Regulação de alimentos integrais como garantia de informação ao consumidor

AutorSimone Magalhães
Ocupação do AutorMestra em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Vice-presidente da Comissão de Direito do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF). Diretora da Comissão Permanente de Acesso à Justiça do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON). Professora de cursos...
Páginas215-220
REGULAÇÃO DE ALIMENTOS INTEGRAIS COMO
GARANTIA DE INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR
Simone Magalhães
Mestra em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento
e Pesquisa (IDP). Vice-presidente da Comissão de Direito do Consumidor da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB/DF). Diretora da Comissão Permanente de Acesso à Justiça
do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON). Professora de
cursos preparatórios para concursos públicos e pós-graduação lato sensu. Advogada
especializada em Direito do Consumidor e rotulagem de alimentos.
Ao olhar as prateleiras de mercados, padarias e demais locais que vendam ali-
mentos1 embalados, como bolos, biscoitos, pães, massas ou cereais matinais, os con-
sumidores se deparam com uma variedade cada vez maior de produtos que ostentam
em sua rotulagem a informação de que são integrais. Contudo, ao se realizar a leitura
da lista de ingredientes, nem sempre o que lá se encontra parece ser condizente com
a composição de um alimento que se autodenomina integral.
A incoerência da rotulagem pode ocasionar uma percepção equivocada sobre o
que o alimento realmente é, desrespeitando o direito básico do consumidor à infor-
mação clara e adequada e, com isso, sua liberdade de escolha estará comprometida.
Especialmente quanto aos alimentos em questão, são evidenciadas imprecisões
decorrentes da até então falta de estipulação de regras pelo poder público para uso
do termo “integral”. A problemática se tornou latente ante a lacuna regulatória atre-
lada à indef‌inição de parâmetros para identif‌icação dos alimentos que poderiam ser
considerados integrais. Este panorama crítico está prestes a mudar, tendo em conta a
recente publicação da Resolução de Diretoria Colegiada- RDC 712/222, pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que vem proporcionar uma estrutura legal
mais previsível e conf‌iável para fornecedores e consumidores.
1. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). RESOLUÇÃO DE DIRETORIA COLE-
GIADA – RDC n. 727/22, art. 3º, IV, alimento: toda substância que se ingere no estado natural, semielaborada
ou elaborada, destinada ao consumo humano, incluídas as bebidas e qualquer outra substância utilizada em
sua elaboração, preparo ou tratamento, excluídos os cosméticos, o tabaco e as substâncias utilizadas unica-
mente como medicamentos. Disponível em: .
Acesso em: 25 de agosto de 2022.
2. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). RESOLUÇÃO DE DIRETORIA COLE-
GIADA – RDC n. 712/22: Dispõe sobre os requisitos de composição e rotulagem dos alimentos contendo
cereais e pseudocereais para classif‌icação e identif‌icação como integral e para destaque da presença de ingre-
dientes integrais. Disponível em:
pdf/86a76ca0-96f3-4b63-97b7-ab1814503f13>. Acesso em: 25 de agosto de 2022.
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Na ausência de regulamentação específ‌ica, o consumidor f‌ica totalmente exposto
a práticas de mercado def‌inidas pelos próprios fabricantes. Assim, ao se analisar a
composição desses produtos, não raro encontramos ingredientes ref‌inados em maior
quantidade àqueles que são integrais.
A mensuração sobre a composição de um alimento pode ser acompanhada a
partir de parâmetros determinados pela Resolução que dispõe sobre a rotulagem dos
alimentos embalados (RDC 727/22 que revogou a antiga RDC 59/023). A Resolução
prevê que a lista de ingredientes de um determinado produto seja apresentada, em
regra, em ordem decrescente.4 Assim, aqueles componentes que ocupam os primei-
ros lugares da lista são os que estão em maior quantidade no produto, sendo válido
ressaltar que os aditivos alimentares5 são declarados sempre depois dos ingredientes,
não signif‌icando que estejam em menor quantidade.6
Nesta seara, mister esclarecer que a RDC 727/22, em seu artigo 7º, explicita
como obrigatórias na rotulagem dos alimentos embalados as seguintes informações:
denominação de venda; lista de ingredientes; advertências sobre os principais alimen-
tos que causam alergias alimentares; advertência sobre lactose; nova fórmula (nos
termos da RDC 421/20); advertências relacionadas ao uso de aditivos alimentares;
rotulagem nutricional; conteúdo líquido; identif‌icação da origem; identif‌icação do
lote; prazo de validade; instruções de conservação, preparo e uso do alimento (quando
necessário); e outras informações exigidas por normas específ‌icas.
Mas, af‌inal de contas, o que é rotulagem?
