Contribuições recentes da Neurociência à Psicologia

AutorEmílio Takase
Páginas442-458

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Introdução

Após* a década do cérebro (1990-2000), as pesquisas em Neurociência cresceram muito. Podemos observar pesquisadores de diversas áreas estudando o cérebro, desde o neurocientista que estuda os aspectos sociais (DECETY e SOMMERVILLE, 2003; DECETY e CHAMINADE, 2003; HARMON-JONES e DEVINE, 2003; HARRIS, 2003), engenheiros que desenvolvem modelos computacionais (DESOLNEUX et al., 2003) ou um psicólogo que pesquisa a relação entre fé/crença e cérebro (GALLAGHER et al. 2002; BOYER, 2003). Trata-se de investigações multidisciplinares, nos quais cada profissional busca investigar a dinâmica do cérebro.

Este trabalho multidisciplinar, através das pesquisas em Neurociência, tem contribuído significativamente para a compreensão do homem nas suas diversas interações com o meio e consigo mesmo, principalmente através do mapeamento cerebral. Por outro lado, ainda existe uma grande dificuldade dos profissionais da saúde em compreender que o nosso comportamento é orquestrado pelo cérebro. Assim, com a crescente divulgação sobre as pesquisas sobre o cérebro, já podemos sinalizar um movimento destes profissionais buscando uma integração com a sua área de conhecimento e a Neurociência (MILLER e KELLER, 2000).

A partir de uma revisão bibliográfica, pretendo mostrar as contribuições recentes da Neurociência para a ciência psicológica e o quanto é importante aos psicólogos compreenderem a Neurociência Cognitiva e Comportamental (NCC) 2 . O objetivo é explorar o conhecimentoPage 443que temos sobre o cérebro, ressaltando a importância desse conhecimento para a compreensão do ser humano e, dessa forma, contribuir para o avanço da ciência psicológica. Negligenciar os avanços da Neurociência e a enorme quantidade de artigos publicados sobre o cérebro significa impedir que as teorias psicológicas ganhem maior status científico.

É espantoso o número de periódicos e livros existentes na área do cérebro. Desde a última década, foram editados vários periódicos especializados sobre o cérebro, como podemos verificar na base de dados da ScienceDirect 3 , além de outras bases de dados que publicam revistas especializadas na área da Neurociência, como a The Gale Group e Ovid Technologies , ambas disponíveis via o portal da CAPES (www.periodicos.capes.gov.br). O que presenciamos, então, é um grande volume de artigos publicados anualmente, comparado como de dez anos atrás sobre o cérebro.

Diante do número de artigos publicados em Neurociência e áreas afins (Psiquiatria, Neurologia, entre outras), o psicólogo de hoje não pode mais ignorar os resultados das pesquisas nessas disciplinas. Além disso, a tecnologia de rede de comunicação e divulgação tem facilitado significativamente na socialização e na construção do conhecimento, permitindo a compreensão maior do homem na sua dimensão psicológica/mental, física e ambiental. Esta tecnologia de rede, a internet por exemplo, tem publicado as pesquisas realizadas sobre o cérebro através de reportagens/matérias, como a da American Association for the Advancement of Science (http://www.eurekalert.org/) e publicação de livros. Desde o surgimento da internet, as reportagens publicadas têm contribuído significativamente na socialização do conhecimento, cada vez mais acessíveis aos usuários para a compreensão do cérebro. Da mesma forma, livros como o de Herculano-Houzel (2002), Cérebro nosso de cada dia , no qual a autora escreve de forma compreensível para o público leigo, são outro meio de divulgação sobre o cérebro que tem crescido muito nos últimos anos. Na verdade são inúmeros os livros publicados por diversos autores com linguagem acessível, como os livros de Damásio (1996), LeDoux (1998), Ramachandran e Blakeslee (2002), Horgan (2002), entre outros, sobre a Neurociência.

