A Repercussão Geral Como Novo Requisito de Admissibilidade do Recurso Extraordinário

AutorCelina Kazuko F. Mologni/Lívia Pitelli Zamarian
CargoUniversidad Estadual de Londrina (UEL). Universidade Norte do Paraná (UNOPAR). Universidade Norte do Paraná (UNOPAR).
Páginas37-45

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1 Introdução

A partir da Constituição Federal -C F de 5 de outubro de 1988, o recurso extraordinário vem desempenhando função constitucional para garantir a supremacia da Constituição no controle difuso de constitucionalidade, por meio Tribunal Federal -STF. O âmbito do recurso extraordinário limita-se às questões constitucionais, isto é, controlar a constitucionalidade.

Visando desafogar esta corte constitucional, a CF de 1988 criou o recurso especial para julgar as questões federais, através do Superior Tribunal de Justiça -STJ, antes, de atribuição do STF, que velava pela interpretação e aplicação uniformes do direito federal.

Contudo, mesmo com a repartição de sua competência, o STF continuou em crise, por excesso de interposição de recurso extraordinário, cuja diminuição se pretende, através do último remédio criado pelo legislador, que consiste no instituto da repercussão geral. Trata-se de uma das condições de admissibilidade do recurso extraordinário, entre outras, desempenhando, assim, papel de filtragem para seleção dos recursos efetivamente

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merecedores de julgamento pela corte constitucional.

A instituição de tal filtro recursal tem o escopo de racionalizar a atividade jurisdicional, desafogando o Judiciário Brasileiro e, permitindo, assim, que o STF atue na sua função precípua: a guarda da Constituição.

Com este objetivo, a repercussão geral da questão constitucional debatida no processo foi introduzida como requisito específico de admissibilidade do recurso extraordinário pela Emenda Constitucional -EC n. 45, de 8 de dezembro de 2004, que acrescentou o parágrafo 3º ao artigo 102 da Constituição Federal. Poste-riormente, a repercussão geral das questões consti-tucionais foi regulamentada pela lei n.11.418, de 19 de dezembro de 2006, que acrescentou ao Código de Processo Civil -CPC os artigos 543-A e 543-B, e disciplinada, também, pela emenda n. 21/2007 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que dispõe sobre os procedimentos para sua verificação.

A repercussão geral consiste na exigência de relevância social, política, jurídica ou econômica da questão debatida, que ultrapasse os interesses subjetivos da causa, atingindo a coletividade, em seus direitos coletivos ou difusos.

O presente estudo aborda os procedimentos utilizados para análise da existência da repercussão geral no recurso extraordinário, verificando-se a irrecorribilidade do juízo negativo, a competência para a deliberação, o quorum necessário para tanto, a intervenção de terceiros (amicus curiae) e os efeitos decorrentes para possibilitar o enfrentamento do mérito recursal no juízo ad quem.

Discorre sobre os procedimentos da interposição e processamento dos recursos extraordinários, principalmente, no tocante à análise pelo STF sobre a existência da repercussão geral da questão consti-tucional discutida no recurso, como requisito de admissibilidade recursal e a vinculação desta decisão sobre os tribunais de origem.

2 A Introdução da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário

A busca do Direito por uma tutela jurisdicional ágil e efetiva, através de um processo justo, com razoável duração, é incessante, mas, muitas vezes, frustrada. Os tribunais estão abarrotados e vem recebendo, a cada ano, número maior de processos. O Supremo Tribunal Federal, até a metade do ano de 2007, recebeu 29.796 recursos extraordinários distribuídos, segundo dados do próprio Supremo Tribunal Federal, constantes do Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário -Processos registrados, distribuídos e julgados por classe processual (BRASIL, 2007).

Assim, o que deveria ser extraordinário - manifestação suprema da Corte - tornou-se ordinaríssimo. Todos recorrem para o STF, que passou a ser um terceiro ou quarto grau de jurisdição (GOMES JÚNIOR, 2005, p. 91).

A tendência mundial é a racionalização da atividade jurisdicional, restringindo o cabimento de recursos. O instituto da repercussão geral, que visa acelerar o processamento dos recursos no Tribunal Superior, é adotado em países como os Estados Unidos, Alemanha, Áustria, Japão e Argentina (ABBUD, 2005).

No Brasil, a repercussão geral foi introduzida pela Emenda Constitucional 45 de 2004, denominada de A Reforma do Poder Judiciário, que criou o §3º do artigo 102 da Constituição da República e, posteriormente, regulamentada pela lei n.11.418/2006, que introduziu no CPC os artigos 543-A e 543-B (PAIVA, 2007).