Em termos técnicos, a rotulagem é “toda inscrição, legenda, imagem ou toda
matéria descritiva ou gráf‌ica, escrita, impressa, estampada, gravada, gravada em
relevo ou litografada ou colada sobre a embalagem do alimento”7. Em termos prá-
ticos, a rotulagem é um imprescindível veículo de comunicação entre o fabricante,
produtor, importador e o consumidor, explicitando a real natureza do alimento. É ela,
3. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). RESOLUÇÃO DE DIRETORIA COLE-
GIADA – RDC n. 259/02. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para Rotulagem de Alimentos Embalados.
Disponível em: .
Acesso em: 25 de agosto de 2022.
4. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). RESOLUÇÃO DE DIRETORIA COLEGIA-
DA – RDC n. 727/22, art. 11: A declaração da lista de ingredientes deve ser realizada por meio da expressão
“ingredientes:” ou “ingr.:” seguida da relação dos ingredientes utilizados na formulação do produto, em
ordem decrescente de proporção.
5. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). RESOLUÇÃO DE DIRETORIA COLE-
GIADA – RDC n. 727/22, art. 3º, I – aditivo alimentar: todo ingrediente adicionado intencionalmente aos
alimentos, sem propósito de nutrir, com o objetivo de modif‌icar as características físicas, químicas, biológicas
ou sensoriais, durante a fabricação, processamento, preparação, tratamento, embalagem, acondicionamento,
armazenagem, transporte ou manipulação de um alimento, não incluindo contaminantes ou substâncias
nutritivas que sejam incorporadas ao alimento para manter ou melhorar suas propriedades nutricionais.
6. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). RESOLUÇÃO DE DIRETORIA COLE-
GIADA – RDC n. 727/22, art. 12: Os aditivos alimentares devem ser declarados na lista de ingredientes após
os demais ingredientes (...).
7. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). RESOLUÇÃO DE DIRETORIA COLE-
GIADA – RDC nº 727/22, art. 3º, XIX.
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também, que traz informações de advertência para se garantir saúde, vida e segurança
aos consumidores, a exemplo da referência ao glúten (Lei 10.674/03), à lactose (Lei
13.305/16, RDC 135/17 e RDC 727/22 que revogou a RDC 136/17, Anvisa) e aos
alérgenos (RDC 727/22 que revogou a RDC 26/15, Anvisa).
Parte signif‌icativa dos consumidores não detém conhecimentos específ‌icos sobre
a apresentação e o conteúdo das informações na rotulagem de um alimento, o que
é bastante preocupante diante de um produto tão cotidiano, essencial e que causa
impactos na saúde das pessoas. Tanto é assim que um dos problemas regulatórios
apontados pela própria Anvisa ao analisar a rotulagem nutricional, nos últimos anos,
foi a pouca compreensão que o consumidor tem sobre ela.
Esta constatação motivou a realização de um processo de análise de impacto
regulatório (AIR) para identif‌icar caminhos8 para a publicação de novas regras, re-
sultando na publicação da RDC 429/21 (dispõe sobre a rotulagem nutricional dos
alimentos embalados) e da IN 75/21 (estabelece os requisitos técnicos para declaração
da rotulagem nutricional nos alimentos embalados).
Especif‌icamente sobre os alimentos integrais, o contexto vivenciado nos úl-
timos tempos foi de desequilíbrio diante da carência de critérios claros e precisos
para a correta identif‌icação dos produtos, em um mercado recheado de estratégias
publicitárias que, por vezes, acabam induzindo o consumidor a erro.
Perante o fato de que “o consumo de grãos integrais é associado à melhora da
qualidade da dieta” e que a “ausência de critérios de composição e rotulagem em
produtos à base de cereais integrais tem caracterizado uma falha de mercado, em que
a assimetria de informações pode induzir a equívocos sobre as verdadeiras caracte-
rísticas de composição dos produtos”9, a Anvisa destinou atenção ao tema, a f‌im de
garantir segurança jurídica e proteção da saúde da população.
Para auxiliar o processo, a agência realizou Consulta Pública (CP), importante
instrumento de participação social, para recebimento de contribuições visando a
identif‌icação das melhores possibilidades regulatórias e dos seus impactos no mer-
cado de consumo.
A CP 811/2010 recebeu comentários e sugestões ao texto da Proposta de Reso-
lução de Diretoria Colegiada – RDC que tratava sobre condições para identif‌icação
de alimentos integrais e para informação dos ingredientes integrais na rotulagem.
8. Mais informações sobre o tema podem ser encontradas em “MAGALHÃES, Simone. Rotulagem Nutricional
Frontal dos Alimentos Industrializados: política pública fundamentada no direito básico do consumidor à
informação clara e adequada. 2 ed. Belo Horizonte: Ed. Dialética, 2020”.
9. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). Disponível em: .br/
anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2020/alimentos-com-cereais-integrais-cp-termina-em-16-6>. Acesso
em: 29 de agosto de 2021.
10. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). Disponível em: .br/
web/dou/-/consulta-publica-n-811-de-6-de-abril-de-2020-251705549>. Acesso em: 29 de agosto de 2021.
