Salário 'Por Fora' e Crime contra a Ordem Tributária

AutorEduardo Milléo Baracat
Páginas171-1

Ver nota 1

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Introdução

A prática do salário "por fora" é relativamente comum entre os empregadores brasileiros, muitas vezes com a conivência dos empregados. Objetiva-se, com essa prática, evitar a incidência de encargos sociais sobre parte da remuneração do empregado.

O empregador, algumas vezes, transfere ao empregado, parcial ou integralmente, o valor que deveria ser revertido a União (no caso do imposto de renda, salário-educação) e ao INSS (contribuição previdenciária). Outras vezes, contudo, o empregador beneficia-se única e diretamente do não recolhimento dos referidos encargos sociais, reduzindo o custo do trabalho e, também, aumentando o lucro.

Em qualquer uma dessas hipóteses, verifica-se significativo prejuízo a sociedade brasileira, pois os encargos sociais financiam a seguridade social, a saúde pública, programas educacionais, dentre outras medidas sociais.

O pagamento do salário "por fora" é amplamente disseminado no meio empresarial, na medida em que a única consequência para o infrator, caso venha a ser descoberta a ilicitude, será quitar, com juros e correção monetária, os encargos sociais e direitos que deveriam ter realizados ao longo do contrato de trabalho.

Ou seja, não há qualquer sanção ao empregador que pratica a alegada fraude, mas, tão somente, o ressarcimento do prejuízo causado ao empregado e ao Poder Público.

Mesmo assim, se o empregado não ajuíza ação trabalhista buscando o reconhecimento da existência do salário "por fora", ou, mesmo que ajuíze, não consegue provar o fato, ou, mesmo que prove, houver prescrição, o empregador fraudador será beneficiado.

Sustenta-se que a criminalização de determinados ilícitos trabalhistas que impactam diretamente sobre o interesse público é importante instrumento de prevenção e repressão.

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O Direito Comparado é exemplo da política de tendência a universalização da criminalização de ilícitos trabalhistas.

No Direito francês, por exemplo, verifica-se uma tendência gradual de se buscar a efetividade das regras trabalhistas através do Direito Penal. Apesar da resistência dos meios empresariais, verifica-se progressivamente aumento de leis criminalizando determinados ilícitos trabalhistas. Citem-se como exemplos, a lei de 6 de dezembro de 1976, relativa ao desenvolvimento da prevenção de acidentes de trabalho, a lei de 10 de julho de 1989, em matéria de trabalho ilegal, a lei de 12 de julho de 1990, sobre contrato de trabalho precário, e as leis de 16 de novembro de 2001 e 4 de março de 2002, sobre assédio sexual e assédio moral.

O Direito espanhol, por sua vez, prevê no art. 312.1 do Código Penal o ilícito do tráfico ilegal de mão de obra, arts. 316 e 317, delitos contra a vida e a saúde dos trabalhadores, art. 314, o delito de discriminação no emprego, art. 315.1, delitos contra a liberdade sindical e o direito de greve e o art. 307.1, crime de elisão ao pagamento das contas a Seguridade Social.

O Direito brasileiro também segue a tendência mundial de criminalizar ilícitos trabalhistas. Citem-se, como exemplo, os crimes de assédio sexual (Código Penal, art. 216-A), de declaração falsa ou diversa da verdade na CTPS do trabalhador ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita (Código Penal, art. 297, § 3º).

A principal razão para o desenvolvimento de um Direito Penal do Trabalho é de que a sanção penal mostra-se necessária, visto que única forma de tornar efetivas as medidas de proteção do trabalhador, já que inibe o empregador infrator. Em oposição, argumenta-se que a sanção penal prejudica o desenvolvimento das relações profissionais, pois trata o empregador como delinquente, desqualificando-o aos olhos de seus interlocutores.

Relevante, por conseguinte, a discussão acerca da existência no Direito brasileiro de criminalização da conduta do empregador que se utiliza da prática de pagar salário "por fora", não recolhendo os encargos sociais correspondentes, mormente diante da Lei n. 8.137/1990, que dispõe sobre os crimes contra a tributária.

Busca-se com o presente trabalho, destarte, responder à seguinte indagação: em que medida o pagamento do salário "por fora" pelo empregador ao empregado caracteriza o crime de fraude fiscal, acarretando a responsabilidade criminal do empregador pessoa natural ou do representante legal da empregadora pessoa jurídica?

1. Verificação do salário "por fora" e os respectivos encargos sociais
1.1. Salário "Por Fora": Conceito e Características

A alta carga tributária sobre a folha de pagamento é o principal argumento dos empresários para excluírem da base de cálculo dos encargos sociais parte do salário do empregado. Alegam que existe elevada incidência de encargos sociais sobre a folha de pagamento no Brasil e que afetam a composição dos custos da produção. Sustentam que o custo final do trabalho é formado por três tipos de despesas: a contraprestação do tempo efetivamente trabalhado; a contraprestação do tempo não trabalhado, tais como férias, feriados, licenças e outros; e as obrigações sociais de proteção à saúde, previdência, educação e assistência social.2

Evidentemente que o objetivo do empresário ao excluir da base de cálculo dos encargos sociais parte dos salários dos empregados é reduzir o custo do trabalho, aumentando a margem de lucro e sua competitividade. A intenção do empresário de desonerar-se ou reduzir a carga tributária é legítima, desde que não engendre planos que escapam do limite do ético e legal aceitáveis. Trata-se de objetivo bastante justificável do ponto de vista econômico, tendo em vista a necessidade de o empresário diminuir seus

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custos. Existe, também, o argumento da não confiabilidade da Administração Pública, diante dos inúmeros casos de corrupção e desperdício de dinheiro público.3

O salário "por fora", de seu turno, é a prática do empregador de não incluir na base de cálculo dos encargos sociais e, se houver, do imposto de renda, a totalidade do salário pago ao empregado, com o objetivo de sonegar determinados recolhimentos e reduzir a carga tributária.4

Importante característica do salário "por fora" é a dificuldade de se provar a existência. Com efeito, via de regra, o salário pago "por fora" é realizado sem recibo e sem a presença de testemunhas.5 O auditor do trabalho quando fiscaliza a empresa, de igual modo, não detecta facilmente sua prática.

Outra característica é a divergência sobre o conceito de encargo social. Com efeito, os empresários sustentam que são encargos sociais não apenas os valores devidos aos entes da Administração Pública, mas também determinados direitos dos empregados, tais como repouso semanal remunerado, férias, gratificação de férias, aviso prévio, 13º salário e despesas de rescisão contratual.6

Desse modo, quando o empregador efetua pagamento de salário "por fora", exclui salário não apenas da base de cálculo das obrigações sociais (ex.: contribuição previdenciária, Sesi, dentre outros), mas também de parcelas devidas ao empregado, principalmente repouso semanal remunerado, férias, FGTS e 13º salário.

Essa distinção gera uma grande...

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