A criação deste novo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário conferiu ao STF o poder de selecionar os recursos, cujo mérito será julgado, pois não faz sentido que o Pretório Excelso perca seu tempo (e o do País) julgando causas que não têm qualquer relevância nacional, verdadeiras brigas de vizinho, como fazia antes da EC 45/2004 (CÂMARA, 2007, p. 132).

A instituição desse novo mecanismo de filtragem visa restringir a utilização do recurso extraordinário, exclusivamente àquelas matérias que ultrapassem o interesse subjetivo da causa. Ou seja, matérias que possuam relevância social, política, econômica ou jurídica (artigo 543-A, §1º, CPC) na tentativa de desafogar a Suprema Corte e propiciar ao cidadão um processo com razoável duração, conforme prevê o inciso LXXVIII, do artigo , da CF. Visa, também, o aprimoramento da atividade do STF como uma autêntica corte constitucional (BRASIL, 1998).

A exigência da presença de repercussão geral nos recursos extraordinários (MARINONI; MITIDIERO 2007) resguarda, a um só tempo, o interesse das partes na realização de processos jurisdicionais em tempo justo e o de submeter ao exame do Supremo Tribunal Federal a dar sua última palavra de autoridade e de supremacia da Constituição para que seus preceitos sejam fielmente aplicados apenas em questões de verdadeira dimensão pública.

3 Recurso Extraordinário

O recurso extraordinário é uma modalidade de recurso excepcional, de fundamentação vinculada, só cabível após o esgotamento das vias ordinárias, por meio do qual objetiva-se tutelar e uniformizar a aplicação da matéria constitucional. É segundo Araújo (2006, p. 392) "o meio apto ao exercício do controle difuso de constitucionalidade das leis pelo Supremo Tribunal Federal", ou seja, é o meio pelo qual o STF analisa, em caso concreto, a compatibilidade do ordenamento jurídico com a Constituição Federal.

Para Theodoro Júnior (2004, p. 570), a finalidade do recurso extraordinário "é manter, dentro do sistema federal e da descentralização do Poder Judiciário, a autoridade e a unidade da Constituição," isto é, se houve ou não a ofensa direta ou indireta à Constituição Federal.

A competência para o julgamento do recurso extraordinário é atribuída constitucionalmente ao STF e é a própria Constituição Federal que enumera, taxativamente, as hipóteses de cabimento do referido recurso em seu artigo 102, III e alíneas. O recurso extraordinário encontra-se regulamentado, basi-camente, nos artigos 541 a 545 do Código de Processo Civil (CPC). Deverá ser interposto no prazo de quinze dias (artigo 508, CPC), perante o juízo a quo (artigo 541, CPC), que pode

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ser o tribunal ou até mesmo o juízo de primeiro grau. Após o protocolo da petição pela Secretaria (artigo 542, CPC), o recorrido será intimado para oferecer as contra-razões no mesmo prazo (artigo 542, CPC). Posteriormente, os autos serão conclusos para a realização do exame de admis-sibilidade (artigo 542, § 1º, CPC) no prazo impróprio de quinze dias, ou seja, seu descumprimento não acarreta conseqüências processuais.

Não admitido o recurso (artigo 544, CPC), caberá agravo de instrumento para o Supremo Tribunal Federal; caso este seja conhecido, o Relator do STF poderá avocar o recurso extraordinário. Da decisão do Relator caberá agravo interno (artigo 545, CPC). Uma vez admitido o recurso extraordinário pelo juízo de origem este será remetido ao STF nos termos do artigo 543 do CPC. Ao recurso extraordinário é atribuído somente o efeito devolutivo, restrito à matéria constitucional de competência do STF (artigo 542, § 2º, CPC). Assim, a decisão impugnada continuará a produzir efeitos e será passível de execução provisória (artigo 497, CPC). Admitem-se ações cautelares para suspender os efeitos das decisões impugnadas pelo recurso extraordinário, a fim de evitar grave dano irreparável ou de difícil reparação.

Recebidos os autos no STF, serão registrados e distribuídos a um Ministro Relator, conforme artigo 323 do RIST, e este realizará novo exame de admis-sibilidade, conforme os pressupostos adiante analisados. Da decisão preliminar do Relator, que não admitir o recurso com fulcro no artigo 557 do CPC, caberá agravo do artigo 545 CPC ao STF, no prazo de cinco dias. Sendo o recurso admitido, o recurso extraordinário será remetido à Turma para o julgamento da existência ou...

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