Retirolândia - Vara cível

Data de publicação28 Junho 2022
Número da edição3124
SeçãoCADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE RETIROLÂNDIA
INTIMAÇÃO

8000066-80.2020.8.05.0209 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Retirolândia
Autor: Orlandivo Dos Santos Reis
Advogado: Eduardo Rios Moreira (OAB:BA57744)
Reu: Banco Pan S.a
Advogado: Feliciano Lyra Moura (OAB:PE21714)

Intimação:

Vistos, etc.

Dispensado o relatório, na senda do art. 38, da Lei 9099/95.

Tratam os presentes autos de ação movida por ORLANDIVO DOS SANTOS REIS, com a finalidade de obter prestação jurisdicional que determine obrigação de fazer, bem como condene o Acionado ao pagamento de indenização por danos materiais e morais.

Em síntese, alega que o Acionado consignou em seu benefício previdenciário, indevidamente, o empréstimo consignado n° 308908190-9, entre os meses de 02/2016 e 11/2019. Informa não ter realizado qualquer transação financeira com o banco Réu que autorizasse o desconto mensal no valor de R$ 27,00 (vinte e sete reais).

O Réu, em sua contestação, suscita, como prejudicial de mérito, a prescrição trienal e argui preliminares de complexidade, conexão aos processos nos 8000069-35.2020.8.05.0209 e 8000067-65.2020.8.05.0209, e ausência de pretensão resistida. No mérito, assevera a legalidade da contratação, bem como refuta a pretensão indenizatória, ao tempo em que requer restituição dos valores disponibilizados à parte Autora, com a condenação da mesma nas penas da litigância de má-fé. Finalmente, requer a expedição de ofício ao banco no qual o consumidor tem conta bancária.

É o que importa circunstanciar. DECIDO.

Inicialmente, tendo em vista a conexão entre os presentes autos e os processos nos 8000069-35.2020.8.05.0209 e 8000067-65.2020.8.05.0209 , determino a reunião dos mesmos, haja vista tratar-se de discussão sobre empréstimo e cartão consignados entre as mesmas partes, com a finalidade de evitar decisões conflitantes, com base no §3º, do art. 55, do CPC.

REJEITO a prejudicial de mérito suscitada, pois a prescrição aplicada ao caso concreto é a quinquenal, com base no art. 27 do CDC.

REJEITO, ainda, a preliminar de incompetência do Juízo, por complexidade da causa. Consoante ENUNCIADO 54 do FONAJE, a menor complexidade da causa para a fixação da competência é aferida pelo objeto da prova e não em face do direito material. In casu, o deslinde da causa não reclama produção de prova complexa, a exame da prova pericial.

REJEITO, também, a preliminar falta de ausência de pretensão resistida, pois o acesso à justiça independe de reclamação administrativa, com fulcro no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.

Finalmente, REJEITO o pedido de expedição de ofício, haja vista que cabe ao Acionado comprovar a disponibilização dos valores dos contratos à parte Autora.

Passo a análise do MÉRITO.

Compulsando os autos, entendo desnecessária a realização de audiência instrutória, eis que versa a causa de matéria puramente de direito, provada por meio de análise documental, pelo que rejeito o referido pedido, requerido pelo banco Acionado, na audiência de conciliação.

Ademais, deve-se ressaltar que o destinatário da prova é o Juiz, a ele cabendo, dentro do princípio do livre convencimento, determinar a realização das provas que julgar necessárias e indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias (art. 355, I, do CPC).

A título de prelúdio insta registrar que a relação ora enfocada insere-se no plexo das nitidamente consumeristas, à luz dos preceptivos dos arts. e , do CDC.

Assim, é assegurada ao consumidor a aplicação do instituto da inversão do ônus da prova, previsto no art. 6º,VIII, do CDC.

À luz dessas premissas iniciais, e analisando os elementos de informação contidos nos autos, verifico que a parte Autora colacionou aos autos a prova mínima apta a comprovar a verossimilhança de suas alegações, notadamente, no que se refere AO EXTRATO DO SEU BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, que comprova a consignação do contrato sub judice.

Compulsando os elementos de prova, verifica-se que o Acionado não se desincumbiu do ônus probatório que lhe competia, na medida em que não trouxe à baila qualquer elemento de prova apto a afastar a verossimilhança das alegações autorais, não municiando esse juízo com os documentos comprobatórios da relação jurídica efetivamente entabulada entre as partes, especificadamente, no que concerne ao contrato de empréstimo consignado devidamente assinado pela parte Autora, acompanhado dos documentos pessoais.

