A administração é uma ciência? Reflexões epistemológicas acerca de sua cientificidade

AutorElói Júnior Damke, Silvana Anita Walter, Eduardo Damião da Silva
CargoDoutorando em Administração pelo Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. - Doutoranda em Administração pelo Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. - Decano do Centro de Ciências Sociais Aplicadas e Docente do Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Páginas127-146

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Elói Júnior Damke 1

Silvana Anita Walter 2

Eduardo Damião da Silva 3

1 Introdução

Levandose em consideração o incremento no número de pesquisadores dedicados à administração, à ampliação do volume de livros e de traba-

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lhos de natureza técnicocientífica publicados, bem como ao aumento da oferta de cursos de graduação e pósgraduação stricto sensu em administração, é inegável a relevância dessa área do conhecimento.

No entanto, inúmeras críticas são constantemente direcionadas a essa área, em especial oriundas de filósofos das ciências puras que destacam a falta de critérios de demarcação científica dos trabalhos nas áreas administrativas. Outras críticas se referem à ausência de posições teóricometodológicas adotadas em pesquisas dessa área.

Nesse contexto, nas últimas décadas, o desenvolvimento e a consolidação da administração como área de conhecimento com características particulares têm levado estudiosos a reflexões sobre sua cientificidade.

Para muitas comunidades acadêmicas organizadas, representadas pelos grupos de cientistas e filósofos da ciência, a administração não pode ser considerada uma ciência, uma vez que “toma emprestado” e aplica conhecimentos de outras ciências, como da Psicologia, da Economia e da Antropologia, dentre outras. Para outras, a administração deve ser considerada uma “arte”, uma vez que não pode ser explicada ou pesquisada, além de ser praticada não apenas entre aqueles que possuem formação acadêmica específica, como também por pessoas que não são formadas e contam somente com a prática. Há, ainda, as que defendem que a administração possui cientificidade, devendo ser considerada como uma ciência social aplicada.

Dado o exposto, e por se considerar relevante para essa área discutir sua cientificidade, realizouse o estudo epistemológico ora apresentado com o objetivo de debater a cientificidade da administração por meio da análise dos critérios epistemológicos dos filósofos Karl Popper, Thomas Kuhn e Imre Lakatos. Buscouse, assim, responder à seguinte pergunta de pesquisa: A administração pode ser considerada uma ciência?

A discussão sobre a cientificidade da administração já foi realizada em outros estudos, como o de Machlup (1994), o de Silva (2002) e o de Augusto e Walter (2008), sem ter sido, contudo, a exemplo deste estudo, efetuado por meio da análise dos critérios epistemológicos dos filósofos Karl Popper, Thomas Kuhn e Imre Lakatos.

Este artigo encontrase estruturado de forma que realiza, na próxima seção, uma exposição sobre a epistemologia e a ciência e suas contribuições para o embasamento deste estudo; na terceira seção, apresenta os critérios epistemológicos dos filósofos Karl Popper, Thomas Kuhn e Imre Lakatos e as implicações desses critérios para a classificação da administração como ciên-

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cia; e, na quarta seção, exibe as considerações finais a respeito da discussão deste estudo e da caracterização da administração como ciência.

2 A Epistemologia e a Ciência

Nesta seção, discutemse a epistemologia e a ciência, bem como as contribuições delas para este estudo.

2. 1 A Epistemologia e sua Contribuição para os Fundamentos da Teoria Cientificista do Conhecimento

De acordo com Santos (2004), nenhuma pesquisa pode ser elaborada sem a âncora epistemológica. O fenômeno ou o fato a ser pesquisado requer bases investigativas na literatura do ramo do saber em análise. Leis, teoremas, axiomas, princípios, postulados e outros dão a sustentação necessária à comprovação das hipóteses ou das questões norteadoras da pesquisa.

A epistemologia é, pois, teoria do conhecimento. De acordo com Houaiss (2001), a epistemologia está relacionada à questão da reflexão em torno da natureza e dos limites do conhecimento humano. De acordo com Santos (2004), o termo epistemologia não possui um sentido único, consistindo em um conceito flexível que varia conforme os pressupostos filosóficos e ideológicos dos críticos de diferentes países e culturas.

Dos estudos de Mariguela (1995), Kant (1971), Bachelard (1971), Bombassaro (1994), Zilles (1994), podemse extrair as seguintes definições para a epistemologia: teoria geral do conhecimento ou gênese e estrutura das ciências; estudo dos princípios, das hipóteses e da aplicação das ciências; estudo metódico e reflexivo do saber, sua organização, sua formação, seu desenvolvimento, seu funcionamento e seus produtos intelectuais; filosofia das ciências; teoria do conhecimento; lógica das ciências; e metaciência.

