Reprodução da hierarquia entre os gêneros e a preocupação com as condições de vida das mulheres - a condição feminina no discurso do serviço social

AutorJoao Bosco Hora Góis
Páginas102-128
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REPRODUÇÃO DA HIERARQUIA ENTRE OS GÊNEROS E A
PREOCUPAÇÃO COM AS CONDIÇÕES DE VIDA DAS MULHERES – A
CONDIÇÃO FEMININA NO DISCURSO DO SERVIÇO SOCIAL (1939-1950)
João Bôsco Hora Góis
Resumo:
Este trabalho examina a construção de um discurso sobre a mulher entre os
assistentes sociais no período de 1939 a 1950. discute como esses profissionais
ao se posicionarem contra o trabalho feminino o faziam a partir de crenças
socialmente consolidadas sobre a fragilidade da mulher e de seu papel como
esposa e mãe. Sugere que aquele discurso também continha uma série de
preocupações relativas ao bem-estar das mulheres, em especial o desgaste
provocado pela dupla jornada de trabalho e as dificuldades de subsistência
material, e de seus filhos.
Abstracts:
This article examines the construction of a discourse about women among the
brazilian social workers between 1939 and 1950. It argues that these
professionals opposition to the work of women out the house was in acoordance
with the beliefs of that time. It suggests tha such discourse also emcopassed
several concerns regarding the women and their children’s well being, especially
their workload and unsatisfactory living conditions.
Palavras-chave: mulheres – serviço social – história
Key-words: women – social work - history
INTRODUÇÃO
Estudos sobre a condição feminina na historiografia crítica do Serviço Social
ainda são raros. Um veio explicativo para este estado de coisas pode ser
encontrado nas características da orientação teórica marxista que, ao longo dos
anos 70, 80 e 90 se consolida, assume hegemonia e função de paradigma nas
principais instituições de pesquisa do Serviço Social. Tal orientação, ao se deter
no exame das macrodeterminações da institucionalização profissional – as
condições econômicas, políticas e sociais que “determinaram” a sua inserção na
divisão sóciotécnica do trabalho nos marcos do expansão industrial no Brasil dos
anos 30 – tendeu a secundarizar o exame dos impactos da dimensão de gênero
sobre o formato do Serviço Social. Em termos mais específicos, tal orientação
não indagava que características eram imprimidas à profissão pelo fato dos seus
agentes serem em sua quase totalidade mulheres. Deixava de argüir que
significados existiam na movimentação de um sem-número de mulheres no
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espaço público numa atividade remunerada, em um período histórico em que a
Igreja, segmentos da burocracia estatal e outros importantes segmentos sociais
eram contrários ao trabalho feminino. Durante muito tempo, só topicamente a
questão foi abordada, via de regra concluindo que o ingresso das mulheres na
profissão de assistente social se dava como uma extensão das práticas
caritativas, uma vez posta como “irrefutável” a sua vinculação com a doutrina
social da Igreja e com os interesses das classes dominantes. Em face desta
percepção, os críticos do passado profissional imputavam aos pioneiros da
profissão uma ação de caráter antipopular e controladora das classes
subalternas; a inobservância das questões materiais na gênese da pobreza e,
por conseguinte, uma atividade profissional fundada apenas no julgamento
moral e religioso; além de uma total subordinação aos ditames das classes
dominantes e do Estado e de uma prática com famílias dirigida unicamente à
reprodução da força de trabalho e inculcação dos valores dominantes. Ao
mesmo tempo, por razões assemelhadas, muito pouco, quase nada, discutiu-se
das imagens de mulher construída no interior da profissão no período em causa.
Nos anos 90, seja pela eleição dos temas de estudo seja pela incorporação de
novas referências teóricas – a história cultural – e aparatos metodológicos – a
história oral, por exemplo – inúmeros avanços podem ser visto na historiografia
profissional. É no bojo dessa revisão – vale dizer, uma revisão que busca situar
os pioneiros dessa profissão nos limites e possibilidades do seu tempo e meio –
que surgem as primeiras preocupações sistemáticas sobre a questão do
feminino no Serviço Social, assim como a reavaliação de algumas conclusões
consolidadas sobre ela. Este artigo pretende-se uma contribuição a essa
revisão.
1
Ao fazê-lo, intende contribuir para a história da profissionalização das
mulheres no Brasil.
ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: A ANTINOMIA DA CONDIÇÃO
PROFISSIONAL
- Professor Adjunto da Escola de Serviço Social da UFF. Doutor em Serviço Social.
1
O corpus documental que permite o encaminhamento desta discussão é constituído por livros, artigos da
Revista “Serviço Social” publicados entre 1939 e 1949, Trabalhos de Conclusão de Curso apresentados à
antiga Escola de Serviço Social do Rio de Janeiro, nos anos de 1948, 1949 e 1950 e a documentação
existente no centro de Referência Documental da ESS/UFF (documentos oficiais, correspondências da
Instituição, documentos de seleção de alunos, atas de reuniões de professores e de defesa de tese, do
diário pessoal da professora Arl ete Braga, pioneira daquela u nidade de ensino e dos dossiês dos alunos
que passaram pela Escola entre 1945 e 1949).

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