Regulação do ciberespaço: possibilidades administrativas e judiciais com foco em aplicações de internet

AutorAlexandre Veronese, Yuri Nathan da Costa Lannes e Júlia Gomes Mota
Ocupação do AutorProfessor-Associado de Teoria Social e do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Pesquisador Associado do Centro de Políticas Públicas, Direito, Economia e Tecnologias das Comunicações da UnB e do Centro de Estudos em Direito da União Europeia da Universidade do Minho (Portugal). / Professor da Titular da Faculdade...
Páginas1-48
REGULAÇÃO DO CIBERESPAÇO:
POSSIBILIDADES ADMINISTRATIVAS
E JUDICIAIS COM FOCO EM APLICAÇÕES
DE INTERNET
Alexandre Veronese*1
Yuri Nathan da Costa Lannes**2
Júlia Gomes Mota***3
Sumário: Introdução – 1. Internet e ciberespaço: o debate teórico; 1.1 Ciberlibertarianismo
e ciberpaternalismo; 1.2 Comunitarismo de rede; 1.3 Regulação do ciberespaço e seu estado
da arte – 2. Potencial de regulação administrativa e judicial do ciberespaço; 2.1 Ciberespaço e
regulação administrativa e judicial no Brasil – 3. Ciberespaço e regulação: análise de casos no
Brasil; 3.1 O Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) e a regulação civil da vida no ciberespaço;
3.2.1 A solução ao problema do spam pela ANATEL e pelo CGI.br; 3.2.2 A multa administrativa
da Senacon ao serviço decolar.com; 3.2.3 A regulação contemporânea do telemarketing;
3.2.4 Bloqueio do WhatsApp por autoridades judiciais; 3.2.5 Aplicação do artigo 19 do Marco
Civil da Internet – Tema 987 do Supremo Tribunal Federal; 3.2.6 Aplicabilidade do artigo 21 do
Marco Civil da Internet; 3.2.7 Caso Telegram: Petição 9.935/DF – 4. Conclusão – Referências.
INTRODUÇÃO
O potencial regulatório do ciberespaço consiste em debate pervasivo e atual,
que gira em torno da dinâmica dos usos sociais das novas tecnologias da infor-
mação e da comunicação feitos pelos Estados democráticos de direito. Trata-se
de tema crucial para qualquer disciplina que lide com o contexto geral do direito
* Professor-Associado de Teoria Social e do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília
(UnB). Pesquisador Associado do Centro de Políticas Públicas, Direito, Economia e Tecnologias das
Comunicações da UnB e do Centro de Estudos em Direito da União Europeia da Universidade do
Minho (Portugal).
** Professor da Titular da Faculdade de Direito de Franca, bem como da Universidade Presbiteriana
Mackenzie e da Universidade Católica de Pernambuco. Estágio de pós-doutorado na UnB (2020-2022).
Advogado e Diretor do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI).
*** Bacharel em História e Direito pela Universidade Federal do Rio Grande doSul (UFRGS), Mestranda
em Direito pela UnB. Advogada. Pesquisadora do Laboratório DR.IA da UnB.
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ALEXANDRE VERONESE, YURI LANNES E JÚLIA GOMES MOTA
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digital, como é o caso da presente coleção. De plano, cabe notar que a palavra,
em língua inglesa, regulability, não possui uma tradução direta para o português.
Apesar disso, outras línguas latinas – como o espanhol – já se valem de anglicis-
mo para se referir ao objeto do presente capítulo. Para entender a potencialidade
de regulação das aplicações, faz-se necessário indicar que existe uma distinção
conceitual entre a Internet (ou seja, o provimento e a oferta de infraestrutura; cuja
literatura relacionada com sua gestão usa, preferencialmente, a denominação
“governança”) e o ciberespaço (aplicações e provedores de serviços da sociedade
de informação; no qual a literatura utiliza, do modo mais usual, o termo “regula-
ção”). Tomando o assunto em seu aspecto técnico, frisamos que a incidência da
regulação está no plano das camadas de aplicação, nas quais ocorrem as interações
entre três conjuntos de atores sociais relevantes: as aplicações; os usuários e os
provedores de infraestrutura. A imagem abaixo sintetiza essa visão:
Imagem 1. Diferenciação de camadas da Internet e do ciberespaço.
