Reformulação da Lei 8.313/91: queda ou ressurreição da mais importante política pública cultural brasileira?

AutorSaulo Nunes de Carvalho Almeida; Antonia Morgana Coelho Ferreira
CargoUniversidade de Fortaleza (UNIFOR)
Páginas127-134

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1 Introdução

A Lei Rouanet adentrou no ordenamento jurídico pátrio portando a promessa de alcançar uma concretização quanto à eficácia cultural no país. Hoje, pode-se afirmar que tal promessa não se concretizou. Devido a isso, durante os últimos seis anos, vêm sendo realizados diversos fóruns e debates, pelos mais diversos profissionais envolvidos com a cultura nacional, na busca de se encontrar uma forma mais efetiva de política pública para a cultura nacional, do que a permitida atualmente pela Lei ns. 8.313/91, conhecida como Lei Rouanet.

É relevante mencionar que a Lei Rouanet não é uma legislação de fácil interpretação, possuindo diversos fatores em sua complexa equação, principalmente devido a sua grandeza e relevância para todos os setores culturais. Em seu modelo vigente, não aparenta ser um mecanismo democrático de política pública. Algo preocupante, levando-se em consideração o fato de ser a referida Lei a grande responsável pelo financiamento da cultura do país.

Outro fator que deve ser adicionado à mencionada equação composta pela Lei Rouanet refere-se ao atual cenário da cultura no país, o que pode ser observado através de alguns dados disponibilizados no site do Ministério da Cultura (MinC). (BRASIL. Ministério da Cultura, 2009):

• 14% Apenas frequentam cinemas, pelo menos 1 (uma) vez ao mês;

• 92% Não frequentam museus;

• 93% Nunca vão a exposição de artes;

• 78% Nunca assistiram a um espetáculo de dança;

• 90% dos municípios não têm teatros, museus ou espetáculo multiuso.

Após 18 anos de vigência, percebe-se que a Lei Rouanet gerou uma grande distorção, existindo uma clara concentração de verbas em certas áreas territoriais específicas, resultando em uma dificuldade de desenvolvimento e concretização cultural dos demais estados e, quando adentrou no ordenamento jurídico brasileiro, acreditava-se que graças aos mecanismos inovadores que ela trazia, iria se desenvolver uma capacitação da área cultural, resultando em umaautossustentabilidade do meio, os quais passariam a, cada vez mais, necessitar menos desses benefícios fiscais. No entanto, tais previsões não se concretizaram. Devido à forma segundo a qual a legislação está estruturada, a Lei gerou, na verdade, uma dependência dos setores culturais por tal mecanismo, ao ponto de se tornar improvável a sobrevivência de diversas atividades culturais sem o repasse de suas verbas.

Dessa forma, é imprescindível que se analisem quais as principais mudanças sugeridas pela proposta de lei que será enviada para o Congresso Nacional e avaliar a melhor forma de democratizar a atuação da Lei Rouanet.

2 Incentivos fiscais à cultura e os 18 anos da Lei Rouanet

Para que sejam entendidas todas as distorções existentes, na atualidade, referentes à Lei Rouanet, afigura-se relevante comentar alguns pontos históricos concernentes à sua criação e desenvolvimento, bem como explicar o que levou essa legislação a se tornar tão fundamental para a cultura, a ponto de muitos questionarem sua capacidade de sobreviver sem os mecanismos propiciados na forma de incentivos fiscais.

Há 18 anos, em 1991, foi aprovada, pelo Congresso Nacional, a Lei ns. 8.313. Legislação que viria a definir os princípios norteadores referentes ao financiamento, da União, da cultura brasileira. Essa legislação ficou popularmente conhecida por Lei Rouanet em homenagem ao seu idealizador, o então secretário Sérgio Paulo Rouanet. Durante esses 18 anos de vigência, a Lei Rouanet foi responsável por injetar na cultura brasileira o montante equivalente a R$ 8 (oito) bilhões. (BRASIL. Ministério da Cultura. 2009).

No entanto, a popular Lei Rouanet não foi a primeira legislação federal de benefícios fiscais a atividades culturais. Esse crédito pertence à Lei ns. 7.505, do ano de 1986, tornando-se conhecida como Lei Sarney. Essa pioneira lei foi a primeira legislação federal visando o incentivo à cultura, por meio de um mecanismo tendente a permitir às empresas incentivadoras o financiamento de projetos de cunho cultural, beneficiando-se de deduções fiscais.

