Entre rios - Vara cível

Data de publicação30 Setembro 2020
SeçãoCADERNO 3 - ENTRÂNCIA INTERMEDIÁRIA
Número da edição2709
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
1ª VARA DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS E COMERCIAIS DE ENTRE RIOS
INTIMAÇÃO

8000362-16.2020.8.05.0076 Usucapião
Jurisdição: Entre Rios
Autor: Renata Morais Rocha
Advogado: Leandro Costa Ferreira (OAB:0047764/BA)
Réu: Décio Machado De Almeida

Intimação:

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

JUÍZO DE DIREITO DA VARA DOS FEITOS DE RELAÇÃO DE CONSUMO, CÍVEIS E COMERCIAIS DA COMARCA DE ENTRE RIOS


8000362-16.2020.8.05.0076

AUTOR: RENATA MORAIS ROCHA

RÉU: DÉCIO MACHADO DE ALMEIDA


SENTENÇA

Vistos, etc.

Tratam os autos de OBJEÇÃO À IMPUGNAÇÃO IMOTIVADA DE PROCEDIMENTO DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL (suscitação de dúvida) apresentada por RENATA MORAIS ROCHA em desfavor do ESTADO DA BAHIA.

Alega que o Estado da Bahia, por meio da Procuradoria Geral do Estado – PGE, apresentou impugnação imotivada ao procedimento de usucapião extrajudicial, protocolado no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Entre Rios-Bahia em 26/09/2018, sob o nº133853, a requerimento do Sr. DÉCIO MACHADO DE ALMEIDA.

Defende que a impugnação é imotivada, vez que se amolda à previsão contida no art. 1.427-A, §§ 1º, 2º e 3º, do Código de Normas e Procedimentos dos Serviços Notariais e de Registro do Estado da Bahia.

Apontou que o processo foi protocolado sob o nº 133853, com Certidão Negativa de Matrícula e requisitos do artigo 1.418 § 1º do Código de Normas da Bahia.

Insta a se manifestar, o Estado da Bahia, por meio da PGE, teria apresentado impugnação genérica, sob o único argumento de que a inexistência de matrícula ou registro de propriedade particular em cartório, pressupunha propriedade pública, sendo portanto, imprescritível ou não passível de usucapião.

Neste cenário, requereu, fosse recebido o ofício de informações para que, nos termos do artigo 1427, § 6º do Código de Normas da Bahia, examine-se apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determine-se o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento da usucapião se a impugnação da Procuradoria do Estado da Bahia for rejeitada.

Foram colacionados documentos com o ofício de informações.

Foi proferido despacho, tendo sido determinada a intimação do Ministério Público que, em seu parecer, pugnou pela judicialização do feito.

No ID 64974058, a registradora do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Entre Rios-Bahia, apresentou manifestação ao parecer ministerial, pugnando pela não judicialização.

Novamente instado a se manifestar (ID 65590614), o Ministério Público pugnou pela conversão do feito em diligência, requerendo seja concedido prazo para que o ente estatal colacione prova da aludida titularidade do imóvel rural, sob pena de não o fazendo seja concedida “autorização ao Oficial do Registro para dar prosseguimento regular ao pedido de usucapião extrajudicial, desde que observe os demais requisitos e formalidades legais, proferindo sua decisão administrativa”.

Em resposta ao despacho proferido no ID 69154591, o Estado da Bahia apresentou documento intitulado contestação, no qual asseverou a inexistência de registro do imóvel, não tendo restado demonstrada a sua natureza privada, devendo-se presumir a sua condição de terra devoluta estadual, nos moldes da Lei de Terras do Estado da Bahia, nº 3.038. Defende a impossibilidade de usucapir bem público, pertencente ao Estado da Bahia, nos moldes previstos na Constituição Federal e legislação infraconstitucional.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

Fundamentação.

Ab initio, registre-se que o presente feito não ostenta a natureza judicial, razão pela qual a petição rotulada de contestação pelo Estado da Bahia será recebida como manifestação ao despacho proferido no ID 69154591.

O presente caso trata de impugnação ao procedimento de reconhecimento da usucapião pela via extrajudicial apresentado pelo Estado da Bahia.

Da leitura das alegações do impugnante (ID 59831905, 69154591), verifica-se que a impugnação se restringe à inexistência de registro do imóvel em nome de particular, podendo tais alegações serem resumidas nas seguintes palavras retiradas da petição acostada ao ID 69154591: “não ficou comprovado nos autos do usucapião extrajudicial a natureza privada daquela área de terras, considerando a inexistência de demonstração da cadeia dominial do imóvel (certidão sucessória de propriedade do imóvel usucapiendo na sua integralidade), de modo a permitir a clara identificação de um título original emitido do Poder Público, o que revela a existência de fortes indícios de tratar-se de uma terra devoluta estadual.”

Da análise das alegações do impugnante, Estado da Bahia, as terras usucapiendas seriam públicas, no particular, devolutas, tendo em vista a inexistência de título original emitido pelo Poder Público transferindo-se do domínio público para o privado.

Segundo o art. 99 do Código Civil, são bens públicos: I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Os bens dominicais, segundo o escólio de Dirley da Cunha Júnior, “São os bens públicos que constituem o patrimônio disponível das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Os bens públicos dominicais ou dominiais não têm destinação específica. Estão dentro do patrimônio disponível do Estado, compreendendo os bens móveis ou imóveis, corpóreos ou incorpóreos. São exemplos destes bens, as terras devolutas, os terrenos de marinha e seus acrescidos e os terrenos reservados e acrescidos quando não vinculados a destino público específico[1]”.

