Quinta câmara cível - Quinta câmara cível

Data de publicação01 Setembro 2020
Número da edição2689
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Desa. Márcia Borges Faria
DECISÃO

8005834-63.2019.8.05.0001 Apelação (cível)
Jurisdição: Tribunal De Justiça
Apelante: Itau Unibanco S.a.
Advogado: Eny Ange Soledade Bittencourt De Araujo (OAB:2944200A/BA)
Apelado: Jose Pereira De Sousa
Advogado: Julio Cesar Cavalcante Oliveira (OAB:3500300A/BA)

Decisão:

Trata-se de apelação cível interposta pelo Itaú Unibanco S/A, objetivando a reforma da sentença proferida pelo juízo primevo, que, nos autos da ação revisional ajuizada por José Pereira de Sousa, julgou os pedidos nos seguintes termos:

[…] Isto posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para DECLARAR a abusividade da taxa de juros aplicada ao contrato, determinando que o acionado promova a sua limitação à TAXA MÉDIA DE MERCADO de 1,65 % ao mês e 21,68% ao ano, permitida a capitalização mensal. Declaro também abusiva a cobrança das tarifas de Abertura de Crédito e de Emissão de Carnê (ou boleto), devendo os demais termos do contrato estarem em total consonância com o quanto acima exposto.

CONDENO o réu, outrossim, a devolver à parte autora, de forma simples, eventual quantia paga a maior, a partir do recálculo do débito, devendo apresentar, para tanto, planilha de recálculo do saldo devedor nominal da parte autora tendo em mira os parâmetros estabelecidos nesta sentença, computando os pagamentos efetuados durante a vigência do contrato e após a propositura da ação, acaso existentes.

CONDENO a parte ré a pagar as custas e honorários advocatícios no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação”.

Inconformado com a conclusão sentencial, maneja o presente recurso de apelação, na forma das razões de Id. 8513532, sustentando, em apertada síntese, a impropriedade do julgamento, ao argumento de que o apelado, no momento da contratação, tinha plena ciência dos termos do contrato, dentre elas a incidência de encargos e tarifas oriundas de atraso e falta de pagamento, concordando com a totalidade das diretrizes estabelecidas, notadamente os juros praticados.

Pontua que a mera variação de mercado não é apta a declarar a abusividade dos juros remuneratórios, pois, do mesmo modo em que pode haver alta em um dado período, no seguinte este pode ter uma repentina subida.

Afirma que a Tarifa de Cobrança Bancária e a Tarifa de Emissão de Carnê estão devidamente previstas no contrato e eram, à época da contratação, reguladas pela Resolução CMN nº 2.303/96, não se enquadrando nas vedações ali existentes.

Por fim, aduz que a determinação para que confeccione uma planilha evolutiva de débitos do autor não pode surtir efeito algum na esfera jurídica do recorrido, “uma vez que revela-se em visível afronta às normas disciplinadoras da liquidação e execução sentenciais”.

Devidamente intimado, o apelado deixou transcorrer in albis o prazo para apresentação de contrarrazões (certidão de Id. 8513539).

Remetidos os autos a esta superior instância, e, distribuído o recurso à Quinta Câmara Cível, coube-me, por sorteio, o encargo de Relatora.

É o breve relatório.

Preenchidos os requisitos processuais de admissibilidade, passo à análise do mérito do recurso, de onde se extrai que a insurgência manifestada pelo apelante não merece provimento.

Gravita a controvérsia em derredor da legalidade das previsões lançadas no contrato celebrado entre as partes, em especial à luz da proteção dispensada pela vigente ordem constitucional ao destinatário final, na condição de vulnerável.

De fato, a natureza consumerista do contrato sub judice impõe uma série de requisitos que devem ser preenchidos para que este alcance a legitimidade necessária, e, assim, produza a eficácia pretendida quando do firmamento do pacto bilateral de vontades.

No caso em tela, depreende-se, contudo, que coexistem obrigações sinalagmáticas, de modo a elidir, de imediato, um suposto patente descompasso, como alegado pelo consumidor; mas, antes, obrigações reciprocamente estipuladas, cabendo a intervenção estatal no sentido de revisá-las apenas no caso de comprovada ilegalidade.

