Reflexões acerca da justa causa nos crimes de sonegação fiscal

AutorRobson Maia Lins e Pablo Gurgel Fernandes
Páginas1127-1162
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REFLEXÕES ACERCA DA JUSTA CAUSA NOS
CRIMES DE SONEGAÇÃO FISCAL
Robson Maia Lins1
Pablo Gurgel Fernandes2
1. INTRODUÇÃO
Não é de hoje que o direito pátrio se ocupa de sancionar
determinadas classes de ações ou omissões contrárias à or-
dem tributária, ora conotando-as como infrações fiscais, ora
caracterizando-as como crimes tributários, neste último caso
para cominar-lhes as mais severas penas previstas no ordena-
mento jurídico. No último século, experienciou-se uma vasta
gama de inovações legislativas que agregaram complexidade
aos ramos do Direito Tributário Sancionatório e do Direito
Penal Tributário, despertando novas reflexões doutrinárias e
acirrando debates judiciais dos mais variados.
1. Doutor em Direito Tributário pela PUC/SP. Mestre em Direito Tributário pela
PUC/SP. Graduado em Direito pela UFRN. Advogado e Professor.
2. Mestrando em Direito Tributário na PUC/SP. Especialista em Direito Tributário
pelo IBET. Graduado em Direito pela UFRN. Advogado e Professor.
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IBET - INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS
A perspectiva dinâmica dos crimes contra a ordem tri-
butária, por exemplo, mostrou-se um campo fértil para re-
centes discussões perante os Tribunais Superiores. E neste
contexto, pode-se mencionar a busca pela fixação de cri-
térios para a aplicação do princípio da insignificância nos
delitos tributários materiais, a definição dos requisitos e li-
mites de influência da adesão a programa de parcelamento
fiscal sobre a punibilidade penal-tributária, o determinação
do momento consumativo nos crimes de sonegação fiscal, o
questionamento da natureza jurídica do crime de descami-
nho e, mais recentemente, a suposta existência de apropria-
ção indébita pelo inadimplemento de tributos próprios clas-
sificados como indiretos.
O sempre renovado surgimento de problematizações,
entrementes, não surpreende aqueles que pautam o estu-
do do fenômeno jurídico pelas lentes do constructivismo
lógico-semântico. Afinal, a interpretação das palavras do
direito positivo, quase sempre permeadas de ambiguidades
e vaguezas, costuma gerar dissensos entre seus utentes, se-
jam eles observadores dos documentos normativos ou par-
ticipantes da enunciação deste objeto cultural. E quando o
homem é conclamado a se valer de signos probatórios para
constituir a facticidade jurídica, aí é que os questionamen-
tos tendem a se intensificar.
Nos últimos tempos, a temática da justa causa nos cri-
mes de sonegação fiscal despertou olhares. Isto porque, em
um momento histórico no qual se observa a proliferação de
inquéritos policiais pautados na mera existência de créditos
tributários “definitivamente constituídos” e o advento de
denúncias em face de sujeitos de direito que, simplesmen-
te, figuraram como gestores empresariais no período objeto
de autuações fiscais, é de bom alvitre investigar, com pendor
analítico, os critérios jurídicos que vigoram para fins de cons-
tituição do lastro probatório mínimo de materialidade e auto-
ria, indispensável à deflagração e manutenção de uma perse-
cução penal deste jaez.
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CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO
E OS DIÁLOGOS ENTRE TEORIA E PRÁTICA
2.
A JUSTA CAUSA NO DIREITO PROCESSUAL
PENAL
Desde a redação originária do Código de Processo Penal
(CPP), já se verificava o emprego da locução “justa causa”,
utilizada nas acepções de: (i) motivo plausível para relevar
omissões do perito nomeado para auxiliar a Justiça e, por con-
seguinte, deixar de lhe impor penalidades (arts. 277 e 278); (ii)
justificativa razoável para o não comparecimento do réu em
júri, sob pena de realização do julgamento à sua revelia (art.
451); (iii) razão aceitável para a ausência de testemunha, sem
a qual esta incorreria em multa ou mesmo prisão (art. 453);
(iv) hipótese configuradora de coação ilegal, para fins de im-
petração de habeas corpus (art. 648, inciso I); e (v) fundamento
legítimo para dilação do prazo fixado ao cumprimento de exe-
quatur concedida para carta rogatória (art. 786).
Dentre tais disposições legais, a que mais se aproxima-
va da matéria investigada era aquela prevista no artigo 648,
inciso I, do CPP, que, diga-se de passagem, assim prescreve
até o presente momento: “Art. 648. A coação considerar-se-á
ilegal: I – quando não houver justa causa;”, como se colhe na
doutrina pátria.
2.1 Segundo a doutrina pátria
Para José Frederico Marques, tratou-se de preceito que
buscou efetivar o art. 141, §23, da Constituição do Estados
Unidos do Brasil de 1946, que prescrevera a concessão de ha-
beas corpus sempre que alguém sofresse ou se encontrasse
ameaçado de “sofrer violência ou coação em sua liberdade de
locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
Apesar de reconhecer a “grande extensão e amplitude”3
do conceito de “justa causa”, o abalizado doutrinador santista
3. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal: volume IV. 2.
ed. Campinas: Millennium, 2000. P. 477.

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