Mesa de debates (II) - Recursos repetitivos no stj, repercussão geral no STF e súmulas vinculantes

AutorRoberto Haddad
Páginas108-120

Page 108

DES. FEDERAL ROBERTO HADDAD - Damos início a mais este ciclo de palestras do XXV Congresso Brasileiro de Direito Tributário. Nosso primeiro palestrante é o Dr. Eutálio Porto, ilustre Presidente e Desembargador da 10ª Câmara de Direito Tributário do TJSP, com especialização em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP; Mestre em Teoria Geral do Estado pela PUC/SP; Doutoramento pela Universidade de Lisboa/Portugal em Ciências Jurídico-Políticas; Professor de Filosofia e Direito Constitucional. Um currículo deste só engrandece este evento. E, com muito prazer, passo a palavra ao eminente Professor.

DES. ESTADUAL EUTÁLIO PORTO - Bom dia a todos. Quero, em primeiro lugar, agradecer pelo convite a mim formulado. É sempre um prazer participar deste Congresso, sobretudo porque, na verdade, acabamos aprendendo muito mais que ensinando nestas oportunidades, em razão do elevado nível dos palestrantes. O tema que irei abordar é "Recursos Repetitivos no STJ, Repercussão Geral no STF e Súmulas Vinculantes". Quero, antes de adentrar o tema - o que farei abordando alguns casos concretos -, tecer algumas considerações sobre os motivos, creio eu, que levaram o legislador a adotar este modelo de julgamento. Não é novidade que existe um acúmulo de processos no Judiciário, o que tem caminhado para soluções no sentido de uniformizar cada vez mais as decisões, impondo, por via de consequência, o alinhamento das diversas esferas do Poder Judiciário. Com isso, através de uma decisão é possível pôr fim a milhares de recursos, impedindo que eles subam às instâncias superiores. Se isso é bom, ou não, para a Justiça, é uma questão que o tempo irá dizer. De qualquer forma, a motivação disto também decorre do fato de vivermos numa sociedade de consumo na qual a massificação também chegou ao Judiciário, e, com isso, o número de processos idênticos é uma realidade. Tal fato acontece porque há violações de direitos que não atingem uma só pessoa, mas um número imenso de consumidores e contribuintes. E essas pessoas, evidentemente, quando sentem seus direitos violados, acabam recorrendo

Page 109

ao Poder Judiciário. Também, não é difícil constatar que esse número de pessoas ainda é infinitamente menor que aquele representado nos processos, pois muitos acabam desistindo de questionar a lesão, seja pela morosidade, seja pelo valor.

Então, há de se considerar que com esses mecanismos que estamos utilizando - a meu ver -, fazendo, aqui, uma análise filosófica e sob o ponto de vista axiológico, estamos, na verdade, encobrindo um problema social vinculado às nossas virtudes. Em outras palavras: quando se recorre ao Judiciário é porque falhou a virtude individual, ou seja, a justiça moral deixou de ser aplicada. Assim, ao invés de as pessoas chegarem a um acordo sobre a violação do direito, preferem que o Judiciário decida. É muito mais fácil dizer o seguinte: "Eu vou cumprir essa obrigação por se tratar de uma decisão judicial". Ao invés de dizer: "Eu realmente cobrei a mais essa importância e vou devolver, de livre e espontânea vontade". Essa seria uma virtude moral. E Aristóteles bem definiu que "o melhor não é o que pratica a virtude em relação a si mesmo, mas aquele que a pratica em relação aos outros". Mas, como ele mesmo reconhece, "esta é uma tarefa deveras difícil". E, por isso, há necessidade de um juiz para restaurar o que foi violado.1De forma que é a virtude que "faz o bom cidadão, o bom magistrado e o homem de bem".2Por isso, quando falta essa virtude moral, a pessoa prefere dizer: "Eu vou reparar o dano ou devolver o valor cobrado a mais apenas quando o Judiciário assim decidir". O próprio Estado, quando cobra um tributo indevidamente, mesmo sabendo que errou, exige que o contribuinte recorra ao Poder Judiciário, ingressando com ação de repetição de indébito. E mesmo após a condenação não devolve a importância recolhida a mais de imediato, posto que impõe ao contribuinte outra batalha, que é entrar na fila dos precatórios.

Da mesma forma, uma empresa, quando cobra um valor indevido, raramente o devolve espontaneamente, pois a importância, mesmo sendo pequena, mas levando em consideração que vivemos numa sociedade de massa, pode ser representativa, motivando o enriquecimento sem causa às custas do prejuízo de um número enorme de pessoas. Individualmente isso é mínimo, mas cole-tivamente representa grande quantidade de dinheiro. E conta-se que muita gente acaba deixando de lado a cobrança, pois é difícil e dispendioso exigir a importância cobrada indevidamente. E, desta forma, a empresa e o próprio Estado somente devolvem para aquele que recorreu ao Judiciário e, assim, acabam sendo beneficiados, porque àqueles que não recorreram nada será devolvido, mesmo que moralmente tenham direito. Mas, do ponto de vista econômico, deixar as pessoas recorrerem ao Judiciário representa uma vantagem.

