Resenha Memórias da plantação

AutorClebiane Santos da Silva e Silva
Páginas295-298
GÊNERO | Niterói | v. 23 | n. 1 | p. 295-298 | 2. sem 2022 295
GRADA KILOMBA – MEMÓRIAS DA PLANTAÇÃO: EPISÓDIOS DE
RACISMO COTIDIANO. RIO DE JANEIRO, COBOGÓ, 2019
Clebiane Santos da Silva e Silva
A partir de testemunhos de mulheres negras, numa escrita que emerge
de um ato político, Grada Kilomba propõe, para além de uma reflexão que
poderia se limitar a espaços acadêmicos (já que o livro é também sua tese de
doutorado), uma discussão acerca da atemporalidade do racismo enquanto
projeto engendrado nas teias do colonialismo, destacando suas manifestações
nos eventos ordinários da vida cotidiana.
Há que se dizer do caráter transformador, e por que não dizer transgres-
sor-emancipador da autora, em deixar claro para quem terá acesso aos seus
escritos, já na Introdução, que ela será quem descreve sua própria história e
não aquela cuja história será por outrem descrita; ela será a oposição absoluta
do que o projeto colonialista predeterminou, ao deslocar-se de objeto de
pesquisa a sujeito dela.
Numa produção cuidadosa, plena de intencionalidade e atenta à informatividade
do texto, Kilomba em todo tempo colabora com a aceitabilidade do público
leitor, ao participá-lo das motivações da escrita, das opções metodológicas que
guiaram o trabalho, bem como de sua preocupação em trazer para a linguagem
utilizada a urgência de novas terminologias que desmontem o que ela designa
como linguagem colonial. Por essa razão, a edição brasileira traz uma carta da
autora, antes da Introdução, com observações e problematizações inerentes a
termos da Língua Portuguesa. A palavra negra/o, por exemplo, deriva da palavra
latina para a cor preta, niger. Entretanto, após o início do que Kilomba chama de
expansão marítima portuguesa (para não usar a expressão “Descobrimentos”)
a palavra passou a ser usada nas relações de poder entre a Europa e a África
e aplicada aos africanos para definir seu lugar de inferioridade. Por isso, ela
opta por escrever o termo em itálico e em letra minúscula: negra/o, já que
no português, essa diferenciação parece não ter sido feita.
Nesse contexto, no primeiro capítulo, a pesquisadora inicia suas discussões
reivindicando o direito à fala, por muito tempo usurpado de corpos escravizados.
Para tanto, ela traz à memória de quem se puser a ler seu texto a imagem da
“Escrava Anastácia”, para pôr em relevo a máscara, instrumento de tortura
e silenciamento, que ao mesmo tempo suscita questões: por que a boca do

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