Saneamento básico no brasil: entre o público e o privado

AutorVanessa Mendes Sales
CargoGraduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia
Páginas409-424
SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL: entre o público e o privado
Vanessa Mendes Sales
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Resumo
O pr esente artigo tem como objetivo analisar a polêmica em torno da titularidade dos serviços públicos de saneamento
básico após a aprovação da Lei Federal nº 14.026/2020, conhecida como o Novo Marco Regulatório do Setor. Busca
investigar se as alterações implementadas pelo novo diploma legal representam uma transferência velada da
responsabilidade estatal na univer salização dos serviços para o setor privado, especialmente no que tange ao esgotamento
sanitário. Sem pretender esg otar o tema, objetiva fazer uma pesquisa bibliográfica eminentemente qualitativa e exploratória
amparada no método indutivo. Conclui q ue o diploma viola as competências dos municípios e que, em certa medida, realiza
a transferência de resp onsabilidade na provisão dos serviços de saneamento para a iniciativa privada, atacando a
capacidade do Estado de alcançar a tão sonhada universalização.
Palavras-chave: Saneamento básico. Privatização. Universalização. Novo Ma rco Regulatório.
BASIC SANITATION IN BRAZIL: between public and private
Abstract
This article aims to analyze the controversy surrounding the ownership of public sanitation services after the approval of
Federal Law No. 14.026/2020, known as the New Regulatory Framework for the Sector. It seeks to investigate whether the
changes implemented by the new legal diploma represent a veiled transfer of state responsibility for the universalization of
services to the private sector, especially with regard to sanitary sewage. Without intending to exhaust the theme, the
objective was to carry out an emin ently qualitative and exploratory bibliographic research supported by the in ductive method.
It was concluded that the diploma violates the competences of the municipalities and that, to a certain extent, it transfers
responsibility for the provision of sanitation services to the private sector, attacking the State's capacity to achieve the long-
awaited universalization.
Keywords: Basic sanitation. Privatization. Universalization. New Regulat ory Framework.
Artigo recebido em: 26/07/2021 Aprovado em: 20/05/2022
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v26n1p409-424
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Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Pós-graduada em Compliance Público-Privado, Integridade
Corporativa e Repressão à Corrupção pela Faculdade CERS. Mestranda em Direito, Governança e Políticas Públicas pela
Universidade Salvador (UNIFACS). Advoga da. Analista T écnico na Defensor ia Pública do Estado da Bahia (DPE-BA). E-
mail: vanessamendessales@outlook.com.
Vanessa Mendes Sales
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1 INTRODUÇÃO
A emergência do novo coronavírus no Brasil colocou novamente em pauta o enorme
déficit de saneamento básico que o país acumula desde o início do seu processo de urbanização.
Segundo dados do Ministério da Saúde, até o final da elaboração deste artigo, o Brasil já somava
432.628 óbitos confirmados desde o início da pandemia. Entre tantas recomendações para prevenir a
disseminação do vírus, a higiene frequente e adequada das mãos tem sido apontada pelos
infectologistas de todo o mundo como uma das medidas mais eficientes.
No entanto, verifica-se que o cumprimento dessa recomendação aparentemente simples
esbarra na dificuldade de acesso da população brasileira a serviços adequados de abastecimento de
água potável, bem como de esgotamento sanitário, os quais estão intrinsecamente relacionados à
saúde pública. De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS),
83,7% dos brasileiros são atendidos com abastecimento de água tratada, o que significa que
aproximadamente 35 milhões de brasileiros não têm acesso a este serviço básico. Os estudos apontam
que a região Norte possui o menor índice de abastecimento por redes públicas (57,5%) ao passo que a
região Sudeste apresenta o maior índice (91,1%).
As desigualdades regionais a nível de abastecimento se tornam ainda mais evidentes
quando se considera que o Brasil dispõe de cerca de 12% da água potável doce do planeta e que os
índices de perda no sistema de distribuição atingem patamares da ordem de 39,2%. O diagnóstico
SNIS dos serviços de água e esgoto de 2019 permite estimar que a cada 100 litros de água
disponibilizados pelos prestadores de serviço apenas 60,8 são contabilizados como utilizados pelos
consumidores, sendo de fácil constatação que as perdas reais e aparentes na rede de distribuição
superam os níveis minimamente aceitáveis. Pesquisas da Associação Brasileira de Engenharia
Sanitária e Ambiental (ABES) demonstram que cidades de países desenvolvidos como Alemanha e
Japão possuem perdas de 11% da água tratada, enquanto na Austrália o índice é de 16%.
Embora não haja comprovação científica acerca da ocorrência de transmissão do
coronavírus pela via feco-oral, o monitoramento das redes de esgoto tem auxiliado no mapeamento de
regiões com maior incidência de contaminação, constituindo um alerta importante sobre os riscos que a
ausência de coleta e tratamento dos resíduos pode representar para a saúde humana e para a
preservação do meio ambiente. Nesse cenário, os déficits de acesso aos serviços de esgotamento
sanitário se mostram ainda mais preocupantes que os dados relativos ao abastecimento. Conforme
dados do SNIS, em 2019 as redes de esgoto alcançavam 54,1% da população total do Brasil enquanto
o índice de tratamento dos resíduos girava em torno de apenas 49,1%. Mais uma vez a região Sudeste

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