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Com a consolidação dos subsídios recebidos, foi publicada a RDC 493/2111,
Anvisa, dispondo “sobre os requisitos de composição e rotulagem dos alimentos
contendo cereais para classif‌icação e identif‌icação como integral e para destaque
da presença de ingredientes integrais”. Pouco tempo após o início de sua vigência,
a Anvisa revogou a referida Resolução ao publicar a RDC 712/2212, acrescentando
os pseudocereais, dispondo “sobre os requisitos de composição e rotulagem dos
alimentos contendo cereais e pseudocereais para classif‌icação e identif‌icação como
integral e para destaque da presença de ingredientes integrais”.
A regulação trouxe previsões para enquadramento do tema e, certamente, o
principal destaque será dado à classif‌icação de alimentos integrais, já que dois requi-
sitos de composição do produto deverão ser simultaneamente satisfeitos: oferecer
um mínimo de 30% (trinta por cento) de ingredientes integrais e estarem eles em
quantidade superior aos ingredientes ref‌inados (art. 3º).
Tais alimentos poderão apresentar na sua denominação de venda a expressão
“integral”. Contudo, para isso, deve ser declarada na própria denominação de venda
a porcentagem total de ingredientes integrais, com caracteres do mesmo tipo, tama-
nho e cor (art. 4º). Quando se tratar de produtos líquidos, o termo “integral” deve
ser substituído pela indicação “com cereais integrais” (art. 4º, § 1º).
Os alimentos que não atingirem os critérios para serem classif‌icados como
integrais, mas que possuírem cereais e pseudocereais em sua composição, poderão
destacar a presença deles, “desde que a porcentagem destes ingredientes no produto
tal como exposto à venda seja declarada próxima ao destaque, com caracteres de
mesma fonte, cor, contraste e, no mínimo, mesmo tamanho do destaque” (art. 5º).
No entanto, os produtos não poderão ostentar termos como “integral, “com cereais
integrais” ou quaisquer outros que destaquem a presença de ingredientes integrais
na sua denominação de venda, se eles não forem classif‌icados como tal (art. 5º, § 1º).
Além disso, para os alimentos que contenham cereais que não sejam qualif‌icados
como integrais, será vedada a utilização de “vocábulos, sinais, denominações, sím-
bolos, emblemas, ilustrações ou representações gráf‌icas que indiquem que o produto
é classif‌icado como integral” (art. 6º). Esta medida proporcionará maior controle no
próprio design das rotulagens que se utilizam de imagens de ingredientes saudáveis
que nem sempre estão presentes na composição do alimento.
É válido ressaltar que a RDC 712/22 trouxe a indicação de ingredientes integrais
como sendo as “cariopses intactas de alpiste, amaranto, arroz, arroz selvagem, aveia,
centeio, cevada, fonio, lágrimas-de-Jó, milheto, milho, painço, quinoa, sorgo, teff,
trigo, trigo sarraceno e triticale” ou seus derivados quebrados, trincados, f‌locados,
11. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). Disponível em: .br/
web/dou/-/resolucao-rdc-n-493-de-15-de-abril-de-2021-315225504>. Acesso em: 29 de agosto de 2021.
12. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). Disponível em:
br/documents/10181/2718376/RDC_712_2022_.pdf/86a76ca0-96f3-4b63-97b7-ab1814503f13>. Acesso
em: 25 de agosto de 2022.
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moídos, triturados ou que foram submetidos a processos tecnológicos que preservem
a proporção “esperada de seus componentes anatômicos (endosperma, amiláceo,
farelo e gérmen)”, conforme art. 2º, I.
A aplicação das novas regras não é automática, visto que a Anvisa concedeu
prazo para adaptação da indústria alimentícia. A previsão para vigência da RDC
712/22 foi marcada para o dia 1º de setembro de 2022 e, após essa data, a adequação
dos produtos deverá ser feita até 22 de abril de 2023. Para as massas alimentícias, o
prazo de adequação se dará até 22 de abril de 2024 (arts. 11 e 14).
Sempre que se questiona a qualidade de determinados alimentos e a necessidade
de se estabelecer requisitos mais claros na rotulagem, o setor produtivo se posiciona
no sentido de ressaltar que o consumidor tem liberdade de escolha. Entretanto, além
da complexidade do referido argumento, é necessário frisar que, quando se trata de
alimentos, é sabido que um dos fatores que possibilitam o exercício da livre escolha
é o acesso à informação clara e adequada. Sem informação não há que se falar em
liberdade, pois todo o processo estará irremediavelmente viciado.
Assim, o que se espera com a implementação desses regramentos é uma maior
transparência e previsibilidade no mercado de consumo, excluindo a assimetria de
informações e afastando a praxe atual de cada fornecedor estipular seus parâmetros
para a inserção da expressão “integral” na rotulagem dos alimentos embalados.
Mesmo com inegáveis avanços nos últimos anos, ainda se faz necessário que a
rotulagem alimentar seja aprimorada, a f‌im de que o consumidor possa tomar deci-
sões condizentes com suas preferências ou necessidades.

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