A Regulamentação do Dano Extrapatrimonial Trabalhista

AutorCarolina Tupinambá
Ocupação do AutorPós-doutora no Programa de Pós-Doutoramento em Democracia e Direitos Humanos - Direito, Política, História e Comunicação da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Páginas71-95

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3.1. Breve nota sobre a reforma trabalhista

A “reforma” trabalhista, implementada pelo governo Temer, amplia sobremaneira os limites legais de exploração econômica da classe trabalhadora, ampliando os ganhos capitalistas pela concepção marxista da mais-valia, com rebaixamento geral das condições de labor291.

A Lei n. 13.467, de 13.7.2017, de fato, promoveu alterações em diversos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, a pretexto de adequá-la ao avanço socioeconômico e tecnológico ao qual chegou a sociedade brasileira, em processo contínuo de modernização dos modos de produção e das relações de trabalho.

Rodrigo Trindade compara a novel legislação a Godzila292. Para o autor, não obstante natural haver mudanças legislativas em um universo dinâmico como o do trabalho, com luxo contínuo de complexidade, em que formas de labor e empreendimento surgem e desaparecem diariamente, tal não pode se dar mediante atropelo.

Por conta da significativa alteração na matriz principiológica do direito material e processual do trabalho, o direito comum passaria a funcionar como fonte subsidiária absoluta. A possibilidade de maiores negociações, precarizando condições de trabalho e restringindo direitos, tende a criar situações de concorrência desleal em que os lucros de quem mais precariza são privados, mas o custo dessas restrições é social.

O cenário de reformas não é exclusivo de nosso país. Estudo publicado pela IZA (Instituto da Fundação de Correios da Alemanha) intitulado Drivers and efects of labour market reforms: Evidence from a novel policy compendium, produzido pelos pesquisadores Dragos Adascaliei e Clemente Pignatti Morano293, indica que reformas legislativas laborais foram realizadas em 110 países entre 2008 e 2014. O fundamento comum às diversas iniciativas tem como ponto central políticas de austeridade, em busca de aumento da competitividade das economias, com a criação de novos postos de trabalho.

O direito do trabalho tal como vivenciado até então é totalmente descaracterizado, assistindo o nascimento de nova disciplina.

O “velho” direito do trabalho apresentava uma legislação protetora inlexível, sem espaço para negociação de direitos. O princípio da proteção consistia no centro teórico e ilosóico da disciplina, calcado na presunção de hipossuiciência do trabalhador como conceito chave da lógica do sistema. Consagrando os principais elementos do “velho” direito do trabalho, acresça-se uma Justiça do Trabalho receptora de processos com risco zero para os autores, quase sempre ex-empregados.

A reforma quebrou paradigmas históricos, retirando da tutela estatal parte da regulamentação das relações de trabalho e valorizando a autonomia de vontade dos empregados e empregadores.

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Porém, a elaboração da lei reformadora não contou com a participação dos interlocutores sociais nem das instituições de estudo do direito do trabalho.

A Constituição de 1988 e o Direito Internacional do Trabalho oferecem rico panorama normativo para afastar os retrocessos sociais, os quais serão trazidos à tona sempre que necessário. A relexão sobre o direito reformado pretenderá fornecer aportes para uma releitura construtiva da tutela dos danos extrapatrimoniais pela Justiça do Trabalho.

Para Marcio Tulio Viana, a evolução do direito do trabalho prescinde de mais:

Para crescer, o direito do trabalho precisa de grandes traumas, com oposição de classes, para crescer com a força do grupo. Os trabalhadores são as maiores vítimas mas também sujeitos das transformações nos modos de sentir e viver a vida. Houve um reaparelhamento do sistema em vários planos e hoje o próprio direito do trabalho é questionado por dentro. Surge uma máxima esquizofrênica de que quanto menor a proteção, mais empregos vão existir. Essa demonização do direto do trabalho, feita por alguns atores sociais como a grande mídia e até o STF, alcançou o legislador reformador. Chamam a lei anacrônica, esquecendo que já sofreu mais de 600 alterações. Em todo caso, é possível observar um movimento de solidariedades em que as pessoas se reúnem em torno de causas, o que vem criando uma demanda por um direito do trabalho menos monetarista e mais sensível às necessidades de autorrealização do homem. Quem sabe no futuro o trabalho alienante seja considerado tão ilícito quanto a produção de bens nocivos à sociedade, contraditando o próprio capitalismo. O Direito do trabalho precisa ser ocupado pela sociedade para adquirir novos significados e reletir mais ielmente as escolhas e os valores da sociedade.294