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Apesar das recentes publicações, ainda é pequena a participação dos psicólogos nos avanços científicos da Neurociência, principalmente no Brasil. Para estimular a participação da Psicologia nessa área, em dezembro de 2003 foi publicado no Portal da American Psychology Association (APA) um programa para o treinamento em Neurociência para os estudantes de Psicologia norte-americanos (www.apa.org). É um início que pode contribuir nas mudanças de conceitos e teorias psicológicas em relação ao homem.

Muitas dessas mudanças são os resultados das pesquisas em NCC que têm um papel significativo para a compreensão da mente e do comportamento humano, comparadas a outras áreas da saúde (DAVIS et al., 1988; KOLB e WHISHAW, 1998; KEIL et al., 2000; DECETY e SOMMERVILLE, 2003; BAARS et al., 2003). Pelo volume de artigos publicados na NCC, podemos sugerir que a Neurociência está mais para a ciência psicológica do que qualquer outra ciência da saúde. Além disso, nos últimos anos tem aumentado o número de laboratórios de Psicologia em Neurociência, assim como a participação de psicólogos em eventos científicos. Isso mostra a conscientização cada vez mais da importância da NCC na compreensão psicológica do homem.

Podemos, então, observar que nos últimos anos há um esforço grande dos cientistas em compreender melhor o cérebro humano, com seus 100 bilhões de neurônios e mais de 100 trilhões de conexões sinápticas. Em termos comparativos, a nossa espécie é um organismo mais complexo, exibindo suas particularidades no modo de pensar, sentir, agir, sonhar e outras particularidades.

Mas o que torna a nossa espécie mais complexa é a consciência humana? Desde que Wundt (1873-1874) escreveu o livro Principles of Physiological Psychology , e William James (1890), Principles of Psychology , a compreensão da consciência/mente ainda tem desafiado os cientistas. Abaixo, quando a palavra consciusness e mind são inseridas em uma pesquisa bibliográfica na SciencDirect, observa-se que mais de 2.000 artigos já foram publicados (Tabela 1).

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Tabela 1 Relação entre a palavra-chave e o número de artigos publicados na ScienceDirect

[CONSULTE A TABELA DO PDF ANEXADO]

De qualquer forma, o desafio de desvendar o mistério da consciência/mente ainda continua. Será, então, que a dificuldade está no número de neurônios e suas conexões sinápticas na compreensão da consciência ou o fato de que o que eu/ self percebe uma realidade, enquanto que o cérebro “percebe” de outra forma? Será que as respostas poderão vir a partir das pesquisas da Física Quântica?

As pesquisas sobre a consciência com enfoque em Física Quântica referem-se às questões sobre como os processos quânticos podem apresentar um papel decisivo na compreensão das atividades cerebrais (WOOLF e HAMEROFF, 2001; HAMEROFF, 2002). Alguns eventos têm focado estas questões como, por exemplo, as Conferências de Tucson 4 que são realizadas anualmente e discutem a consciência a partir de várias abordagens. Nessas discussões a ênfase principal é se a indeterminação da Mecânica Quântica, especialmente no curso do processo de medição, pode abrir a porta para a ação de uma consciência da função fisiológica do cérebro. Nesse sentido, é dito muito pouco sobre a estrutura complexa do cérebro, no qual os processos quânticos poderiam efetivamente atuar.

Os estudos que estão sendo realizados por cientistas das áreas biológica, física e de computação sugerem que podemos compreender o funcionamento do cérebro através dos conhecimentos/princípios que a Física Quântica está desenvolvendo. Por exemplo, as pesquisas realizadas na computação por Gerstein e Levitt (1998), Gershenfeld e Chuang (1998) e Adleman (1998) mostram que, simulando as propriedades da água, podem afetar a estruturação/organização das moléculas biológicas dos seres vivos (DNA, proteínas, etc.).

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Estes estudos indicam que há grande probabilidade de que processos quânticos sejam a linguagem utilizada pelos organismos eucariontes (células com núcleo e membrana plasmática: plantas e animais) estariam utilizando processos...

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