Essa lei possuía algumas distorções, como a necessidade de que os projetos incentivados fossem, necessariamente, apresentados às empresas patrocinadoras por meio de produtores culturais, colocando, assim, esse profissional como o ponto de maior relevância (maior inclusive do que atualmente) para a concretização dos projetos culturais. Tal legislação, devido as suas diversas incoerências, falhou em atender às dinâmicas modificações culturais acontecidas no país, tendo seus benefícios suspensos no ano de 1990, pelo então presidente Collor.

Assim, foi no ano seguinte, em 1991, que a famosa e controversa Lei Rouanet ingressou no ordenamento jurídico brasileiro, com a missão de buscar um desenvolvimento econômico, também através da utilização desses tais incentivos fiscais para a cultura Brasileira.1

Diversos foram os avanços e retrocessos advindos com a Lei ns. 8.313/91 para a cultura brasileira, considerada uma legislação que abriu as portas para diversas outras políticas públicas similares, tanto em âmbito federal, na forma da Lei do Audiovisual (Lei ns. 8.685/93), como emPage 129 âmbitos estaduais (com incentivos fiscais via ICMS) e municipais (benefícios fiscais via ISS).

A Lei Rouanet, em uma explicação simplificada, funciona da seguinte forma: Pessoas Físicas ou Jurídicas (de natureza cultural) apresentam seus projetos, podendo englobar as mais diversas áreas culturais, ao Ministério da Cultura. A essas pessoas, a lei dá o nome de proponentes. O MinC, então, envia o projeto a um de seus órgãos para uma avaliação referente a diversos parâmetros2. Depois dessa avaliação, quanto ao conteúdo, legalidade e etc., o projeto é remetido à Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), sendo o órgão responsável pela aprovação ou rejeição do projeto. Aos projetos que são aprovados, publicam-se seus dados no Diário Oficial da União (DOU), dando fim à chamada 1ª fase do projeto, na qual a competência de avaliação é exclusiva do MinC.

No entanto, na 2ª fase, o poder de decisão do MinC desaparece. Essa fase é concretizada por ser o momento no qual os proponentes (geralmente com o auxílio dos gestores culturais) apresentam seus projetos às empresas que possam ter algum interesse em financiá-los. Essa fase, popularmente conhecida como "corrida ao ouro", é onde o projeto conseguirá ou não as verbas públicas necessárias para a sua realização. Desse modo, caso alguma empresa desperte o interesse em uma parceria, depositará o valor do projeto (integral ou parcial) na conta corrente do proponente. Posteriormente, a empresa incentivadora descontará o valor que foi utilizado no projeto (total ou parcial) de seu imposto de renda devido.

Desse modo, durante a execução de toda a 2ª fase, o governo não exerce poder de decisão algum quanto à utilização de tais verbas. O resultado dessa omissão torna-se claro nas estatísticas do MinC, apontando que apenas 3% (três por cento) dos proponentes recebem 50% (cinqüenta por cento) de todos os recursos disponibilizados (BRASIL. Ministério da Cultura. 2009). Percebe-se, assim, a falha do mecanismo quanto ao balanceamento de verbas entre os proponentes, refletindo-se também entre as diversas regiões do país.

Nota-se que, no atual modelo de repasse de verbas, via empresas sem nenhuma intervenção do MinC, existe uma certa "confusão" quanto à relevância cultural dos projetos, tendente a flutuar entre o interesse público e o interesse privado. Essa "confusão" pode ser verificada ao ver que diversas são as atividades de importante relevância cultural, e, por não serem atraentes no âmbito do marketing empresarial, acabam não sendo beneficiadas com as verbas disponíveis pela legislação.

Desse modo, de grande relevância se afigura o rompimento da inércia, predominante nos últimos 18 anos, esperando-se um avanço na busca de efetivas formas de políticas públicas que permitam o fomento às atividades culturais brasileiras.

3 O atual sistema e a necessidade de reforma

Para um estudo que visa um maior aprofundamento quanto à Lei Rouanet e a sua necessidade de reforma, é imperativa uma avaliação concernente ao seu atual panorama, bem como ao seu sistema de financiamento à cultura, na procura de analisar se os seus atuais mecanismos obtêm êxito em atender, de forma balanceada, as necessidades culturais de todos os estados da federação, e também...

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