Regras técnicas ou procedimentais no direito tributário
Autor | Paulo de Barros Carvalho |
Cargo | Professor Emérito e Titular de Direito Tributário da PUC/SP e da USP. Membro da Academia Brasileira de Filosofia |
Páginas | 7-13 |
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Dentro de uma análise semiótica do sistema jurídico, o conhecimento de toda e qualquer manifestação de linguagem normativa pede a investigação de seus três planos fundamentais: a sintaxe, a semântica e a pragmática. O campo sintático é formado pelo relacionamento que as normas - símbolos linguísticos - mantêm entre si, sem qualquer alusão ao mundo exterior ao sistema. O semântico diz respeito às ligações dos símbolos com os objetos significados, as quais, tratando-se da linguagem jurídica, são os modos de referência à realidade: qualificar fatos para alterar norma-tivamente a conduta. E o pragmático é tecido pelas formas segundo as quais os utentes da linguagem a empregam na comunidade do discurso e na comunidade social para motivar comportamentos.
O direito, como sistema de objetiva-ções que projeta as formas pretendidas para a interação social, manifesta-se invariavelmente pela linguagem, seja ela escrita ou não escrita, pouco importa. Sistema de signos utilizado para a comunicação, a linguagem jurídica assume, desde logo, a função de conteúdos prescritivos voltados para o setor específico das condutas intersub-jetivas. Travar contato com a linguagem do direito, portanto, é o ponto de partida, ina-fastável, incisivo, para o conhecimento das estruturas mesmas do fenômeno jurídico, assunto este que sempre chamou atenção ao Prof. Gregório Robles e que o motivou a escrever sua obra El Derecho como Texto: Cuatros Estudios de Teoría Comunica-cional del Derecho.1 A assertiva, aliás, não
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escapa a ninguém que trate da matéria jurídica. Nenhuma pessoa lograria construir o ato hermenêutico, oferecendo sentido ao produto legislado, sem iniciar seu trabalho pelo plano da expressão ou da literalidade textual, suporte físico das significações do direito. Daí a extraordinária importância da teoria comunicacional e da semiótica, como teorias gerais dos atos de fala e dos signos em si mesmos considerados em toda e qualquer linguagem, ensinamentos responsáveis pelas radicais transformações dos costumes da comunidade jurídica, no mundo contemporâneo.
A norma jurídica tem sido, muitas vezes, o ponto de referência para importantes construções interpretativas do direito. Torna-se difícil compreender, por isso mesmo, o papel de pouco relevo que algumas propostas cognoscentes de grande envergadura lhe atribuem. Devo esclarecer, contudo, que a visão normativa a que me refiro não pretende assumir caráter absoluto que a levaria, certamente, ao "normativismo", entendido o termo como algo excessivo, que se coloca logo em franca competição com outros esquemas de compreensão, afastando iniciativas epistemológicas que se dirigem aos diferentes setores de que se compõe o fenômeno. A teoria da norma de que falo há de cingir-se à manifestação do de-ôntico, em sua unidade monádica, no seu arcabouço lógico, mas também em sua projeção semântica e em sua dimensão pragmática, examinando a norma por dentro, num enfoque intranormativo, e por fora, numa tomada extranormativa, norma com norma, na sua multiplicidade finita, porém indeterminada.
É justamente a partir dessa concepção normativa que localizaremos as regras técnicas em um enfoque pragmático do tema, distinguindo na mensagem legislada as ações reguladas e os sujeitos para quem a norma se dirige. Penso ter sido Gregório
Robles Morchón aquele que, com maior profundidade e clareza, discorreu sobre o assunto. O autor espanhol, na sua concepção do Direito como fenômeno comunicacional, oferece sugestiva classificação dos enunciados jurídico-prescritivos, distin-guindo-os em normas indiretas e normas diretas da ação.2 As primeiras não tratariam diretamente da ação, limitando-se a instituir elementos do sistema prévios à regulação direta. Estipulam as condições dentro das quais há de ocorrer ou há de ser regulada a ação. Implantam os elementos espaciais e temporais do sistema, assim como os sujeitos e suas capacidades ou competências. O verbo ser é seu modo de expressão, daí o chamá-las normas ônti-cas. Agrega, a título de exemplo, Madrid es la capital de España. As normas desse tipo não regulam diretamente a ação, limitando-se a firmar seus pressupostos.
Já as normas diretas contemplam determinada ação, tomada em sua concepção genuína. Convém observar que Robles não equipara ação e conduta. Esta última será ação, sempre que caracterizada pela incidência de um dever. Inexistindo dever, não há falar-se em conduta. O conceito de ação é, portanto, semanticamente mais extenso.
As normas diretas diferenciam-se, funcional e linguisticamente, em três tipos: a) normas procedimentais, marcadas, como foi dito, pela presença do núcleo verbal ter-que, exprimem uma necessidade convencional, não um imperativo natural ou lógico. Criam todos os tipos de ação relevantes para o sistema, tanto as lícitas, como as ilícitas. Não proíbem nem autorizam as ações, simplesmente dizem em que consistem. Por exemplo, que há de fazer o sujeito para cometer homicídio ou que passos há de seguir o juiz para que sua sentença seja válida; b) normas potestativas, expressas mediante o verbo poder (können), não como mera possibilidade de levar a
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cabo a ação, mas como autorização dada ao sujeito para realizá-la. A norma potesta-tiva determina o campo das ações lícitas que alguém pode efetivar. Transmite o poder, em sentido forte, não...
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