Questões gerais e relevantes sobre 'prestação de contas

AutorDaniel Castro Gomes da Costa - Tarcisio Vieira de Carvalho Neto
Páginas239-255

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Para iniciar os estudos sobre a temática "Prestação de Contas", as normas principais a serem observadas para a aplicabilidade nas eleições de 2014 são a Lei 9.504/97, a Res. TSE 23.406/141, a Instrução Normativa Conjunta RFB/TSE 1.019/10 e o Comunicado Bacen 25.091/14. Registre-se ser o Tribunal Superior Eleitoral, doravante TSE, por meio da Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias, o órgão do Poder Judiciário que analisa as contas partidárias.

Não se pode olvidar as disposições constitucionais acerca do tema, a despeito da obrigatoriedade de as agremiações prestarem contas perante a Justiça Eleitoral (art. 17 da CF), bem como a Portaria Conjunta SRF/TSE 74/06, a Lei Complementar 64/90 e o Código Eleitoral. Trata-se de exigência anual imposta por lei aos partidos políticos, consoante se extrai da leitura da Lei 9.096/95, mormente o Título III, Capítulo I.

Existem, ainda, outras normas igualmente relacionadas ao assunto em apreço, como a Res. TSE 21.841/04 (disciplina a prestação de contas dos partidos políticos e a tomada de contas especial), Res. TSE 23.282/10 (disciplina a criação, organização, fusão, incorporação e extinção dos partidos). Vale registrar, por relevante, que a Corte Superior em comento expediu várias Resoluções2relativas às eleições de 2014.

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Passadas essas premissas, cumpre abordar o tema sob a ótica da doutrina dominante antes de examinar alguns textos normativos e jurisprudências, com destaque à Res. TSE 23.406/14. Não é demasiado lembrar que o Direito Eleitoral possui princípios, peculiaridades, institutos próprios e "exerce um papel decisivo na República. Suas normas regem o acesso ao poder mais relevante no grupo social: o poder político. Detém esse, com exclusividade, a força na sociedade. De sua atuação depende o destino de toda população"3.

Como ramo especializado do Poder Judiciário, "a Justiça Eleitoral é o instrumento de garantia da seriedade do processo eleitoral, seja no comando das eleições, evitando abusos e fraudes, seja na preservação de direitos e garantias por meio da fixação e fiel observância de diretrizes claras e firmes, fundamentadas em lei"4.

Compete à Justiça Eleitoral "preparar, dirigir, velar pela regularidade da votação e, por fim, declarar os vencedores dos pleitos eleitorais"5. Dada a relevância da temática e intrinsecamente relacionado às eleições, a prestação de contas constitui etapa fundamental para preservação da lisura do processo eleitoral e do equilíbrio dessa disputa.

A Constituição Federal erigiu um caráter especializado à Justiça Eleitoral, com competência e atribuições para apontar as diretrizes gerais de regência dos processos eleitorais e dos demais assuntos a ele relacionados. Para exercer esse mister possui funções jurisdicional, consultiva, normativa e administrativa, estas duas últimas mais relevantes e, por isso, merecerão breves comentários.

A atribuição normativa é baseada nos princípios da hermenêutica e da interpretação jurídica. Concretiza-se mediante a expedição das Resoluções do TSE, supramencionadas, cujo objetivo é preencher as variadas lacunas existentes no Código Eleitoral e da Lei das Eleições, a fim de garantir maior efetividade e transparência ao processo eleitoral brasileiro. Dada a relevância da matéria não é incomum a discussão delas no Supremo Tribunal Federal (STF).

A competência administrativa da Justiça Eleitoral revela-se por meio de atividades fiscalizadoras, dentre as quais a análise dos Processos de Prestação de Contas (PCON), de modo a afiançar o pleno exercício da cidadania e conferir legitimidade às eleições.

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O controle dos recursos arrecadados e gastos realizados com as campanhas tem o condão de impedir o recebimento de recursos de fontes vedadas, a prática de ações condenadas e o abuso de poder econômico por candidatos, partidos políticos e coligações. Outro escopo é cientificar o cidadão acerca da origem dos valores pecuniários de financiamento da campanha de seus mandatários, a fim de revelar a moralidade deles e, consequentemente, formar a consciência política do eleitor.

A cada eleição o TSE publica informações acerca dos procedimentos para a prestação de contas por meio de cartilha6disponibilizada pela rede mundial de computadores. Atualmente a aprovação das contas de campanha é requisito fundamental para o candidato obter a quitação eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu.

É forçoso, antes mesmo de tecer elementos conceituais, doutrinários e jurisprudenciais, bem como de examinar com mais ênfase a Res. 23.406/14, que dispõe, dentre outros assuntos, sobre a prestação de contas nas eleições de 2014, proceder a uma breve narrativa histórica da exigência de prestação de contas em campanhas eleitorais.

