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Data de publicação11 Janeiro 2021
Gazette Issue2775
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Des. Baltazar Miranda Saraiva
DECISÃO

8036692-46.2020.8.05.0000 Agravo De Instrumento
Jurisdição: Tribunal De Justiça
Agravado: Ceteba - Centro De Ensino E Tecnologia Da Bahia Ltda
Agravante: Ministerio Publico Do Estado Da Bahia

Decisão:


Vistos, etc.


Trata-se de Agravo de Instrumento, com pedido liminar, interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA em face da decisão interlocutória proferida pela MM. Juíza de Direito da 2ª Vara dos Feitos Relativos às Relações de Consumo, Cíveis, Comerciais e Acidente de Trabalho da Comarca de Lauro de Freitas, que, nos autos da Ação Civil Pública tombada sob o nº 8007568-53.2020.8.05.0150, proposta pelo ora Agravante em desfavor do CETEBA - CENTRO DE ENSINO E TECNOLOGIA DA BAHIA LTDA, indeferiu o pedido de inversão do ônus da prova.


Em suas razões recursais, relata que o processo originário foi proposto contra a entidade mantenedora do Centro Universitário Maurício de Nassau – UNINASSAU, filial Lauro de Freitas, por não ter concedido descontos nas mensalidades educacionais durante o período de combate à pandemia do COVID-19, malgrado a alteração contratual que implementa o sistema de Ensino à Distância (EAD) e a redução de despesas, bem como à inadequação, insegurança e ausência de qualidade da atividade ministrada de modo remoto”.


Sustenta ser a inversão do ônus da prova o único meio de aferir se os descontos nas mensalidades foram realmente concedidos. E que “não existe outra possibilidade de se aferir se houve ou não redução dos custos operacionais, se não houver a inversão do ônus da prova”, por não dispor o consumidor de documentos e meios à verificação da contabilidade da demandada. Defende, assim, fazer jus à inversão do ônus da prova para “a plena defesa dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos e de seus titulares”, sobretudo no atual cenário pandêmico da COVID-19.


Assim, requer seja atribuído efeito suspensivo ao agravo e, ao final, seja provido o recurso, reformando-se a decisão guerreada para fins de concessão da inversão do ônus da prova.


Efetuada a distribuição, coube-me a função de Relator do recurso.


É o que importa relatar. Passo a decidir.


Registre-se que o pleito liminar pretendido pelo Agravante, neste recurso, está previsto no art. 1.019, inciso I, do Código de Processo Civil, ipsis litteris:


Art. 1.019. Recebido o agravo de instrumento no tribunal e distribuído imediatamente, se não for o caso de aplicação do art. 932, incisos III e IV, o relator, no prazo de 5 (cinco) dias:


I - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão; (…)


Extrai-se da referida norma que existem duas espécies de tutela de urgência que podem ser requeridas no agravo de instrumento: o pedido de efeito suspensivo e a tutela antecipada, que poderá ser total ou parcial.


Em relação ao efeito suspensivo, destaca-se que sua outorga é medida adequada quando se pretende simplesmente sustar os efeitos da decisão impugnada com conteúdo positivo, até julgamento final do recurso.


Em sede de agravo de instrumento, o efeito suspensivo opera-se ope judicis, porquanto não decorre automaticamente do texto normativo, sendo facultado ao Relator, à luz do caso concreto, concedê-lo liminarmente, desde que preenchidos os requisitos autorizadores da medida.


Sobre o tema, leciona Daniel Amorim Assumpção Neves: Tratando-se de efeito suspensivo ope judicis (impróprio), não basta o mero pedido do agravante, sendo indispensável o preenchimento dos requisitos previstos pelo art. 995, parágrafo único, do Novo CPC: probabilidade de provimento do recurso, ou seja, a aparência de razão do agravante, e o perigo de risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, demonstrada sempre que o agravante convencer o relator de que a espera do julgamento do agravo de instrumento poderá gerar o perecimento de seu direito(NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil – Volume único. 8ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 1572).