Evidencia-se, por conseguinte, absolutamente indevida a conduta do Banco Réu em proceder ao desconto mensal no valor de R$ 27,00 (vinte e sete reais), no benefício previdenciário de titularidade da parte Autora, referente a suposto contrato de empréstimo consignado.

Trata-se, portanto, de falha na prestação do serviço, ensejadora da responsabilidade objetiva, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

In casu, entendo que os descontos indevidos realizados pelo Acionado no benefício previdenciário da parte Autora, configuram danos extrapatrimoniais passível de indenização pecuniária.

Sabe-se que a doutrina e a jurisprudência majoritárias se alinham no sentido de que o prejuízo imaterial é uma decorrência natural (lógica) da própria violação do direito da personalidade ou da prática do ato ilícito, caracterizando-se in re ipsa, ou seja, nas palavras do festejado Sérgio Cavalieri Filho: “deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de modo que, provada a ofensa... está demonstrado o dano moral” (Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Editora Malheiros. 2003. p. 99).

Dando a conotação aberta que a proteção da condição humana merece (e portanto fugindo de um rol de direitos da personalidade propriamente dito), numa perspectiva civil-constitucional, Maria Celina Bodin de Moraes vai além, afirmando que o dano moral refere-se à violação da cláusula geral de tutela da pessoa humana, seja causando-lhe um prejuízo material, seja violando um direito extrapatrimonial, enfim, praticando em relação a sua dignidade qualquer mal evidente ou perturbação, ainda que não reconhecido como parte de alguma categoria jurídica (MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos a pessoa humana: uma leitura civil constitucional dos danos morais. São Paulo: Renovar, 2003, p. 185)

Mas, também pelo viés punitivo, e da prevenção de danos, a repercussão da conduta da ré merece ser sancionada.

Perceba-se que o “paradigma reparatório”, calcado na teoria de que a função da responsabilidade civil é, exclusivamente, a de reparar o dano, tem-se mostrado ineficaz em diversas situações conflituosas, nas quais ou a reparação do dano é impossível, ou não constitui resposta jurídica satisfatória, como se dá, por exemplo, quando o ofensor obtém benefício econômico com o ato ilícito praticado, mesmo depois de pagas as indenizações pertinentes, de natureza reparatória e/ou compensatória; ou quando o ofensor se mostra indiferente à sanção reparatória, vista, então, como um preço que ele se propõe a pagar para cometer o ilícito ou persistir na sua prática.

Essa “crise” do paradigma reparatório leva o operador do direito a buscar a superação do modelo tradicional, a qual não se traduz no abandono da ideia de reparação, mas no redimensionamento da responsabilidade civil, que, para atender aos modernos e complexos conflitos sociais, deve exercer várias funções.

Ao lado da tradicional função de reparação pecuniária do prejuízo, outras funções foram idealizadas para a responsabilidade civil. Assim, avulta, atualmente, a noção de uma responsabilidade civil que desempenhe a função de prevenção de danos, forte na ideia de que mais vale prevenir do que remediar.

Conforme salienta Ramón Daniel Pizarro, tanto do ponto de vista da vítima quanto do possível responsável, a prevenção do dano é sempre preferível à sua reparação. O tema assume especial relevo em matéria de danos causados como consequência de uma lesão a direitos personalíssimos, como a intimidade, a honra ou a imagem.

Do mesmo modo, cresce a ideia, em países de tradição romanística, de uma função punitiva da responsabilidade civil. A indenização punitiva surge como instrumento jurídico construído a partir do princípio da dignidade humana, com a finalidade de proteger essa dignidade em suas variadas representações.

A ideia de conferir o caráter de pena à indenização do dano moral pode ser justificada pela necessidade de proteção da dignidade da pessoa e dos direitos da personalidade, sobretudo em situações especiais, nas quais não haja outro instrumento que atenda adequadamente a essa finalidade, respondendo, outrossim, a um imperativo ético que deve permear todo o ordenamento jurídico.

Essa ideia da indenização punitiva é coerente com os princípios que informam o nosso Direito e constitui um mecanismo consistente e apto à consecução dos fins para ele almejados. Nessa...

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