Os refugiados, uma vida cindida entre o humano e o cidadão: um diálogo com Giorgio Agamben

AutorCastor Mari Martín Bartolomé Ruiz, Carolina Reyes Molina
CargoProfessor Titular (PT) do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)/Mestre em Filosofia pelo Programa de Pós-Graduação Filosofia Universidade do Vale do Rio dos Sinos- Unisinos, São Leopoldo - RS
Páginas1-23
Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, Florianópolis, v. 19, p. 01-23, jan./dez. 2022.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1807-1384. DOI: https: //doi.org/10.5007/1807-1384.2022.e75091
Artigo
Original
OS REFUGIADOS, UMA VIDA CINDIDA ENTRE O
HUMANO E O CIDADÃO - Um diálogo com Giorgio
Agamben
Refugees, a split life between human and citizens - a dialogue with Giorgio Agamben
Castor Mari Martín Bartolomé Ruiz
Doutor em Filosofia pela
Universidad de Deusto, U.D., Espanha.
castor@unisinos.br
https://orcid.org/0000-0002-6826-1560
Carolina Reyes Molina
Mestre em Filosofia pelo Programa de Pós-Graduação
Filosofia Universidade do Vale do Rio dos Sinos- Unisinos
São Leopoldo - RS
carolinamolinareyes@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-7586-9910
A lista completa com informações dos autores está no final do artigo
RESUMO
A condição do refugiado tem se tornado algo a mais que um mero fato político pontual de nossa modernidade. A figura
do refugiado, em suas múltiplas versões, carrega em si o estigma de ser reconhecido como humano, porém negando-lhe
a cidadania. A condição do refugiado, que não cessa de crescer ao longo do mundo, desvela os limites do Estado-nação
e suas instituições incapazes de reconhecer a igualdade real de direitos a todos os seres humanos. A obra de Giorgio
Agamben oferece um instrumental conceitual para pensarmos criticamente a condição do refugiado e os limites do Estado-
nação. Os novos muros que não cessam de construir-se por todo mundo, são reflexo da incapacidade jurídico política do
Estado-nação para responder aos novos desafios políticos de uma humanidade nômade. O refugiado opera no presente
como uma espécie de vanguarda do povo, que nos instiga a pensar as categorias para uma nova política que não exclua
através da cisão da vida humana.
Palavras chave: Refugiados, Homo sacer, Vida nua, Campo, Agamben
ABSTRACT
The refuge condition has become more than just a punctual political fact our modernity. The figure of the refugee, in its
multiple versions, carries within it the stigma of being recognized as human, but denying citizenship. The refugee condition,
which never ceases to grow throughout the world, unveils the boundaries of the nation state and its institutions unable to
recognize the real equality of rights for all human beings. Giorgio Agamben´s works offers a philosophical conceptual tool
for critically thinking about the refugee´s condition and the boundaries of the nation state. The new walls that are continually
being built around the world reflect the political inability of the nation state to respond to the new political challenges of a
nomadic humanity. The refugee operates in the present as a kind of vanguard of the people, urging us to think the
categories for a new policy that does not exclude through the split of human life.
Keywords: Refugees, Homo sacer, Naked life, Camp, Agamben
1. INTRODUÇÃO
“Começa a iniciação ao exílio quando começa o abandono, o sentir-se abandonado”
(ZAMBRANO, 2004, P. 31)
2
Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, Florianópolis, v. 19, p. 01-23, jan./dez. 2022.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1807-1384. DOI: https: //doi.org/10.5007/1807-1384.2022.e75091
A tragédia da guerra em Ucrânia nos surpreendeu ao finalizar a revisão deste artigo.
ACNUR contabiliza já mais de 4 milhões de refugiados ucranianos, e o número cresce a
cada dia. Este novo desastre humanitário só faz confirmar a urgência de pensarmos a
condição dos refugiados na nossa contemporaneidade, e como essa condição interpela ao
modelo de cidadania nacional implantado quando do surgimento dos Estados nacionais, no
século XVIII.
O último relatório anual da ACNUR -Agência da ONU para Refugiados- publicou as
maiores cifras mundiais de deslocamento forçado no mundo registradas até hoje, que ano
a ano não cessam de crescer. Estima-se que 82,4 milhões de pessoas se encontram nessa
situação sem considerar o caso da Ucrânia. Além das dolorosas imagens cotidianas dos
refugiados ucranianos, não podemos esquecer a impactante fotografia de um pai e sua filha
afogados num rio fronteiriço entre México e Estados Unidos. Impossível não se lembrar de
Aylan, a criança Síria que apareceu morta na beira da praia na Turquia no ano 2015.
Constanteme toma rosto a alarmante realidade da crise migratória e volta a surgir a
perplexidade ante as campanhas, como as que realizou Donald Trump e ‘seu muro’ contra
os migrantes latinos, ou os muros de arames farpados levantados por Viktor Orbán,
presidente da Hungria, contra os refugiados sírios e iraquianos .
Há uma série de questões filosóficas que instigam estas contradições de nosso
presente. O refugiado não é um resultado pontual de eventos circunstanciais. A condição
dos refugiados está apontando para alguns limiares do Estado-nação, mostrando a
insuficiência e os limites das principais categorias jurídico políticas sedimentadas desde o
século XVII como soberania, nacionalidade, cidadania, direitos humanos, Estado-nação,
entre outras. Nosso momento histórico vive a crise destas categorias que apontam para a
insuficiência do Estado-nação como conceito político de uma humanidade que cada vez se
integra mais em escala global, numa nova realidade de humanidade nómade. Na transição
dos novos modelos políticos, os refugiados são as vítimas que sofrem a incapacidade do
Estado-nação de lidar com o paradoxo de, por um lado, reconhecer a universalidade dos
direitos humanos e, concomitantemente, para defender o Estado, ter que negar direitos
fundamentais de cidadania aos refugiados enclausurando-os num conceito de humanismo
inferior ao de cidadão.
Neste trabalho propomos, a partir das pesquisas de Giorgio Agamben, analisar
alguns dos limiares jurídico-políticos que a condição dos refugiados revelam em nosso
contexto histórico. Num primeiro momento analisaremos como a condição do refugiado
desvela as contradições do conceito de soberania, que produz o refugiado como vida nua.

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