Destarte, conclui-se que não se pode emprestar efeito suspensivo ao agravo de instrumento indiscriminadamente, estando a sua concessão adstrita à demonstração da probabilidade de acolhimento da pretensão recursal, que, por sua vez, depende da plausibilidade do direito invocado pelo recorrente, assim também do manifesto risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, caso tenha que se esperar o julgamento definitivo do recurso.


Em relação à antecipação dos efeitos da tutela recursal, é cediço que o seu deferimento está condicionado ao preenchimento simultâneo dos seguintes requisitos: fumus boni iuris, que se afigura na plausibilidade do direito invocado pela parte, e periculum in mora, que se constitui no risco de perecimento da eficácia da tutela pretendida acaso tenha que se esperar o julgamento definitivo do feito, que devem ser apurados em cognição sumária para ser concedida ab initio.


Com efeito, a concessão da tutela antecipada está adstrita à demonstração do caráter de necessidade da medida e, como qualquer provimento de cunho emergencial, por contornar a lógica processual e desafiar o princípio da segurança jurídica, deve ser analisado com cautela pelo magistrado, a fim de que a adversidade ínsita ao trâmite processual não seja simplesmente repassada à parte ex adversa.


Desse modo, conclui-se que não se pode salvaguardar liminarmente qualquer interesse, mas tão somente aqueles que, pela sua aparência, mostram-se plausíveis de tutela no processo principal.


Feitas estas considerações, em uma análise perfunctória dos autos, torna-se possível a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso, pelos fundamentos a seguir expostos.


No caso, o Ministério Público Estadual propõe Ação Civil Pública para salvaguardar os interesses e os direitos coletivos e difusos de consumidores em razão da necessidade de readequação financeira dos contratos educacionais do Centro Universitário Maurício de Nassau – UNINASSAU, filial Lauro de Freitas, pela ausência de descontos nas mensalidades educacionais durante o período de combate à pandemia do COVID-19.


Diferentemente do entendimento adotado pelo juízo a quo, entendo, ao menos nesse momento processual próprio, ser possível a inversão do ônus da prova no caso. Isso porque, o Ministério Público atua como substituto processual em defesa dos interesse e direitos dos consumidores.


A lei nº 7347/1985, em seu artigo 21, dispõe que “aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”.


Por seu turno, o título III do Código de Defesa do Consumidor estabelece que:


Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.


Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:


(...)


II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; (…)


Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:


I - o Ministério Público, (…)


Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.


Por seu turno, entendo que a discricionariedade do Magistrado quanto à inversão do ônus da prova sujeita-se à aferição dos requisitos alternativos do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor. O Magistrado poderá, portanto, deferir a inversão do ônus da prova quando o consumidor for hipossuficiente ou da presença da verossimilhança do direito invocado.


Tratando-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público em defesa dos interesses e direitos dos consumidores, com base no inquérito civil, não se justifica analisar o pedido de inversão do ônus da prova apenas com esteio na hipossuficiência, como fez o Magistrado primevo. Além de ser contraproducente, por não se destacar a posição de vulnerabilidade da parte em produzir provas, é lícito ao Julgador inverter o ônus probatório com base em inquérito civil, que indicia supostos danos causados aos consumidores.


No caso, a cópia do inquérito civil nº IDEA 003.9.97350/2020, a qual foi acostada na petição inicial do feito originário, evidencia a ocorrência de suposta abusividade na contratação dos serviços educacionais da UNINASSAU, a partir dos relatos dos consumidores (alunos).


Apresentando-se verossímil as alegações do Agravante, crível se mostra a concessão da inversão do ônus da prova pelo próprio interesse a ser tutelado. Ademais, a não concessão da inversão do ônus da prova nesse momento poderá trazer prejuízos ao resultado útil do feito originário.


Sendo assim, ao menos em uma cognição não exauriente, forçoso reconhecer o desacerto da decisão hostilizada, cabendo, consequentemente, a antecipação da tutela recursal.


Ante o exposto, DEFIRO O PLEITO LIMINAR, antecipando a tutela recursal, para conceder a inversão do ônus da prova em favor do...

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