Registre-se, a propósito, que, em se tratando de empréstimo e financiamento com prestações mensais, a taxa de juros remuneratórios encontra-se embutida na própria prestação, podendo ser conhecida por simples operação aritmética, uma vez que a sua incidência é projetada nas parcelas iguais e sucessivas, mês a mês.

Diante disso, é forçoso concluir que a parte apelada tinha plena consciência, no momento da celebração da avença, da taxa de juros a que estaria submetido, não havendo falar, assim, em elemento surpresa; entretanto, na hipótese, observa-se uma abusividade configurada na onerosidade excessiva, demonstrando a ocorrência de fato superveniente capaz de autorizar a alteração unilateral do negócio jurídico celebrado.

Assim, passando-se a moldar o suporte fático em questão ao viés da legalidade dos termos pactuados, traz-se à baila que os juros estabelecidos em contratos celebrados com instituições financeiras não devem obediência aos ditames impostos pela Lei da Usura ou pelo já revogado §3º, do art. 192 da Constituição Federal, consoante, inclusive, sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, ex vi dos enunciados nºs. 596 e 648, este transformado na Súmula Vinculante nº 7, in verbis:

Enunciado nº 596: “As disposições do Decreto 22626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional”;

Enunciado nº 648/Súmula Vinculante nº 7: “A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar”.

Ainda na vigência da mencionada norma constitucional, e antes mesmo da edição da Súmula nº 648, agora vinculante, a Corte Suprema, no julgamento da ADI nº 04, já havia decidido que a limitação de juros ao percentual de 12% (doze por cento) ao ano não se constituía em norma autoaplicável, mas condicionada a regulamentação por lei posterior, o que impossibilitava a sua utilização como parâmetro de legalidade para os juros moratórios e remuneratórios fixados em contratos financeiros.

Nessa toada, tendo em vista a ausência de norma regulamentadora, manteve-se vigente a Lei nº 4.595/64, que rege o Sistema Financeiro Nacional e confere exclusivamente ao Conselho Monetário Nacional a competência para limitar as taxas de juros reais, não havendo falar em ilegalidade se o percentual dos juros fixado no contrato não extrapola as determinações emanadas do órgão competente.

Nesse sentido, o verbete nº 296 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça:

Juros Remuneratórios – Comissão de Permanência – Inadimplência – Taxa Média de Mercado

Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado.

Como se vê, inexiste uma limitação geral e legal das taxas de juros ao percentual de 12% (doze por cento) ao ano, como defende o consumidor; podendo, portanto, as instituições financeiras extrapolarem esse limite, desde que o percentual fixado no contrato não ultrapasse a média das taxas praticadas pelo mercado para operações da mesma espécie, em idêntico período, como já decidiu a jurisprudência, cristalizada no enunciado sumular acima transcrito.

Analisando o quanto estabelecido pelo Banco Central do Brasil, como taxa de juros mensais aplicáveis à dita modalidade de crédito em termos médios do mercado, e baseando-se na data da celebração do contrato entre as partes, dezembro de 2018, tem-se que os juros estipulados foram de 1,65% ao mês.

Em igual período, os juros remuneratórios fixados no contrato de crédito bancário – veículos, acostado aos autos no Id. 8513525, foram de 2,16% a.m., devendo, pois, ser modificada, posto que abusiva em relação a taxa média de mercado quando da celebração da avença, já que a taxa apurada no contrato, suplanta aquela publicada pelo Banco Central do Brasil para a mesma modalidade de crédito e período de contratação.

Sobre a legitimidade das cobranças de tarifas administrativas para concessão e cobrança dos créditos objetos de contratos bancários, comumente identificadas pelas siglas TAC e TEC, assim como outras correlatas, relevante destacar as súmulas aprovadas, a fim de elidir qualquer dúvida sobre eventuais cobranças das referidas tarifas pelas instituições bancárias. Senão vejamos:

Súmula nº 565: A pactuação das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador, é válida apenas nos contratos bancários anteriores ao início da vigência da Resolução-CMN n. 3.518/2007, em 30/4/2008.

Súmula nº 566: Nos contratos bancários posteriores ao início da vigência da Resolução-CMN n. 3.518/2007, em 30/4/2008, pode ser cobrada a tarifa de cadastro no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira.

In casu, verifica-se que o contrato de financiamento de veículo foi celebrado entre as partes em dezembro/2018, período posterior à edição da Resolução CMN 3.518/2007, a partir de quando, não mais tem respaldo...

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