Utopias românticas da natureza

AutorAdalmir Leonidio
CargoIESALQ / Universidade de São Paulo
Páginas53-71
UTOPIAS ROMÂNTICAS DA NATUREZA
Adalmir Leonidio1
IESALQ / Universidade de São Paulo
Resumo
Este artigo busca analisar a visão de natureza entre alguns autores românticos,
particularmente aqueles em que tal visão conformava uma utopia ou proposta de
um mundo novo, frente ao desenvolvimento urbano e industrial da Europa moder-
na. Em outras palavras, o artigo explora as primeiras modalidades de crítica à
forma particular como se relacionavam homem e mundo natural na modernidade
capitalista.
Palavras-chave: Utopia; Romantismo; Natureza: Europa; Século XIX
Abstract
This article aims to analyze the vision of nature proposed by some romantic authors,
particularly those whose such a vision encompasses an utopia or a proposal of a
new world, contraposed to the urban and the industrial development of modern
Europe. In other words, the article explores the first critical attempts opposed to
the peculiar forms of relationship between humanity and the natural world in the
capitalist modernity.
Key words: Utopia; Romanticism; Nature; Europe; XIXth Century
1 E-mail: leonidio@esalq.usp.br
1. INTRODUÇÃO AO PROBLEMA DO ROMANTISMO
Apesar de parecer estranho hoje àqueles acostumados com os parâmetros
definidores das “ciências naturais”, a natureza não foi sempre a mesma2. E no
final do século XVIII uma nova sensibilidade começou a olhá-la de forma dife-
rente, vendo nela outras coisas. Uma natureza idealizada, e não mais puramente
matematizada, como passou a ser comum, sobretudo entre os homens de ciência,
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a partir do século de Galileu. Por trás dela, havia toda uma crítica ao modo de
vida nas sociedades modernas e industriais. Este artigo pretende analisar a for-
ma como alguns românticos concebiam a relação entre o homem e o mundo
natural, e que tipo de crítica à ciência e ao progresso estava aí colocado.
Para uma grande parte dos autores que tratam do romantismo, ele está
reduzido a uma simples escola literária cujas características mais visíveis são
descritas de maneira mais ou menos detalhada. Em sua forma mais corriqueira,
essa abordagem opõe o romantismo ao classicismo. Em um enfoque mais histori-
cizante, Michel Löwy3 buscou caracterizá-lo como uma visão social de mundo,
isto é, um estilo de pensamento ou ponto de vista socialmente condicionado, que
se pode manifestar em campos culturais bastante diferentes – literatura, filoso-
fia, pensamento político, econômico, etc. – e em diferentes períodos históricos4.
Trata-se de uma resposta à transformação lenta e profunda da sociedade – de
ordem econômica e social – representada pelo advento do capitalismo. O roman-
tismo, portanto, remonta à segunda metade do século XVIII, quando esta reação
ao modo de vida da sociedade burguesa começou a articular-se. Trata-se de uma
modalidade particular de crítica ao capitalismo, pois ela se dá em nome de valo-
res e ideais de um passado pré-capitalista e pré-moderno. Mas ao negar a reali-
dade presente, muitos românticos tendem a projetar estes valores em algum lu-
gar no passado, no presente ou no futuro. Daí o seu conteúdo apresentar-se
muitas vezes como utópico e crítico.
Mas que realidade é esta à qual se opõem os românticos? A partir do sécu-
lo XVII, paralelamente ao lento desenvolvimento de um modo de vida urbano e
industrial5, começa a desenhar-se uma nova atitude mental ou intelectual frente à
natureza e, por conseguinte, da condição humana6. Esta nova atitude é a da ciên-
cia moderna. Primeiro, houve a destruição do Cosmo aristotélico, entendido este
como uma estrutura finita, hierarquicamente ordenada, um mundo qualitativa-
mente diferenciado do ponto de vista ontológico. Isto é, para a ciência moderna
não há uma finalidade moral para as coisas. Depois, houve uma geometrização
do espaço, isto é, uma matematização da natureza e, por conseguinte, uma mate-
matização da ciência.7
A partir da penetração da teoria científica na técnica, resultante da revolu-
ção operada por Galileu, tornou-se possível a instrumentalização do conhecimen-
to sobre a natureza. A ciência, base da moderna tecnologia, permitiu então que
houvesse um aumento crescente da capacidade de poder produtivo e de “autono-
mia” das sociedades frente aos desígnios da natureza. A Revolução Industrial
significou uma aplicação do conhecimento científico para os fins de uma produ-
ção material ilimitada, em consonância com a noção de movimento ilimitado da
física moderna.

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