Segundo o mesmo autor, as terras devolutas “são terras públicas lato sensu, indeterminadas ou determináveis, sem nenhuma utilização pública específica e que não se encontram, por qualquer título, integradas ao domínio privado” que, “pertencem, em regra, desde a Constituição de 1891 (art. 64), aos Estados-membros [art. 26, IV, CF], excetuando-se aquelas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, que são de propriedade da União (CF/88, art. 20, II)[2].

Tecidas essas considerações, mister se faz perquirir-se acerca do modo de identificação das terras devolutas.

Nessa linha de intelecção, pergunta-se: a ausência de registro de propriedade em nome de particular gera, de per si, presunção de propriedade do estado? Em caso negativo, de quem seria a ônus de prova?

Para responder a estes questionamentos, considerando-se a inexistência de regramento legal específico, indispensável recorrer-se à jurisprudência.

Nesse cenário, vejam-se julgados do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

USUCAPIAO. ALEGAÇÃO DE ESTADO MEMBRO DE QUE CABE AO USUCAPIENTE O ONUS DA PROVA DE QUE O GLEBA EM CAUSA NÃO E TERRA DEVOLUTA, NÃO BASTANDO, PARA COMPROVA-LO, O DEPOIMENTO DE TESTEMUNHAS E A EXISTÊNCIA DE INDICIOS. INEXISTE EM FAVOR DO ESTADO A PRESUNÇÃO IURISTANTUM QUE ELE PRETENDE EXTRAIR DO ART. 3 DA LEI 601, DE 18 DE SETEMBRO DE 1850. ESSE TEXTO LEGAL DEFINIU, POR EXCLUSAO, AS TERRAS PUBLICAS QUE DEVERIAM SER CONSIDERADAS DEVOLUTAS, O QUE E DIFERENTE DE DECLARAE QUE TODA GLEBA QUE NÃO SEJA PARTICULAR E PÚBLICA, HAVENDO PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE QUE AS TERRAS SÃO PUBLICAS. CABIA, POIS, AO ESTADO O ONUS DA PROVA DE QUE, NO CASO, SE TRATAVA DE TERRENO DEVOLUTO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. (RE 86234, Relator(a): MOREIRA ALVES, Segunda Turma, julgado em 12/11/1976, DJ 31-12-1976 PP-11240 EMENT VOL-01047-01 PP-00974 RTJ VOL-00083-02 PP-00575)

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ALÇADA. REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ART. 308, VIII. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 5. USUCAPIAO. TERRAS DEVOLUTAS. INSUBSISTENTE A INVOCAÇÃO DE OFENSA AO ART. 5 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PARA SUPERAR O OBICE REGIMENTAL DA ALÇADA. DISPONDO ESSE DISPOSITIVO QUE AS TERRAS DEVOLUTAS NÃO COMPREENDIDAS NO ARTIGO ANTERIOR INCLUEM-SE ENTRE OS BENS DO ESTADO, COM ELE NÃO ATRITA A DECISÃO QUE ATRIBUI AO ESTADO O ONUS DE PROVAR SEREM, OU NÃO, DEVOLUTAS AS TERRAS, POIS NEM A FALTA DE TRANSCRIÇÃO NO REGISTRO GERAVA ESSA PRESUNÇÃO A SEU FAVOR. - RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. (RE 88881, Relator(a): RAFAEL MAYER, Primeira Turma, julgado em 29/04/1980, DJ 23-05-1980 PP-03734 EMENT VOL-01172-02 PP-00418)

ILHAS MARÍTIMAS (ILHAS COSTEIRAS OU CONTINENTAIS E ILHAS OCEÂNICAS OU PELÁGICAS). SANTA CATARINA. ILHA COSTEIRA. USUCAPIÃO DE ÁREAS DE TERCEIROS NELA EXISTENTES. DOMÍNIO INSULAR DA UNIÃO FEDERAL (CF, ART. 20, IV). POSSIBILIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DE EXISTIREM, NAS ILHAS MARÍTIMAS, ÁREAS SUJEITAS À TITULARIDADE DOMINIAL DE TERCEIROS (CF, ART. 26, II, "IN FINE"). A QUESTÃO DAS TERRAS DEVOLUTAS. INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO "JURIS TANTUM" DO CARÁTER DEVOLUTO DOS IMÓVEIS PELO SÓ FATO DE NÃO SE ACHAREM INSCRITOS NO REGISTRO IMOBILIÁRIO. INSUFICIÊNCIA DA MERA ALEGAÇÃO ESTATAL DE TRATAR-SE DE IMÓVEL PERTENCENTE AO DOMÍNIO PÚBLICO. AFIRMAÇÃO QUE NÃO OBSTA A POSSE "AD USUCAPIONEM". NECESSIDADE DE EFETIVA COMPROVAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DE SEU DOMÍNIO. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. DOMÍNIO DA UNIÃO FEDERAL NÃO COMPROVADO, NO CASO. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO. MATÉRIA DE PROVA. PRONUNCIAMENTO SOBERANO DO TRIBUNAL RECORRIDO. SÚMULA 279/STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. (RE 285615/SC, Relator(a): Min....

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