Contrato Administrativo - Possibilidade De Retomada, Prorrogação Ou Renovação Do Ajuste - Manutenção Do Equilíbrio Econômico-Financeiro Inicial - Atenção Às Exigências Da Lei De Responsabilidade Fiscal

AutorProf. Luciano Ferraz
CargoProfessor de Direito Financeiro e Administrativo da PUC/MG
Páginas1-19

Professor de Direito Financeiro e Administrativo da PUC/MG. Mestre e doutorando em Direito Administrativo pela UFMG. Assessor jurídico do Presidente do Tribunal de Contas de Minas Gerais. Advogado.

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1 - Fatos

A ________ submete a este parecerista consulta sobre o Contrato Administrativo n.______, firmado com ______________, cujo objeto é a execução da obra de abertura e urbanização da Avenida _______________.

Foram fornecidos os seguintes documentos:

  1. cópia do contrato administrativo n. ____, assinado em ____________;

  2. cópia da publicação do extrato do contrato no Diário Oficial do __________, datada de 14 ______________;

  3. cópia da carta-fiança no valor de R$ ______________ subscrita _______________e apresentada pela consulente _____________;

    O contrato foi precedido de licitação, regida pela Lei 8.666/93 e alterações, na modalidade concorrência (n. _________ ), tipo menor preço global. A consulente sagrou-se vencedora do certame, apresentando proposta no importe de R$ ____________________________________________, que corresponde ao valor total do contrato (cláusula 2.2). Page 2

    O prazo para a conclusão da obra foi fixado em 240 (duzentos e quarenta) dias, contados a partir da Ordem de Serviço, podendo a execução dar-se parcialmente, por trechos da Avenida, a critério da _____________ (cláusula 3ª). A cláusula 5ª do contrato previu a possibilidade de prorrogação do prazo, mediante expressa manifestação das partes, nos termos da Lei.

    Os pagamentos seriam realizados, mediante apresentação dos comprovantes de medição, depois de fiscalizados pela _____________ (cláusula 2.3). Os recursos necessários à realização da obra seriam oriundos do tesouro ___________ e/ou de convênio (cláusula 4ª).

    Informa-nos a consulente que a escassez de recursos financeiros próprios do ___________ ou transferidos, impediu fosse emitida a Ordem de Serviço, que autorizaria o início da obra. Informa-nos, ainda, que até a presente data não houve qualquer ato praticado pela _________ tendente a rescindir o contrato.

    Diante desse quadro fático, a consulente apresenta os seguintes questionamentos:

  4. Existindo interesse da ____________, é viável a execução do contrato?

  5. É possível acordar com a ____________a realização do objeto, observado o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, utilizando-se, para tanto, tabelas de custos atuais, que refletem a realidade do mercado?

    A resposta à consulta basear-se-á nos documentos e nas informações prestadas pelo consulente e o exame é adstrito ao instrumento contratual.

2 - Pródromos
2. 1 - Administração pública e direito administrativo moderno

Para Otto Mayer o direito administrativo é o direito da administração pública.1 A expressão administração pública - administração para o público - reflete a superação do spoil system típico dos regimes absolutistas, em que se verificava a confusão entre propriedade (e poder) estatal e pessoal do soberano. Consoante legado de Cirne Lima, no Estado absoluto "não se conhece a administração pública como atividade distinta; a divisão de poderes é que a faz aparecer com tal feição."2 Page 3

O princípio da separação dos poderes, ou melhor, da segregação das funções é o pressuposto político para a existência do direito administrativo, enquanto o Estado de Direito é seu pressuposto jurídico.3 O direito administrativo surge, portanto, como reflexo das revoluções burguesas do Século XVIII - sobretudo a partir da Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789 - fincado na necessidade de imposição de limites ao poder estatal, de modo a assegurar o exercício das garantias e liberdades individuais. Daí a relevância do princípio da legalidade que "estabelecido como fundamento de direitos individuais e, por natural desdobramento, de direitos políticos da representação popular na constituição dos poderes reprime o absolutismo do Poder estatal e condiciona a atividade da Administração Pública."4

O direito administrativo no Estado liberal (Século XIX) coincidiu com a fase da administração pública burocrática, baseada na estrutura lógico-formal weberiana (organização, competência, hierarquia, divisão do trabalho, carreiras funcionais, especialização, imparcialidade, racionalidade, formalismo) sustentado por princípios de autoridade (poder de império, executoriedade, autotutela, discricionariedade). A literatura do direito administrativo produzida a partir de então "tornou-se praticamente unânime quanto à articulação dogmática da disciplina sobre a idéia central de que o interesse público é um interesse próprio da pessoa estatal, 'externo e contraposto ao dos cidadãos.'"5