Fonte: elaboração pelos autores.
Ainda que haja a possibilidade de sobreposições, o primeiro campo – deno-
minado aqui como Internet, ou seja, infraestrutura – é razoavelmente marcado
pelo direito das telecomunicações. Esse último possui suas balizas nas disposi-
ções jurídicas e técnicas, criadas no âmbito da União Internacional de Teleco-
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REGULAÇÃO DO CIBERESPAÇO
municações (UIT), bem como regulação especíca, no Brasil, da Lei 9.472/1997
(Lei Geral de Telecomunicações) e do Código Brasileiro de Comunicações (Lei
4.117/1962). Esse direito das telecomunicações, em sentido amplo, envolve, ain-
da, normas jurídicas relacionadas, no direito brasileiro, à comunicação social e à
radiodifusão.1-2 No âmbito regulatório, esse campo possui tradição, com órgãos
e entidades administrativas federais para sua aplicação (Ministério das Comuni-
cações e Agência Nacional de Telecomunicações, ANATEL). O segundo campo
regulatório – ciberespaço – é bem mais novo; e, poderíamos dizer, polêmico. Ele
tem sido construído como uma mescla das adaptações dos direitos nacionais
com a construção de novas normas jurídicas. O tradicional direito das teleco-
municações certamente possui alguma incidência sobre ele,3 assim como direitos
preexistentes, a exemplo dos direitos fundamentais. Esse processo, no entanto,
tem sido construído de uma forma diferente, já que o movimento de inovação
tecnológica é mais veloz do que os esforços regulatórios. Ainda, é possível indi-
car que existem várias áreas nas quais a regulação do ciberespaço tem ocorrido
com a incidência direta do direito privado. Existem também debates em prol da
tentativa de se produzir alguma regulação das aplicações no campo do direito
internacional,4 contudo, elas têm sido restringidas pela ausência de consensos
nos fóruns internacionais sobre o assunto. O mais famoso desses fóruns é o IGF
Internet Governance Forum, que ocorre anualmente e funciona de um modo
peculiar, com o apoio da UIT e com a participação de uma quantidade enorme
de pessoas, governos, empresas e entidades.5
Não obstante, até o presente momento, não há falar na existência de um mar-
co regulatório internacional para as aplicações. O debate nos Estados Unidos da
América (EUA) acabou por cunhar o termo “direito do ciberespaço” (cyberspace
law) para designar a potencial regulação das aplicações de Internet.6-7 Apes ar
das críticas,8 esse termo tornou-se corrente e, ainda hoje, designa um frutífero
campo de pesquisa. No mundo romano-germânico, a opção tem sido diferente.
1. ARANHA, Márcio Iorio. Direito das telecomunicações e da radiodifusão: histórico normativo e conceitos
fundamentais. 7. ed. Isleworth, FL: Laccademia Publishing Ltd., 2021.
2. SCORSIM, Ericson Meister. Os direitos fundamentais e os serviços de televisão por radiodifusão.
Revista de Informação Legislativa, ano 46, n. 182, p. 17-40, Brasília, abr./jun. 2009.
3. NUECHTERLEIN, Jonathan E.; WEISER, Philip J. Digital crossroads: telecommunications law and
policy in the Internet age. 2. ed. Cambridge, MA: e MIT Press, 2013.
4. YILMA, Kinfe Micheal. e United Nations data privacy system and its limits.International Review of
Law, Computers & Technology, v. 33, n. 2, p. 224-248, 2019.
5. MUELLER, Milton L. Ruling the root: Internet governance and the taming of cyberspace. Cambridge,
MA: e MIT Press, 2002.
6. LESSIG, Lawrence. e law of the horse: what cyberlaw might teach.Harvard Law Review, v. 113, n. 2,
p. 501-549, 1999.
7. MURRAY, Andrew. Looking back at the Law of the Horse: why Cyberlaw and the Rule of Law are
important.SCRIPTed, v. 10, p. 310-319, 2013.
8. SOMMER, Joseph H. Against cyberlaw.Berkeley Technology Law Journal, v. 15, p. 1145-1232, 2000.
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