A rota do fim do mundo: mercado global de drogas e organizações criminosas na Amazônia

AutorJoana das Flores Duarte
CargoDoutora em Serviço Social pela PUC/RS. Professora no Curso de Serviço Social da Unifesp, no Campus da Baixada Santista.
Páginas47-63
A ROTA DO FIM DO MUNDO: mercado global de drogas e organizações criminosas na Amazônia
Joana das Flores Duarte
1
Resumo
O presente artigo é resultado de uma pesquisa concluída sobre mercado global de drogas, trabalho, informalidade e a
situação de homens e mulheres brasileiros e estrangeiros pr esos na tipificação penal da Lei 11.343, de 2006. Estruturado
em três partes, na primeira objetiva-se situar o caráter qualitativo e quantitativo da pesquisa, ao privilegiar o uso de dados
abertos de fontes nacionais e internacionais e a análise marxista dialógica do discurso para o exame das entrevistas
semiestruturadas. Em seguida, busca- se desvendar as relações entre fluxos, rotas e conflitos geopolíticos desencadeados
pelo mercado global da cocaína e a atuação estratégica da América do Sul e da região Amazônica no setor de produção e
exportação para a Europa e África. Nas considerações finais, faz -se apontamentos sobre a tríade: regularização,
descriminalização e legalização como responsabilidade do Estado.
Palavras-chave: Mercado global; cocaína; organizações criminosas; trabalho; r egião amazônica.
THE END OF THE WORLD ROUTE: global drug market and criminal organizations in the Amazon
Abstract
This article is the result of a research on the global drug market, work, informality and the situation of Brazilian and foreign
men and women imprisoned under the criminal classification of Law 11.343, of 2006. The first part of the article has the
objective of situating the qualitative and quantitative character of the research by privileging the use of open data from
national and international sources and the dialogic Marxist analysis of discourse for the examination of semi-structured
interviews. Next, it seeks to unravel the relationships between flows, routes and g eopolitical conflicts triggered by the global
cocaine market and the strategic role of South America and the Amazon region in its production and export to Europe and
Africa. In the final considerations, some notes are made on the triad: regularization, dec riminalization, and legalization as a
responsibility of the State.
Keywords: Global market; cocaine; criminal organizations; work; amazon region.
Artigo recebido em: 31/10/2022 Aprovado em: 31/03/2023
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v27n1.2023.3
1 Doutora em Serviço Social pela PUC/RS. Professora no Curso de Serviço Social da Unifesp, no Ca mpus da Baixada
Santista. E-mail: jf.duarte@unifesp.br
Joana das Flores Duarte
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1 INTRODUÇÃO: o silêncio da floresta
“Mantenho minha esperança e a fé na inteligência humana, apesar de todas as ferocidades
que se cometem dia a dia contra vida. Sigo acreditando ardentemente na utopia. A Pátria da
Água, com seus verdes milagres, será salva.”
“Tem consistência física, espessamente doce, o silêncio noturno da floresta [...].”
Thiago de Mello, 1981.
O Rio Amazonas nasce no Peru, na região de Vilcanota, e é considerado o rio mais
extenso do mundo, com 6.992 km de comprimento e mais de mil afluentes. Já sua bacia hidrográfica
abrange sete países da América do Sul: Brasil, Peru, Colômbia, Bolívia, Equador, Venezuela e Guiana
(RIO AMAZONAS, 2022). Não por acaso é, também, a maior rota fluvial fronteiriça de drogas do
mundo. O artigo em tela é fruto de uma pesquisa concluída sobre mercado global de drogas e a
posição estratégica da América do Sul como a maior região produtora e exportadora de cocaína no
mundo. Trata-se de uma pesquisa qualitativa envolvendo seres humanos, com dados quantificáveis
disponibilizados pela Polícia Federal, relatório da United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC)
e European Union Agency for Police Cooperation (Europol) de 2021, o relatório da UNODC de 2022 e
dados abertos do Supremo Tribunal da Irlanda, do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos da
América (EUA) e da Drug Enforcement Administration (USA, 2017). Soma-se a isso entrevistas
semiestruturadas com homens e mulheres brasileiros e estrangeiros presos na tipificação penal da Lei
de Drogas (2006) no estado de São Paulo.
Em relação às entrevistas, elas ocorreram após aprovação do Comitê de Ética em
pesquisa e foram realizadas no período de novembro 2021 a maio 2022 em duas unidades
penitenciárias no estado de São Paulo. O período de seis meses ocorreu em virtude da disponibilidade
das unidades prisionais, da manifestação de interesse das pessoas presas em participarem, e do
atendimento aos critérios de inclusão, quais sejam: I) não estar em situação de prisão provisória; II)
estar respondendo judicialmente pelo crime de tráfico de drogas; III) se for estrangeiro/a, ser dos
continentes africano ou americano; e IV) se for estrangeiro/a, falar espanhol ou português de Portugal
ou de países do continente africano. Para o presente artigo foram selecionadas cinco entrevistas, três
realizadas com mulheres e duas com homens. No quesito nacionalidade, os dois homens são
brasileiros, e, das três mulheres, uma é brasileira, uma é boliviana e uma é peruana. A motivação
dessa escolha parte do fato de que os/as cinco participantes narraram experiências no comércio ilegal
de drogas fronteiriço e internacional na região amazônica. Como forma de sigilo e preservação do
anonimato, são usados neste artigo nomes fictícios para identificar os/as entrevistados/as: João,
Cristóvão, Soledad, Carmen e Amanda.

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