A disfuncionalidade ínsita ao modelo burocrático e a cartelização nos órgãos administrativos, havidas ao longo do Século XX, explicam, em parte, o fato de a Administração Pública ter-se tornado um organismo hipertrofiado, formalista, avesso a novidades, míope. Com efeito, a atividade administrativa, na essência, não se conforma unicamente com princípios de autoridade - jus imperii - utilizados pelos e voltados para os próprios agentes públicos. "O fim - e não a vontade - domina todas as formas de administração."6

A idéia de finalidade passa a permear a atividade de administração pública - a visão do princípio da legalidade exclusivamente numa perspectiva lógico-formal, típica do positivismo clássico, não mais se coaduna com os fins a que o direito administrativo se propõe. Noutra senda, escrevi que "a incidência do princípio da legalidade sobre os negócios privados (e diga-se: é essa a razão da dicotomia público-privado) é meramente formal, enquanto na seara dos negócios públicos é substancial, preenchida pela finalidade pública que norteia toda a atividade estatal."7 Page 4

O abalo do modelo burocrático reclama formas menos rígidas de organização, numa onda de resgate da colaboração entre Estado, sociedade e indivíduos. O modelo de administração gerencial que se anuncia decanta - não exclui - a burocracia; prestigia fins e não meios; "o racionalismo cede espaço a novas concepções [...] a ênfase em conexões, a relatividade e a incerteza, acrescentando-se, porque interessantes para o tema em foco, a flexibilidade, a interdisciplinariedade e a idéia de finalidade."8

Nessa perspectiva de superação da rigidez lógico-formal, o princípio da legalidade - ícone do direito administrativo -, ganha colorido. O ordenamento jurídico-administrativo passa a angariar manifestações exógenas, traduzidas em princípios, tais como moralidade, razoabilidade, proporcionalidade, eficiência, amalgamando substância e brilho, num verdadeiro arco-íris normativo.

Em tempos hodiernos, a imperatividade e a estrita legalidade cedem espaço, respectivamente, à consensualidade e à legitimidade. Nas palavras de Moreira Neto,

"ao refluxo da imperatividade [...] reconhece-se que ela não só tem limites jurídicos, opostos a seu emprego para evitar abusos, como condicionantes políticos, para que possa alcançar maior eficiência administrativa.[...]. Com o Estado de Direito surgiu o limite da legalidade, estabelecido pela lei. Com o Estado Democrático, de feição pluriclasse, afirma-se o limite da legitimidade..."9

Ao direito administrativo - direito da administração pública - resta percorrer o mesmo caminho. "Assim, enquanto o Direito Administrativo do século XIX, caracterizou-se pelo seu caráter autoritário e pela possibilidade de predeterminação de todas as situações, num mundo considerado seguro, estável, a rápida evolução dos fatos tecnológicos e financeiros, as constantes modificações legais e a impossibilidade de qualquer previsão, a médio ou longo prazo, no plano econômico exigiram uma reformulação do Direito Administrativo, que, como os demais ramos do direito, passou a constituir um direito flexível, na feliz expressão de Jean Carbonnier." 10

Sob o influxo dos modernos, administração pública e direito administrativo, impõe-se a busca de uma relação dinâmica, legítima e consertada entre a Administração Pública e os particulares que com ela colaboram, notadamente em âmbito contratual. Page 5

2. 2 - Considerações sobre a interpretação dos contratos administrativos

O direito administrativo rege os contratos administrativos. Submetem-se eles - os contratos - a regime especial (Lei 8.666/93), mas não desprezam, na sua exegese, regras da teoria geral do direito. Pode-se mesmo afirmar que o regime jurídico dos contratos administrativos combina elementos públicos e privados, regras de direito administrativo - que têm prevalência - e regras de direito privado. Pontifica Hely Lopes Meirelles que:

"...na interpretação do contrato administrativo é preciso ter sempre em vista que as normas que o regem são as de Direito Público, suplementadas pelos princípios da teoria geral dos contratos e do Direito Privado [...] Não se nega a aplicação das regras de hermenêutica comum, mas nessa operação não se pode olvidar que o objeto da contratação é, sempre e sempre, o atendimento do interesse público."11

À guisa de definições claras e precisas nos textos legais de direito administrativo, o intérprete pode (e deve) lançar mão das fórmulas integrativas da teoria geral do direito, sempre que isso seja necessário para atingir o interesse público. Parece-me, destarte, correto dizer que no direito público (e...

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