Para Valdete Souto Severo, o problema da lei não seria pontual, mas “visceral e simbólico”. A autora conclama todos a um feroz trabalho doutrinário que demonstre a incompatibilidade da nova lei com a Constituição, apoiando-se em documentos da OIT, nos arts. , , , 10º, 468, 765, 794 e 795 da CLT, dentre outros. Protesta por terem sido vítimas da reforma trabalhista os próprios elementos da relação de trabalho, como a igura do empregador, a hermenêutica trabalhista e seu princípio da hierarquia dinâmica das fontes formais, a força coletiva dos trabalhadores e dos sindicatos etc. A autora faz severas críticas ao discurso de desmanche dos direitos trabalhistas, bem representado na tentativa de fazer prevalecer o “negociado sobre o legislado”, mas que teria por inalidade, unicamente, promover a destruição dos direitos trabalhistas, contando com a pressão pela necessidade de negociar com a falta de garantia no emprego como elementos para conseguir editar normas coletivas que mitiguem ou suprimam direitos fundamentais295.

O presente trabalho não se prestará a comentar as alterações, melhorias e desapreços do estado da arte antes e após a lei nova.

No que tange ao que interessa, a regulamentação dos danos extrapatrimoniais, o legislador reformador andou mal. Para Severo, no que se refere à tarifação do dano, instituída pelo parágrafo primeiro do art. 223-G da CLT, a novel legislação consagraria a ideia de negócio, em vez de coibir a prática de agressões no ambiente de trabalho. Em suma, o desmonte de direitos teria sido tão grande que, para a referida autora, só restaria a revogação da lei296.

Mauro de Azevedo Menezes concorda, reputando que a regulamentação do tema constitui,

Um anacronismo execrável, que intenta absurdamente ixar regras draconianas para a verificação de quantificação dos danos morais e existenciais inligidos aos trabalhadores, em condições muito menos vantajosas em comparação com a aferição e a estimativa de valores dos danos respectivas indenizações de titularidade de cidadãos em geral.297

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As críticas, contudo, não são uníssonas. Victor Tainah Dietzold, no que diz respeito aos danos extrapatrimoniais, chama a atenção para o dissabor da insegurança jurídica sobre a matéria até então reinante. Em artigo específico, chegou a destacar dois acórdãos proferidos pelo TST que analisaram casos extremamente semelhantes envolvendo assalto e transporte coletivo urbano, sendo certo que em ambos a demanda trabalhista teria sido proposta pelo cobrador do ônibus, vítima de sucessivos assaltos sem ocorrência de lesões físicas. No primeiro acórdão, o TST reformou a decisão do regional que afastava a condenação por danos morais, ixando a indenização na quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de danos morais. Já no segundo, o TST entendeu que “a proximidade do julgador em sede ordinária com a realidade cotidiana em que contextualizada a controvérsia a ser dirimida habilita-o a equacionar o litígio com maior precisão, sobretudo no que diz respeito à aferição de elementos de fato sujeitos à avaliação subjetiva, necessária à estipulação do valor da indenização. Conclui-se, num tal contexto, que não cabe a esta instância superior, em regra, rever a valoração emanada nas instâncias ordinárias em relação ao montante arbitrado a título de indenização por danos morais”, mantendo a ixação da indenização atribuída pelo Tribunal Regional no montante de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais)298.

Não obstante a denúncia formulada pelo autor que, de fato, relete um drama que desaia a sociedade de massa, com respeito aos posicionamentos divergentes, no que se refere à regulamentação dos danos extrapatrimoniais, a Lei
n. 13.467/2017 teve mais pontos negativos do que positivos.

A Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho — ANAMATRA parece compartilhar desta visão. Tanto que, em
21.12.2017, ajuizou a ADI n. 5.870, sustentando a violação do inciso XXVIII do art. 7o299, do art. 170300 e do art. 225301, todos da...

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