo (STF, MSMC - 23639/DF).
Por outro lado, existe outra corrente representada pela Desembargadora Federal do TRF da 3ª Região - DIVA MALERBI - que entende está o sigilo bancário "inscrito na cláusula da inviolabilidade aos dados, inovação da Constituição Federal de 1988, pois que o âmbito de proteção do direito não se restringe à proibição à violação, mas compreende também o dever de terceiros que estejam colocados na contingência de ter de divulgá-los". 2 Page 4
Em laborioso artigo sobre a matéria, o ilustre IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, explicita que vislumbra o sigilo bancário insculpido no inciso X e XII do art. 5º, da CF/88.3
Particularmente, comungo da mesma posição defendida pelo Prof. IVES GANDRA, uma vez que também estou convencido que a expressão "sigilo de dados" hospeda no seu íntimo a espécie "sigilo bancário" (art. 5º, XII, da CF), além de tal matéria encontra-se respaldada também no direito à intimidade (art. 5º, X, da CF), como se vê:
"Art. 5º.
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X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
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XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução penal processual".
Portanto, como o sigilo bancário encontra abrigo no artigo 5º, X e XII da CF/88, e por isso mesmo é cláusula pétrea protegida pelo manto do art. 60, §4º, IV, da CF/88, não sendo sequer suscetível de ser abolido por Emenda Constitucional.
A bem da verdade, fala-se em funções do Estado como exteriorização de seu poder, uma vez que antes de tudo o Ente estatal vem a ser uma organização jurídica personificada, com âmbito de validez próprio. Deste modo, o Estado pode aquilo que a sua Constituição determina ou permite, ao passo que a Constituição é ditada pelo Poder Político (soberano), exercido num determinado instante.
Desta forma, o Poder Político é um só, indivisível, dele necessitando o Estado para organizar-se, para manter a ordem e em subsistir. O Estado sem poder se converte em um vazio de substância, em um não Estado, razão pela qual esse poder é essencialmente uno. Neste contexto, as funções do Estado são separadas e não o seu Poder. Particularmente podem ser criados órgãos distintos para o desenvolvimento dessas funções, sem que a unicidade do Page 5 Poder reste comprometida. 4
Devemos à Montesquieu a sistematização final da repartição de poder, através da idéia que previa a criação de órgãos distintos e independentes uns dos outros para o exercício de específicas e determinadas atividades.
O Barão de Montesquieu ao observar a interferência do Estado na sociedade verificou a existência de três funções básicas: 1ª) produtora do ato geral; 2ª) produtora do ato especial; e 3ª) solucionadora de controvérsias. No particular, apesar das duas últimas aplicarem o disposto no ato geral, porém, seus objetivos eram diversos, pois enquanto uma visava executar, administrar e dar o disposto no ato geral para desenvolver a atividade estatal, a outra tinha por objetivo solucionar controvérsias entre os súditos e o Estado ou entre os próprios súditos.
Todavia, no absolutismo, o Príncipe concentrava o exercício do poder de forma absoluta, exercitando-o por si ou por meio de auxiliares as distintas funções, sem a existência de órgãos independentes uns dos outros, pois a vontade do Príncipe era a fonte do ato geral, do especial e daquele solucionador de controvérsia. Em resumo, legislação, execução e jurisdição dependiam de seu querer.
Por isto, MICHEL TEMER, ao meditar sobre o tema ensina que:
"O valor da doutrina de Montesquieu está na proposta de um sistema em que cada órgão desempenhasse função distinta e, ao mesmo tempo, que a atividade de cada qual caracterizasse forma de contenção da atividade de outro órgão do poder. É o sistema de independência entre os órgãos do poder e da inter-relacionamento de suas atividades. É a fórmula dos 'freios e contrapesos' a que alude a doutrina americana". 5
Neste mesmo sentido, VALMIR PONTES FILHO esclarece que:
"O Poder não deve ser exercido incontroladamente, sob pena de vermos instaurada uma ditadura. Sem a separação funcional - à qual está incita a idéia de independência dos órgãos, a sua colaboração recíproca e o sistema de checkes and balances - os direitos individuais não poderiam estar garantidos, diante da onipotência do Ente...
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