Para obtenção da certidão de quitação eleitoral bastava apenas a comprovação do exercício do direito do voto ou o pagamento da multa pela ausência do voto, ou seja, não havia exigência normativa de apresentação de contas como condição da quitação eleitoral. Todavia, em 2004 o TSE regulamentou a apresentação das contas de campanha como exigência para o alcance da quitação eleitoral.

Registre-se a redação dada ao parágrafo único do art. 57 da Resolução n. 21.609/2004: "a não apresentação de contas de campanha impede a obtenção de certidão de quitação eleitoral no curso do mandato ao qual o interessado concorreu". Idêntico teor era extraído do art. 42, § 1º, da Res. TSE 22.250/06, mas pelo Código Eleitoral tal exigência somente poderia se aplicar a partir do processo eleitoral de 2006.

Já em 2008 o Min. Ari Pargendler, então na composição do TSE, propôs nova alteração para exigir não somente a apresentação das contas, mas também a aprovação delas como condição para a quitação eleitoral. Assim, passou a viger o art. 41, § 3º, da Resolução n. 22.715/2008 com a seguinte redação: "sem prejuízo do disposto no § 1º, a decisão que desaprovar as contas de candidato implicará

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o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu".

Novamente em razão do princípio da irretroatividade da norma jurídica eleitoral, a aludida disposição apenas teria eficácia a partir do pleito eleitoral de 2010. Com efeito, em 2009 a Lei 12.034/09 modificou a redação do art. 11, § 7º, da Lei 9.504/97, a fim de tornar a apresentação de contas de campanha requisito indispensável à obtenção da quitação eleitoral:

A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento às convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral.

Pela literalidade dessa norma, bastaria apenas a mera formalidade de apresentar as contas e, independentemente de sua aprovação ou reprovação, o candidato conseguiria a certidão de quitação eleitoral.

Não obstante, em 2010 ministros do TSE, no julgamento do PA 594-59 (TSE), manifestaram entendimento sobre a necessidade de interpretar teleologicamente as disposições do § 7º do art. 11 da Lei das Eleições, para obrigar a partir de 2012 a aprovação das contas como condição da obtenção da quitação eleitoral. Transcrevem-se excertos dos votos dos Min. Carmem Lúcia e Ricardo Lewandowski:

(...) a lei não quer apenas um simulacro, e sim o atendimento de todos os princípios, inclusive para haver a materialidade dessa prestação, penso que não há nem tanto a dissensão, mas quase uma complementação desse raciocínio para abarcar todas as situações. Nesse sentido, acredito que a interpretação oferecida atende aos fins da norma para não romper nenhum princípio, até porque o sistema não dá com a mão direita para retira com a esquerda.

(...) não se pode considerar quite com a Justiça Eleitoral o candidato que teve suas contas desaprovadas pelo órgão constitucionalmente competente. Na ver-dade, posicionamento em sentido contrário esvaziaria por completo o processo de prestação de contas, fazendo desse importante instrumento de controle da normalidade e da legitimidade do pleito uma mera formalidade, sem repercussão direta na esfera jurídica do candidato.

Em suma, o referido dispositivo normativo não atende aos anseios da sociedade contemporânea e exige dos aplicadores do direito, mormente dos juí-

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zes eleitorais, atividade interpretativa a fim de conferir maior eficácia à lei em consonância com os princípios da moralidade e probidade preconizados nas normas de regência da matéria, os quais são elementos basilares para a proteção da democracia e do direito de sufrágio.

Igualmente merece relevância, no estudo da prestação de contas, a observação irrestrita aos princípios aplicáveis, como o implícito extraído do art. 17, III, da CF, segundo o qual "é livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: prestação de contas à Justiça Eleitoral".

A necessidade de prestação de contas dos candidatos, conquanto não advenha expressamente da Constituição Federal, tal como ocorre com os partidos político, é verdadeiro princípio constitucional implícito, porquanto os candidatos são os meios utilizados pelos partidos para concretizar a disputa eleitoral e chegar de modo democrático ao poder. A propósito, o TSE já manifestou que "no julgamento da prestação de contas de campanha, é possível, sim, a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade" (AgR-REspe, rel. Min. Laurita Hilário Vaz, DJe 06/12/2013)7.

A seu turno, pelo princípio da legalidade, a base da democracia é o direito de o cidadão ver-se obrigado a fazer ou deixar de fazer algo em virtude de disposição legal, por decorrer da existência do grande número de lacunas e omissões havidas na legislação eleitoral...

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