As definições apresentadas evidenciam que a epistemologia tem, por objeto formal, o estudo críticoanalítico da produção do conhecimento, podendo ser considerada uma matéria interdisciplinar e multirreferencial. A epistemologia também pode ser considerada a história da ciência. De acordo com Lopes e Bernardes (2001), como a ciência é regulada pela busca da verdade, outra condição de ciência se estabelece: o paradigma, que, na vi-

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são dos autores, cumpre a função de estabelecer condições de objetividade ao conhecimento científico. A ciência, sob a ótica dos paradigmas, é mais bem compreendida com base nos escritos de Kuhn (2003).

A partir do apresentado nesta subseção, notase que a epistemologia consiste em uma base fundamental para o desenvolvimento de estudos científicos, e sua abordagem tornase essencial em estudos sobre a cientificidade de uma área de conhecimento.

2. 2 A Ciência e suas Classificações

Iniciase esta subseção destacandose alguns aspectos que conceituam e caracterizam ciência. No entanto, entendese que o pano de fundo relacionado à ciência e suas classificações é vasto e não é o objetivo principal deste trabalho.

Várias são as definições encontradas para ciência, e a área que se preocupa em responder a essa questão – aparentemente simples, mas extremamente complexa – é a Filosofia da Ciência. Em linhas gerais, a ciência, cuja finalidade principal é ampliar os seus conhecimentos específicos, pode ser entendida como um processo ou uma tentativa de compreensão de uma realidade em particular, o que dificulta a formulação de um conceito genérico da mesma (CORBI, 1998).

De acordo com Lakatos (1979), durante séculos, o conhecimento significou conhecimento provado pela força do intelecto ou pela prova dos sentidos. A sabedoria e a integridade intelectual exigiam que fossem desconsideradas afirmações não provadas, o que minimizou o hiato entre a especulação e o conhecimento estabelecido. Essa era a concepção comum de ciência até então, vestida nas roupagens do positivismo lógico, critério baseado no empirismo justificacionistaindutivista da concepção tradicional de ciência.

Essa concepção acerca da visão de ciência, assim como do desenvolvimento das ciências, foi posta à prova com a física newtoniana. Os resultados obtidos por Einstein causaram mudanças e resultaram no entendimento de que o conhecimento científico não é, necessariamente, conhecimento demonstrado.

Além disso, destacase que, nas origens da história da ciência, ela possuía como preocupação principal ampliar os conhecimentos, o que leva à compreensão de que se tratava da ciência formal. Já na atualidade, o proces-

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so evolucionário das ciências as distinguiu em formais e reais (CORBI, 1998; FIGUEIRAS, 1996).

As ciências formais possuem caráter analítico e tratam de objetos ou entidades que não existem na realidade. Já as ciências reais tratam de objetos ou entidades existentes e, portanto, observáveis empiricamente. As ciências reais também são conhecidas como ciências empíricas e experimentais e sofrem uma segunda divisão: ciências naturais e ciências sociais. A primeira trata de conhecer as leis da natureza, e a segunda, em particular, o comportamento humano. Ademais, as ciências naturais e as sociais, por sua vez, se subdividem em ciência pura, que é aquela que se interessa basicamente por conhecimentos, e ciências aplicadas que tratam de modificar e/ou configurar a realidade.

No que tange à administração, ela pode ser considerada uma ciência social (WHITLEY, 1977), isto que seu objeto de estudo se constitui de fenômenos de ordem social, ou seja, do estudo e da melhoria da coordenação e do controle de atividades humanas associadas. Além disso, a administração também pode ser classificada como uma ciência aplicada (THOMSON, 1956), ou seja, uma ciência social aplicada.

Augusto e Walter (2008) argumentam que a dificuldade de a administração ser considerada uma ciência pela academia se deve exatamente ao fato de consistir em uma ciência social. Isso porque as ciências sociais possuem um objeto de estudo mais complexo, o que impossibilita que atinjam critérios de cientificidade baseados nas ciências naturais, como a neutralidade e a objetividade. A esse respeito, Augusto e Walter (2008) destacam que não deveriam ser empregados critérios das ciências naturais para avaliar a cientificidade de uma ciência social como a administração. Assim, esses pesquisadores defendem que a administração pode ser considerada uma ciência e que deveria se preocupar com os critérios de cientificidade que realmente podem ser aplicados a ela ou seja, com a relevância e a validade dos resultados obtidos por meio do rigor metodológico.

Diante das diferentes concepções e divergências sobre o conceito de ciência, empregamse, neste estudo, as ideias dos filósofos Kuhn, Popper e Lakatos acerca do que é conhecimento científico e de sua natureza.

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3 Os Critérios Epistemológicos de Popper, de Kuhn e de...

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