Então, o problema está exatamente na questão de credibilidade moral da nossa sociedade. E, com, isso, delegamos tudo à lei e ao Poder Judiciário - ou seja: a Justiça determina na maioria das vezes aquilo que a pessoa já sabia que teria que fazer, mas somente age após ser compelida, e não espontaneamente, levando em consideração um valor moral.

De forma que, se tivermos cidadãos virtuosos, por via de consequência, teremos uma sociedade justa, pois nossa conduta é resultado de nossos bons caracteres, a qual devemos praticar em nossas relações. Consoante advertiu Sócrates, "seria rídico acreditar que o caráter irascível de certas cidades não se origina nos cidadãos com fama de o possuírem".3Assim, o exercício de nossas boas virtudes e a prática da justiça como um valor moral, e não apenas legal, acabam refietindo na redução dos

Page 110

confiitos. Mas delegarmos tudo à lei e ao Judiciário tornará necessário que medidas sejam tomadas para reduzir o volume de processos, mesmo considerando que o número de lesados é inferior ao daqueles que irão recorrer.

Agindo desta forma, o Estado acaba trabalhando para aqueles que descumprem a lei e se beneficiam de seu próprio ato injusto, pois, além de não repararem o direito de todos, mas apenas de uma parcela, ainda fazem o Judiciário trabalhar em seu beneficio. Recentemente eu vi em uma pesquisa que para cada 1.500 Reais que se cobra ? e, muitas vezes, essas lesões são inferiores a este valor - o Estado gasta 4.500 Reais. Assim, a sociedade é onerada, porque tem que arcar com o processo judicial de particulares que não cumprem suas obrigações. E, desta forma, o volume de processos iguais, além de causar a lentidão da Justiça, também sobrecarrega o Estado, do ponto de vista orçamentário.

Assim, antes de começarmos a discutir sobre se é justo ou injusto o sistema dos recursos repetitivos, pela repercussão geral e pela súmula vinculante, talvez devêssemos fazer uma análise de como está nossa socie-dade à luz do aprimoramento das virtudes individuais, que leve em consideração a prática da justiça como um valor moral, e não apenas legal.

Eu creio que estamos falhando na formação valorativa dos nossos cidadãos, ou seja, no aprimoramento das virtudes individuais. Porque, quando falha o valor moral, quando falha a virtude humana, certamente a lei tem que resolver. Ou seja: quando não se resolve pelo tribunal da consciência, se resolve pela imposição da justiça. Bom seria se não tivéssemos que recorrer à lei e aos tribunais para resolver nossos confiitos. Seria ótimo se pudéssemos usar o bom-senso, a mediania - como dizia Aristóteles -, para a solução dos litígios antes de recorrer ao Judiciário, deixando-o para as causas últimas, para aquelas questões que às vezes, realmente, não têm solução conciliadora, as quais as virtudes não foram suficientes para resolver.

Se nós tivéssemos a virtude moral avançada, certamente não iríamos precisar de recursos repetitivos e súmulas vinculantes e tantas coisas mais para fazer com que as pessoas cumpram suas obrigações, as quais já sabem que existem, e que se pague ou que seja devolvido aquilo que foi cobrado a mais por uma questão de moral, por um dever moral, e não só por uma imposição da Justiça.

Pois bem, feitas estas considerações, e adentrando a matéria propriamente dita, no que diz respeito à repercussão geral, há aqui um paralelo que precisa ser feito com a repercussão geral e o recurso extraordinário. É interessante tocar neste ponto, porque quando estudamos o direito constitucional aprendemos que existem duas modalidades de recursos em matéria de controle da constitucionalidade, sendo aquele oriundo do sistema difuso e o controle concentrado. O concentrado ocorre por via de ação direta no STF, e o difuso é aquele que toca às partes, através do processo judicial, no qual o direito material está envolvido.

Com a repercussão geral esse controle de constitucionalidade muda, porque o recurso extraordinário, que é uma modalidade do controle difuso de constitucionalidade, acaba se descaracterizando, porque só é possível ingressar com o recurso extraordinário quando o caso envolver matéria de repercussão geral, quando tiver uma relação direta com a sociedade. Isso retira, então, o aspecto individual da demanda, e, assim, as ações que têm efeito apenas entre as partes com a repercussão geral são esvaziadas, porque o indivíduo somente consegue ingressar com recurso extraordinário quando demonstrar que seu interesse tem um alcance social, pois, na forma do art. 543-A do CPC: "O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral (...)".

Page 111

Com isso ocorre uma mudança em matéria de controle de constitucionalidade que precisa ser observada. O recurso extraordinário passa a ter outra característica, que não é mais aquela decorrente da fórmula que estudamos na universidade e largamente insculpida nos livros de direito constitucional. E neste sentido o próprio STF já decidiu, conforme se verifica no RE 318.715, de 17.12.2003, da lavra do Min...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT