Retirolândia - Vara cível

Data de publicação05 Março 2020
SeçãoCADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL
Gazette Issue2571
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE RETIROLÂNDIA
INTIMAÇÃO

8001555-26.2018.8.05.0209 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Retirolândia
Autor: Maria Nelia Lima Da Silva
Advogado: Lucas Silva Mota Souza (OAB:0047405/BA)
Réu: Coelba - Companhia De Eletricidade Do Estado Da Bahia - Grupo Neoenergia

Intimação:

Vistos, etc.

Narra a parte Autora que fora surpreendida com a suspensão do fornecimento de energia elétrica na sua residência, verificada nos dias 10 E 11 de DEZEMBRO de 2017. Aduz que buscou soluções junto aos prepostos da Ré, sem obter êxito, fato que lhe causou sérios transtornos e prejuízos.

Eis o breve relato. Passo a decidir.

REJEITO a preliminar de INÉPCIA DA INICIAL, posto que o legislador pátrio assegurou o direito de ação ao consumidor, inclusive, a ¿inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências¿ (Art. 6º, VIII, do CDC).

Sendo assim, o indeferimento da inicial inibiria a instrução do feito e a aplicação do referido dispositivo, o que é facultado ao Magistrado, quando da existência de verossimilhança nas alegações do autor.

REJEITO a preliminar de AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR, por inexistência de pretensão resistida, pois essa condição da ação está atrelada à utilidade e necessidade de provocação da Jurisdição, para submeter à parte contrária à sua pretensão por ela resistida. Assim, se a parte autora pretende obter indenização pelos danos materiais e morais, cuja responsabilidade é negada pela parte Ré, há, em tese, o interesse de agir na propositura da ação.

REJEITO a preliminar de COMPLEXIDADE DA CAUSA. Consoante ENUNCIADO 54 do FONAJE, a menor complexidade da causa para a fixação da competência é aferida pelo objeto da prova e não em face do direito material. In casu, o deslinde da causa não reclama produção de prova complexa, a exame da prova pericial.

No que concerne ao PREQUESTIONAMENTO realizado em sede de contestação pela Acionada, cumpre registrar que a controvérsia reside na verificação da ocorrência da existência ou não da ocorrência de dano indenizável em virtude da suspensão do fornecimento de energia elétrica por empresa prestadora de serviço público está restrita ao âmbito infraconstitucional.

Assim, a verificação de ofensa à Constituição Federal não prescindiria da prévia análise das normas infraconstitucionais pertinentes ao caso. Eventual violação à Lei Maior, portanto, seria meramente reflexa.

Adentra-se no mérito.

Trata-se de ação fundada em suspensão de fornecimento de energia elétrica na residência da parte autora, verificada nos dias 10 E 11 de DEZEMBRO de 2017.

Sendo a relação de consumo, incide na espécie o art. 14, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, em face da prestação defeituosa do serviço. A responsabilidade é objetiva e decorre da obrigação de eficiência dos serviços, sendo que o art. 37, §6º, da Constituição Federal estendeu essa norma às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Além disso, o art. 22 do Código de Defesa do Consumidor reza que as concessionárias de serviço público são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e manter a continuidade quanto aos essenciais, que é o caso do fornecimento de energia elétrica.

O art. 6º do CDC, expressamente prevê os direitos básicos do consumidor, dentre os quais podem ser arrolados a proteção contra métodos comercias coercitivos ou desleais, bem como contra práticas abusivas no fornecimento de produtos e serviços (Inciso IV), assegurando ao consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais individuais (Inciso VI). Já no artigo 39, há previsão de inúmeras espécies de práticas abusivas.

Ademais, a responsabilidade da Acionada decorre da obrigação de eficiência dos serviços, através da colocação de mecanismos de segurança eficazes, em face da previsibilidade da ocorrência de falta de energia elétrica causada por temporais.

A parte Autora, através do depoimento da testemunha, comprovou que, de fato, sua residência permaneceu por quase 24HORAS sem energia elétrica.

No site da demanda, não se verifica inadimplência da parte Autora apta a ensejar a suspensão dos serviços, o que demonstra que a mesma estava regular com o pagamento das suas faturas, quando ocorreu a interrupção.

Assim, restou comprovado fato constitutivo do direito da parte Autora, qual seja, a interrupção do serviço por longo período.

Não há como desconsiderar a falha na prestação do serviço diante da falta de assistência ao consumidor em virtude do longo período para o restabelecimento da energia, ou seja, embora possível a ocorrência de uma intempérie, a demora na resolução do problema, essa sim, não é justificada, demonstrando a má qualidade do atendimento e do serviço

Igualmente, a Ré não comprovou a excepcional gravidade de evento climático ou outro problema técnico, a ponto de impedir a normalização dos serviços em tempo razoável. Isto posto, não há dúvidas que os prejuízos ocasionados decorreram do período consecutivo sem o fornecimento de energia elétrica.

De acordo com a Resolução Normativa ANEEL nº 414/2010, condições gerais de fornecimento de energia elétrica, estabelece quatro horas como prazo máximo para religação, em caso de suspensão indevida por inadimplemento, o que pode ser utilizado como parâmetro de razoabilidade para a falta do serviço.

Resta, pois, comprovado que o dano decorre da atividade da Ré. Comprovado também está o nexo de causalidade caracterizador da responsabilidade objetiva desta.

Cita-se julgado neste sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E MORAIS DECORRENTES DE SUSPENSÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. LUCROS CESSANTES NÃO DEMONSTRADOS. 1. A ré, na condição de pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público de fornecimento de energia elétrica, tem os limites de sua responsabilidade civil estabelecidos no artigo 37, § 6°, da Constituição Federal. Trata-se, pois, de responsabilidade objetiva, cujos elementos a serem examinados são a efetiva ocorrência dos fatos, o nexo de causalidade e o dano. 2. Interrupção do fornecimento de energia elétrica na região em que situada a residência da autora. 3. Configurada, in casu, inequivocamente, a prestação defeituosa de serviço público essencial por parte da requerida. 4. Dano material comprovado. A prova dos autos é suficiente quanto a maioria dos prejuízos postulados. 5. Lucros cessantes não comprovados. Ônus probatório conforme o disposto do art. 333, I, do Código de Processo Civil. 6. Dano moral. Trata-se de dano moral in re ipsa, que dispensa a comprovação da extensão dos danos, sendo estes evidenciados pelas circunstâncias do fato. Delimitação da indenização por dano moral em valor que se mostre suficiente e adequado para a recomposição dos danos e prejuízos, não caracterizando enriquecimento ilícito por parte da autora. Sentença mantida no ponto. APELOS DESPROVIDOS. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70042857037, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 08/06/2011)

Portanto, restou demonstrada a demora no restabelecimento do serviço, sendo cabível a indenização em danos morais.

A situação tratada nos autos vai além de mero aborrecimento e desconforto devido a essencialidade dos serviços prestados pela acionada. Na espécie, não há como se entender razoável que a parte reclamante suporte o evento apurado como uma corriqueira vicissitude do cotidiano.

É cediço que a finalidade da reparação do dano moral é oferecer compensação ao lesado, atenuando seu sofrimento, e quanto ao causador do dano tem caráter sancionatório para que não pratique mais ato lesivo a personalidade das pessoas.

O dano sofrido pela parte Autora pode ser facilmente deduzido. Se a falta de energia por poucas horas, já trata-se de um enorme embaraço e desconforto, quiçá permanecer sem luz elétrica, por mais de um dia.

Ademais, penalizar financeiramente as Concessionárias pelas falhas praticadas na prestação dos serviços é a forma mais eficaz de coibir a ocorrência de novos erros e qualificar essa prestação.

Quanto ao julgamento citado, do STJ, que pontuou que a interrupção do serviço de energia por prazo de cinco dias não enseja dano moral, além de trazer uma situação fática diversa da que consta na presente ação, não tem força vinculante.

Não se trata de decisão proferida em procedimento de recurso especial e de recurso extraordinário repetitivo, nem em incidente de resolução de demanda repetitiva ou de assunção de competência, MOTIVO PELO QUAL DEIXOU DE ACOLHER o precedente referido.

Assim, verificada a existência da responsabilidade civil, passa-se a questão seguinte. A fixação do quantum indenizatório, que deve atender aos fins a que se presta a indenização, considerando a condição econômica da vítima e do ofensor, o grau de culpa, a extensão do dano e a finalidade da sanção reparatória.

No tocante aos danos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT