Além da racionalidade : em busca de um conceito mais amplo do processo deliberativo

AutorAna Carolina Ogando
CargoDoutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher (NEPEM) da mesma instituição
Páginas89-114
Artigo
Além da racionalidade:
em busca de um conceito mais
amplo do processo deliberativo
Ana Carolina Ogando*
As complexas sociedades democráticas modernas, desde a
Segunda Guerra Mundial, enfrentam o dever de assegurar três
bens públicos. São eles legitimidade, bem-estar econômico e um
senso viável de identidade coletiva.”
Seyla Benhabib
“Os indivíduos não podem ‘estar situados’ no mundo do outro e
adotar sua ‘visão de mundo’ e nem deveriam tentar fazê-lo. Não
obstante, eles podem comunicar-se além da distância e de suas
diferenças. A voz cruza fronteiras, mesmo quando as respeita.”
Nancy Love1
Resumo
Diante da ampliação das contemporâneas lutas pelo reconhecimento, em
um contexto de maior visibilidade de novos atores nos espaços públicos,
podem-se identificar as limitações do modelo liberal de democracia que
enfatiza, sobretudo, a legitimidade, o poder e a racionalidade. Este artigo
propõe-se a retomar as diversas críticas à democracia deliberativa, parti-
cularmente no que respeita ao uso da racionalidade como única forma de
* Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas
Gerais e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher
(NEPEM) da mesma instituição. Endereço eletrônico: anacarolinaogan-
do@gmail.com.
1 Citado por Iris Young, 1997, p. 50. Nancy Love, em “Politics and Voice(s):
An Empowerment Knowledge Regime” (1991), sugere que a questão da
compreensão (understanding) deveria ser entendida como um estado de
ser com o outro e não o estado de estar no lugar/posição do outro.
90 p. 89 – 114
Volume 9 – Nº 16 – abril de 2010
argumentação e de ação. A crítica ao uso da racionalidade será ancorada nas
discussões feitas por Young (1990, 1997, 2001) e por Hoggett e Thompson
(2002). A incorporação de outras formas de ação e padrões comunicativos
assinala uma tentativa de possibilitar maior inclusão nos processos delibe-
rativos para que eles se tornem espaços de igualdade e emancipação.
Palavras-chave: Democracia deliberativa, racionalidade, inclusão.
Introdução
Nas últimas décadas, a visibilidade de novas subjetividades e
novos atores teve forte e significante impacto tanto para a constitui-
ção de esferas públicas mais formais, quanto para os novos espaços
públicos. Um dos traços mais notáveis desse processo está ligado
ao fato de que a amplificação das pressões autônomas tornou as
lutas pelo reconhecimento de demandas identitárias mais notáveis.
É justamente perante esse processo de assimilação de novos ato-
res que diversos estudos críticos (BENHABIB, 1992; FRASER, 1997;
YOUNG, 1990, 1997; DRYZEK, 2002) apontaram as dificuldades e
limitações do modelo liberal da democracia em lidar com as novas
demandas por reconhecimento nas esferas públicas, particularmente
dadas as afirmações liberais que enfatizam, sobretudo, as questões
de legitimidade, de poder e de racionalidade.
Sendo assim, a teoria democrática viu-se em face de um pro-
blema: como incorporar mudanças que assinalariam uma ampliação
dos espaços de participação? Observou-se que a teoria democrática
passou por uma forte transformação ao posicionar-se a deliberação
como forma de oposição às idéias de agregação e comportamento
estratégico. Subjacente a essa mudança, há o objetivo, teórico e
prático, de ampliar os espaços de participação, frente à diversida-
de e forte presença dos novos movimentos sociais, que incluem
os movimentos por paz, movimentos ecológicos, os movimentos
feministas e de mulheres, entre outros (BENHABIB, 1996; BOHMAN,
1998; DRYZEK, 2002). Nesse sentido, a deliberação consiste em um
processo distinto de comunicação em que sujeitos têm a oportuni-
dade de mudar as suas opiniões, preferências e/ou pontos de vista
durante um processo interativo que envolve persuasão em vez de
coerção, manipulação ou engano (DRYZEK, 2002, p.1).

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